terça-feira, 18 de agosto de 2009

Uma livraria em Lisboa

Em Lisboa desenvolvi, ao longo dos anos (poucos) em que cá vivo, uma estranha predilecção por uma livraria com tendências de alfarrabista em que, sempre que o livreiro me pergunta o que procuro, tenho a impressão que, dependendo da resposta, ele vai sacar da caçadeira que (aposto) guarda debaixo do balcão e pedir-me não muito educadamente para sair.
Em tempos um colega levou lá um primo a quem, quando este se preparava para comprar determinado livro, o livreiro disse que aquilo não era para ele e que não lho vendia. Um vendedor zeloso em relação à sua mercadoria, portanto.
Pergunta-se o leitor deste post o que diabo pode haver de agradável num espaço em que o proprietário nem sempre é afável com estudantes de literatura parasitas e semi-adolescentes (tipo eu) que lá vão animar-lhe o negócio e eu respondo: lá sempre encontrei livros que raramente aparecem noutros sítios e não sei como vão lá parar, mas o facto é que se encontram ali, às vezes muito à mão de semear. A livraria não é meramente alfarrábio, pelo que também se vendem as novidades editoriais.
Para terem uma noção da categoria, foi nesta livraria que pela última vez tive notícia da tradução portuguesa de um livro chamado From Vergil to Milton, de C. M. Bowra (Sir Cecil Maurice Bowra, reputado classicista que neste livro dedica um brilhante ensaio aos Lusíadas). E não, o livreiro não olhou para mim e não me perguntou com um ar espantado: quer o quê? Limitou-se a responder-me: há um ano ou dois vendi o último, talvez volte a aparecer entretanto. O único defeito que aponto à livraria é que por vezes é um pouco lenta em termos de venda de novidades editoriais.
Não há um café ou um espaço para ficar na conversa, como (mais ou menos agradavelmente) se tem tornado prática em algumas das livrarias de Lisboa que considero que têm qualidade em termos dos seus catálogos, como por exemplo a Bulhosa de Entrecampos, a Barata de Roma, ou a Trama do Rato.
Esta livraria agrada-me porque não é (nem nunca será) um supermercado de livros e porque, creio, é das últimas livrarias em Lisboa que me parece pensada para estudantes de literatura (pelo sólido acervo de textos literários e sobre literatura que possui), coisa que, convenhamos, a livraria da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pelo menos para mim, nunca foi. Isto não só porque os seus responsáveis não percebem rigorosamente nada de literatura (ou se percebem disfarçam bem) e porque, espantem-se, a larga maioria dos estudantes de letras da capital lê muito pouco, o que não ajuda ao dinamismo comercial na livraria de Letras.

P.S.: A livraria é a Lácio (Campo Grande, 111, 1700-089 Lisboa).

11 comentários:

  1. Miguel, vais ter de esperar, mas tem nome de livraria facilmente frequentável por classicistas.

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  2. Apostava na Bizantina ou na Livraria Camões, o estilo é o mesmo nos dois sítios.

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  3. Excelente! Já tenho mais uma paragem na minha próxima visita olisiponense. Grazie!

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  4. Miguel, espero que a visita à livraria valha a pena, e que a visita esteja para breve.Cumprimentos.

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  5. A Livraria não é apenas boa para Classicistas
    Para Estudantes de Filosofia também é muito aconselhável, mas a mim o que me faz confusão é aquele velho raquítico achar-se no direito de julgar quem tem ou não direito de lhe comprar os livros.
    Os livros são muito caros e o tipo raramente faz descontos coisa que por exemplo nalguns Alfarrabistas que eu frequento em Lisboa acontece com muita frequência. Motivo mais que suficiente para o homem estar calado.
    Além do mais a assistente dele também não é nada simpática, um Punk ou um Operário por não serem estudantes em Letras teriam menos direito a comprar-lhes livros do que um qualquer chulo a receber duas ou três bolsas para estar um dia inteiro num departamento ou centro de estudos a enviar emails?!?!?!?
    Sinceramente, deixei lá muito dinheirinho para erguer a minha biblioteca mas a verdade é que cada vez que lá vou me apetece menos voltar lá, o último episódio foi uma amiga minha que pegou num livro para o ver e ele tirou-lho das mãos sem mais nem menos dizendo que aquilo não é para mexer era para comprar.
    A falta de delicadeza e cordialidade das pessoas é o que a mim me faz mais confusão, e é por tudo isso que por muitos livros que se possam ler ou que se possam vender tal facto não nos dá a nós direito de sermos mal educados e insensíveis com as pessoas, sobretudo se essas pessoas forem o nosso sustento.
    Até porque como é sabido a Ética e a Espinha Dorsal não vêm dos livros que lemos mas antes da forma como a educação que nos foi administrada em casa, recebe esse mesmo conhecimento.

