quarta-feira, 30 de maio de 2012

Paris, Texas (1984)

Nem menos, nem mais


Sou uma mulher. Nem menos, nem mais.
Vivo a minha vida como ela é
fio a fio
e fio a minha lã para vesti-la, não
para acabar a história de Homero ou o seu Sol
e vejo o que vejo
tal como é, na sua aparência.
e no entanto fixo o olhar uma
e outra vez na sua sombra
para sentir o pulso da perda,
e escrevo um amanhã
sobre as folhas de um ontem: não há voz
apenas o eco.
Gosto da ambiguidade necessária nas
palavras daquele que viaja de noite em direcção ao que já se foi
da ave sobre as colinas das palavras
sobre as açoteias das aldeias.
Sou uma mulher, nem menos, nem mais.

Faz-me voar a flor de amendoeira,
no mês de Março, da minha varanda,
saudosa de um dizer distante:
– Toca-me, para que eu leve os meus cavalos à água das nascentes.
Choro sem razão aparente, e amo-te
a ti como és, sem obrigação
sem ser em vão.
e dos meus ombros levanta-se o dia sobre ti
e quando te abraça desce uma noite sobre ti
e eu não sou isto nem aquilo
não, não sou Sol nem Lua
sou uma mulher, nem menos, nem mais.

Sê tu o Qays da nostalgia
se assim queres. É que eu
eu gosto de ser amada como sou
não uma imagem
colorida no jornal, ou uma ideia
entoada no poema entre os cervos...
ouço o grito de Laila longínquo
a partir do quarto de dormir: – Não me deixes
prisioneira de uma rima nas minhas noites das tribus
não me deixes com eles como uma história...
sou uma mulher, nem menos, nem mais.

Eu sou quem sou, como
tu és quem és: moras em mim
e eu moro em ti sobre ti para ti
amo a claridade necessária no nosso mistério partilhado
sou tua quando transbordo da noite
mas não sou uma terra
não sou uma viagem
sou uma mulher, nem menos, nem mais.

Cansa-me
o ciclo da Lua mulher
adoece a minha guitarra
corda
a corda
sou uma mulher,
nada menos
nada mais!

Mahmûd Darwîsh, O leito de uma estranha (1999)
Tradução do árabe: André Simões

Mario Giacomelli, 1968 (da série verrà la morte e avrà i tuoi occhi)

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baroque says nothing broken


Baroque says nothing broken, though to break
off labours the point,
and it judders and all.
Nonetheless I would clinch this
as music’s invocation, the tuned
drum’s glissando. You
can elide changes of pressure. I believe
creation ís self-healing, a self-stanched
issue of blood. It is also
furtherance of slow exile, but enjoy –
best to enjoy – riding that vague.
Requite self-envying, to eat the heart out
for the heart’s satisfaction, is this
wisdom? Well, as the wise man said,
I know it when I see it. So much
of time is rubble. Under the sky’s
great clearances, not oúr time only.
How beautiful the world unrecognized
through most of seventy years, the may-tree filling
with visionary silent laughter. Comme si
l’aubépine – FRÉNAUD – était un presage.
The hawthorn all the more fulfilling its beauty.
Comme si les dieux nous avaient aimés.
As if the gods even now had faith in us.

Geoffrey Hill. The Orchards of Syon. Counterpoint (2002).

Odysseus to Telemachus



My dear Telemachus,
The Trojan War
is over now; I don't recall who won it.
The Greeks, no doubt, for only they would leave
so many dead so far from their own homeland.
But still, my homeward way has proved too long.
While we were wasting time there, old Poseidon,
it almost seems, stretched and extended space.

I don't know where I am or what this place
can be. It would appear some filthy island,
with bushes, buildings, and great grunting pigs.
A garden choked with weeds; some queen or other.
Grass and huge stones . . . Telemachus, my son!
To a wanderer the faces of all islands
resemble one another. And the mind
trips, numbering waves; eyes, sore from sea horizons,
run; and the flesh of water stuffs the ears.
I can't remember how the war came out;
even how old you are--I can't remember.

