Homens
No perfil agudo dos quartos,
Nos ângulos mortais da sombra com a luz.
Vê como as espadas nascem evidentes
Sem que ninguém as erguesse - de repente.
Vê como os gestos se esculpem
Em geometrias exactas de destino.
Vê como os homens se tornam animais
E como os animais se tornam anjos
E um só irrompe e faz um lírio de si mesmo.
Vê como pairam longamente os olhos
Cheios de liquidez, cheios de mágoa
Uma mulher nos seus cabelos estrangulada.
E todo o quarto jaz abandonado,
Cheio de horror e cheio de desordem.
E as portas ficam abertas,
Abertas para os caminhos
Por onde os homens fogem,
No silêncio agudo dos espaços,
Nos ângulos mortais da sombra com a luz.
Sophia de Mello Breyner Andresen, in Ao Longe os Barcos de Flores, Poesia Escolhida por Gastão Cruz, Dita por José Manuel Mendes, Luís Lima Barreto, Luís Lucas, Luísa Cruz, Natália Luiza, Gastão Cruz (org.), Assírio & Alvim/ Sons, 2004.
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