    madmax

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  6. meu caro amigo bolchevique, eu não digo neste post que a livraria é muito boa para clacissistas, digo que é muito boa para estudantes de literatura em geral, se te tivesses dado ao trabalho de ler o artigo, que é coisa que claramente não te interessa, aqui interessa-te apenas opinar, tinhas percebido isso. Se eles não fazem descontos, é porque o negócio dos livros, não sei se já percebeste, mas é regra geral um negócio mau. já o vi vender um livro a um amigo meu que é punk, e ser extremamente gentil, e tenho a certeza que o homem é solidário com essa causa operária ao qual tu és tão sensível. olha, eu não conheço muitos chulos que recebam duas ou três bolsas por mês e que vivam sentados em centros a enviar e-mails, conheço gente que recebe bolsas miseráveis e que trabalha sete, oito horas por dias, e muitas vezes chegam a produzir investigação sem receber. se gostavas de ser chulo e receber duas ou três bolsas por mês, problema teu, mas garanto-te que a vida de investigador é dura. sem direito a segurança social, fundo de desemprego ou horas extra. fico feliz por teres lá deixado muito dinheirinho, por que não foste só aos alfarrabistas que conheces e que fazem desconto?a mim, a falta de delicadeza e cordialidade nas pessoas às vezes não me choca rigorosamente nada, depende, a pessoa pode estar só com uma dor de dentes e não estar com paciência para ser delicado e cordial, ou então entender imediatamente que tem diante de si uma besta de tal calibre que é um desperdício usar de delicadeza e cordialidade. até porque, como é sabido, bento espinosa, por exemplo, nunca escreveu um livro chamado ética, não se escrevem tratados sobre ética e espinha dorsal, e um tipo, coitadinho, que até seja talentoso, nada estúpido e que leia muito, mas que tem uma mãe bipolar e um pai a monte, que como educação lhe dão pancada, até pode ler muito e compreender o que lê, mas nunca chegará à faculdade,a educação é em casa, meu patrício,não é para esses.

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  7. ah, p.s., não acredito que ele esteja muito interessado em ver se o dinheiro que recebe como paga de determinado livro vem de uma bolsa, do estudante, do operário ou do punk. não acredito que ele peça para ver o recibo de vencimento da pessoa a quem está a vender o livro. por outro lado, vender livros ao bolseiro de investigação é mais chato: o tipo é mais chato, procura coisas mais específicas, compra-as mais espaçadamente, às vezes em menor quantidade, e claro, o bolseiro de investigação é um gajo que já está a trabalhar, não vive à conta dos paizinhos, paga as contas próprias (coisas que te são alheias, tipo: renda de casa, comida, luz, água, etc), o que, infelizmente o deixa com menos dinheiro para livros, e, como trabalhou bastante durante o curso, justamente para garantir uma média que desse acesso à investigação (e digo-te, há muitos investigadores que nunca chegam a receber bolsa por trabalharem num projecto de investigação) já compraram muita coisa ao longo do curso, não são clientes tão atraentes como o estudante ou como o operário. caraças, tivesse eu o salário de um mecânico para gastar em livros e não o de uma bolsa de investigação (não de duas nem de três, a FCT exige exclusividade aos bolseiros dos seus projectos de investigação, e o trabalho feito no fim do projecto, tal como foi contratualizado, caso contrário há sanções, e garanto-te que isso dos e-mails é um mito que te contaram, meu rapaz, enquanto bolseira de investigação, mando para aí dois ou três mails por mês, se tanto, mesmo quando há colóquios, não é um dia inteiro ao computador)...

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