Grow up, then, my Telemachus, grow strong.
Only the gods know if we'll see each other
again. You've long since ceased to be that babe
before whom I reined in the plowing bullocks.
Had it not been for Palamedes' trick
we two would still be living in one household.
But maybe he was right; away from me
you are quite safe from all Oedipal passions,
and your dreams, my Telemachus, are blameless.

terça-feira, 29 de maio de 2012

I don't think any word

Às tantas em Citizen Kane alguém diz que I don't think any word can explain a man's life. Infelizmente, pertenço àquele número de pessoas que acredita nisto com uma espécie de piedade ímpia. O facto de não acreditar que alguma vez alguma palavra possa explicar o que foi ou é a vida de um homem prende-se com outras reservas que tenho acerca da palavra enquanto experiência passível de ser entendida enquanto meramente estética. Para mim, não é a palavra que é a tragédia. A experiência do trágico é o que as palavras nos fazem - mas entre a palavra e o que sobre ela sentimos há uma falha que não pode ser colmatada. Há gente a quem Eurípides nunca fez nada, nunca fará nada, nunca poderá fazer nada. Há gente que prefere José Rodrigues dos Santos a Dostoiévsky. Essa falha entre nós e as palavras é o espaço em que assumimos as coisas, assumimos não só a nossa identificação com a experiência que as palavras nos oferecem, assumimos também um compromisso ético, o jogo de um código de valores e de sentimentos implícitos. Há duas ou três horas via num museu uma cnémide de um soldado grego do séc. VI. No papelinho que a descrevia dizia que era um misto de bronze e couro. Agora cor de vómito e com um aspecto putrefacto (algures há-de ter tido melhor aspecto, I hope), explicava-se no papelito da vitrine que os soldados a punham para dentro da sandália um pouco à semelhança do que faz um moderno jogador de cricket. Dou por mim então a pensar que entre o equipamento para o ofício de matar um homem e para o ofício de bater uma bola com um taco existem semelhanças. É possível pensar nestas coisas em termos próximos. Um homem vestido para a morte equipa-se de um modo semelhante ao de um homem vestido para jogar um jogo. Não há nada de errado nisto e a comparação é eficaz e inocente. Mas aqui, nisto, está o mecanismo que primeiro e de modo mais literal demonstra que nenhuma palavra pode de verdade explicar a vida de um homem sem que pelo menos algo se perca ou se ganhe nesta operação. 
Estava a pensar nisto e lembrei-me do final do L'Avventura de Antonioni. Aqui há uns dias estava a ler um texto de Martin Scorsese em que ele narrava a experiência de ter visto pela primeira vez este filme. Ele falava da última cena e dizia que nessa última cena Antonioni nos dava a ver uma coisa extraordinária, a dor de estar simplesmente vivo. Noções destas acho que são coisas que as palavras nos podem transmitir (como o primeiro agente no contágio de uma doença - estou muito filoniana hoje) mas que nenhuma palavra mimetiza em nós, que nenhuma palavra pode de facto sentir por nós ou dispensar-nos de sentirmos por nós só porque ela expõe o mecanismo. 
Aquando da morte de Sophia, Agustina escreveu à filha desta uma carta que começa assim: «Os sentimentos mais profundos não se partilham. Não fazem parte da história, não são do domínio público.» Um académico qualquer que li não sei onde chamava à palavra o lado público do pensamento. Não sei se as palavras são só o lado público do pensamento (he wished!), palavras tacteiam estas coisas que não se partilham, que não fazem parte da história, que não são do domínio público, dizê-las totalmente é todo um outro combate, é todo um outro cuidado - ainda que admita que as nossas palavras possam ir e criar essas coisas que não podemos dizer totalmente nos outros (é uma coisa que acontece por exemplo no poema de Joaquim Manuel Magalhães que cito no post anterior), mas tudo isto exige - mind this - equipamento ainda mais eficaz do que o do moderno jogador de cricket. 


*Tenho consciência que há falhas nesta argumentação, mas isto é uma crónica não um ensaio. Ofereço-me para travar uma partida de cricket com quem quer que queira criticar a minha nota. 

Há uma distância destruída

Há uma distância destruída
mesmo no lugar sobre o qual ousamos
reconhecer-nos sem nenhum sinal.
Perdem no artifício a proporção,
eles que foram sempre o meu aviso
sem nada cumprirem do que me avisavam.
E nessa lonjura de um olhar que quer perder-se
raiam na beleza dos mais justos filmes pornográficos.

O dízimo do mundo numa noite de outono,
o lugar aceso da lareira enferrujada,
o vazadouro agreste em que nos cerraram.
O que mata transporta estas oferendas,
esta catástrofe apaziguada,
enquanto detrás de um qualquer portão
se aproxima a máscara de cada forma,
toda por dentro da ossatura já desfeita
e nem então desaparecem.

Joaquim Manuel Magalhães, in «Adiafa», Alta Noite em Alta Fraga, Relógio d'Água,  2001.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

a noite pede música

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Quando nos aceitam

Quando nos aceitam logo nos rejeitam,
dizem as passagens todas que tocamos.
Dizem os corpos a que fomos dados
e os que nos fugiram.
Decretos perecíveis parecem proteger-nos
e depois outros nos distinguem
e nos matam.

Entretanto aguardo com a paciência o que vem,
bebo da árvore com sal,
confio a esperança ao que vive da derrota.

Mas o poema fala, fala de si,
apanha o real porque nele está
quem o escreve, que sou eu
que procuro deixar um sinal
de quantos nos esmagam
a todos os que são nós.

Joaquim Manuel Magalhães, in «Mãe-da-lua», Alta Noite em Alta Fraga, Relógio d'Água,  2001.

domingo, 27 de maio de 2012

Dividocracia

Debts we have none; and whatever we may contract on this account will serve as a glorious memento of our virtue. Can we but leave posterity with a settled form of government, an independant constitution of its own, the purchase at any price will be cheap. But to expend millions for the sake of getting a few vile acts repealed, and routing the present ministry only, is unworthy the charge, and is using posterity with the utmost cruelty; because it is leaving them the great work to do, and a debt upon their backs, from which, they derive no advantage. Such a thought is unworthy of a man of honor, and is the true characteristic of a narrow heart and a pedling politician.

Thomas PaineCommon Sense in Rights of Man & Common Sense. Verso (2009)

Alguma academia

- Como explica, senhor Citrine, a ascensão e queda de Von Humboldt Fleischer?
- Jovens, que pretendeis fazer com os dados sobre Humboldt: publicar artigos e dar um empurrão às vossas carreiras? Isso é capitalismo puro e duro.

Saul Bellow, O Legado de Humboldt, Salvato Telles de Menezes (trad.), Quetzal, 2012.

We have it in our power to begin the world over again.

The taking up arms, merely to enforce the repeal of a pecuniary law, seems as unwarrantable by the divine law, and as repugnant to human feelings, as the taking up arms to enforce obedience thereto. The object, on either side, doth not justify the means; for the lives of men are too valuable to be cast away on such trifles. It is the violence which is done and threatened to our persons; the destruction of our property by an armed force; the invasion of our country by fire and sword, which conscientiously qualifies the use of arms: And the instant, in which such a mode of defence became necessary, all subjection to Britain ought to have ceased; and the independancy of America, should have been considered, as dating its era from, and published by, the first musket that was fired against her. This line is a line of consistency; neither drawn by caprice, nor extended by ambition; but produced by a chain of events, of which the colonies were not the authors.

I shall conclude these remarks, with the following timely and well intended hints. We ought to reflect, that there are three different ways, by which an independancy may hereafter be effected; and that one of those three, will one day or other, be the fate of America, viz. By the legal voice of the people in Congress; by a military power; or by a mob: It may not always happen that our soldiers are citizens, and the multitude a body of reasonable men; virtue, as I have already remarked, is not hereditary, neither is it perpetual. Should an independancy be brought about by the first of those means, we have every opportunity and every encouragement before us, to form the noblest purest constitution on the face of the earth. We have it in our power to begin the world over again. A situation, similar to the present, hath not happened since the days of Noah until now. The birthday of a new world is at hand, and a race of men, perhaps as numerous as all Europe contains, are to receive their portion of freedom from the event of a few months. The Reflexion is awful—and in this point of view, How trifling, how ridiculous, do the little, paltry cavellings, of a few weak or interested men appear, when weighed against the business of a world.

Thomas Paine. Common Sense in Rights of Man & Common Sense. Verso (2009)

Mimmo Jodice, Atleta (da série Mediterraneo), 1986

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sábado, 26 de maio de 2012

Melhor seria que não me lessem nunca
os que por costume lêem poesia.
Muito além deles conseguir falar
ao que chega a casa e prefere o álcool,
a música de acaso, a sombra de alguém
com o silêncio das situações ajustadas.

Não ser lido por quem lê. Somente
pelos que procuram qualquer coisa
rugosa e rápida a caminho de uma revista
onde fotografaram todo o ludíbrio da felicidade.
Que um poema meu lhes pudesse entregar,
ademais da morte,
um alívio igual ao de atirar os sapatos
que tanto apertam os pés desencaminhados.

Joaquim Manuel Magalhães in "Sangramento", Alta Noite em Alta Fraga, Relógio d'Água,  2001
Olhamo-nos e deixamos de nos reconhecer.
Às vezes penso que me sinto muito velho,
e a caminho de ficar endoidecido.
Um desses homens de fronteira,
fechado na empena do mundo
com todo o esquecimento da vida
a esfaqueá-lo por detrás.
Um desses a quem apenas falta
que despachos governamentais lhes mijem na cara.

Com isto, vê lá, queria seduzir-te,
leitor, que nunca saberei quem és.

Joaquim Manuel Magalhães in "Valvulina", Alta Noite em Alta Fraga, Relógio d'Água,  2001

Já que estamos nisso

Don't Let Us Get Sick

(...) em vez de, ao falar de coisas humanas, se dizer que é preciso conhecê-las antes de as amar, o que passou a provérbio, ao contrário, dizem os santos, ao falar das coisas divinas, que é preciso amá-las para as conhecer, e que só pela caridade se entra na verdade, do que eles fizeram uma das suas mais úteis sentenças.

Blaise Pascal, De l'esprit géométrique et de l'art de persuader, Henrique Ruas (trad.), Porto Editora, 2003.

Caryatids (II)

Stupid with confidence, in the playclothes
Of still growing, still reclining
In the cushioned palanquin,
The nursery care of nature's leisurely lift
Towards her fullness, we were careless
Of grave life, three of us, four, five, six -
Playing at friendship. Time is plenty
To test every role - for laughs,
For the experiment, lending our hours
To perversities of impulse, charade-like
Improvisations of the insane,
Like prisoners, our real life
Perforce deferred, with the real
World and self. So, playing at students, we filled
And drunkenly drained, filled and again drained
A boredom, a cornucopia
Of airy emptiness, of the brown
And the yellow ale, of makings and unmakings -
Godlike, as frivolous as faithless,
A dramaturgy of whim.
That was our education. The world
Crossed the wet courts, on Sunday, politely,
In tourists' tentative shoes.
All roads lay too open, opened too deeply
Every degree of the compass.
Here at the centre of the web, at the crossroads,
You published your poem
About Caryatids. We had heard
Of the dance of your blond veils, your flaring gestures,
Your misfit self-display. More to reach you
Than to reproach you, more to spark
A contact though the see-saw bustling
Atmospherics of higher learning
And lower socializing, than to correct you
With our arachaic principles, we concocted
An attack, a dismemberment, laughing.
We had our own broadsheet to publish it.
Our Welshman composed it - still deaf
To the white noise of the elegy
That would fill his mouth and his ear
Worlds later, on Cader Idris,
In the wind and snow of your final climb.

Ted Hughes, Birthday Letters.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

A insustentável obtusidade dos teclados

Each language has its own tics. The French are so fond of long, rambling sentences that when you use a French keyboard, you have to press the shift key to get a full stop – yet the semi-colon is right there. French writers also love ellipses and exclamation marks to a degree that, were you to reproduce these punctuation elements faithfully in an English translation, it would risk looking like the work of a 14-year-old. The rhythms of other languages are also obviously, fundamentally different from English.  
Aqui
Nunca levara a sério a influência da localização e a eleição de quais os caracteres incluídos num teclado. É uma noção curiosa, e pergunto-me de que modo olharei para o próximo teclado dum outro registo que não este. Um pouco como quando me tornei consciente do impacto que a posição das legendas num filme pode influenciar a  nossa apreciação do mesmo (em que te focas? no que reparas?).

Die Befindlichkeit

Mais une fois la disposibilité ainsi délimitée négativement par rapport à la saisie d'un état "interne" par la réflexion, nous arrivons à apercevoir dans ce qu'il a de positif son caractère de détection. La disposition a chaque fois déjà découvert l'être-au-monde dans sons intégralité, elle seule rendant d'abord possible un se diriger sur...

 Martin Heidegger, Sein und Zeit, François Vezin (trad.), Éditions Gallimard, Paris, 1986.

-

Die Befindlichkeit, a situação de estar disposto, a "disposibilidade" é o sentimento de si, traduz a minha dimensão do sentir, do ser afectado, consequência da posição na existência do meu ser enquanto facto. "Ter sido aí posto", no mundo, é indiferente à minha vontade. Disposto: forma como sinto internamente o "estar aí posto". Sich befinden: estar afectado é o existencial fundamental. Todo o compreender é o compreender da situação. É no compreender e no interpretar que está o valor do Homem: pode sempre dar a volta: a maleabilidade faz que eu não seja um ser inerte. Nunca a situação explica e determina o meu agir. Compreensão é por um lado,  aquilo que apreendo da realidade, e por outro, abertura à possibilidade de desenvolver um horizonte de esperança.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Pelos de coelho

Talo, paneleiro, mais fofinho que o pêlo do coelho,
ou o fígado do ganso, ou o lobo da orelha,
ou a murcha pila de um velho e uma teia de aranha:
e tu mesmo, Talo, mais ladrão que uma violenta tempestade,
quando a deusa revela os mulherengos bocejantes,
devolve-me o pálio que me roubaste,
e o lenço de Sétabe e as tabuinhas da Bitínia,
meu estúpido, que descaradamente exibes como herdados.
Descola-os já das tuas unhas e devolve-os,
não te vão chicotes ardentes o tenro rabinho
e as mãos delicadas indignamente rabiscar,
e agitares-te tu de modo insólito, qual pequena nau
apanhada em mar alto por vento furioso.

(Catulo 25)

cinaede Thalle mollior cuniculi capillo
uel anseris medullula uel imula auricilla
uel pene languido senis situque araneoso
idemque Thalle turbida rapacior procella
cum diua mulierarios ostendit oscitantes
remitte pallium mihi meum quod inuolasti
sudariumque saetabum catagraphosque thynos
inepte quae palam soles habere tanquam auita
quae nunc tuis ab unguibus reglutina et remitte
ne laneum latusculum manusque mollicellas
inusta turpiter tibi flagella conscribillent
et insolenter aestues uelut minuta magno
deprensa nauis in mari uesaniente uento

Mote

A saudade é isto: viver nas ondas
e não ter pátria no tempo.
E desejos são isto: diálogos baixo
de horas diárias com a eternidade.

E a vida é isto: até que de um ontem
surge a mais solitária das horas
que, sorrindo diferente das outras irmãs,
vai calada ao encontro do eterno.

 
Rainer Maria Rilke, Alba Poética in Poemas, As Elegias de Duíno, Sonetos a Orfeu. Trad. Paulo Quintela, Asa Editores, 2003.

Veritas transcendentalis


L'être en tant que thème fondamental de la philosophie n'est pas le genre d'un étant et pourtant il concerne chaque étant. Son “universalité” est à chercher plus haut. Être et structure d'être se trouvent par-delà chaque étant et chaque possible détermination étante d'un étant. L'être est le transcendens pur et simple. La transcendance de l'être du Dasein a ceci d'insigne qu'il y a en elle la possibilité et la nécessité de l'individuation la plus radicale. Toute détection de l'être en tant que transcendens est connaissance transcendantale. La vérité phénoménologique (ouverture de l'être) est veritas transcendentalis.

Martin Heidegger, Sein und Zeit, François Vezin (trad.), Éditions Gallimard, Paris, 1986.
  

quarta-feira, 23 de maio de 2012

And I'll think of this when

And thus begin

Where was it, in the Strand? A display
Of news items, in photographs.
For some reason I noticed it.
A picture of that year's intake
Of Fulbright Scholars. Just arriving -
Or arrived. Or some of them.
Were you among them? I studied it.
Not too minutely, wondering
Which of them I might meet.
I remember that thought. Not
Your face. No doubt I scanned particularly
The girls. Maybe I noticed you.
Maybe I weighed you up, feeling unlikely.
Noted your long hair, loose waves -
Your Veronica Lake bang. Not what it hid.
It would appear blond. And your grin.
Your exaggerated American
Grin for the cameras, the judges, the strangers, the frighteners.
Then I forgot. Yet I remember
The picture: the Fulbright Scholars.
With their luggage? It seems unlikely.
Could they have come as a team? That's as I remember.
From a stall near Charing Cross Station.
It was the first fresh peach I had ever tasted.
I could hardly believe how delicious.
At twenty-five I was dumbfounded afresh
By my ignorance of the simplest things.

Ted Hughes, Birthday Letters.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Sê como as crianças


Sonhos que cachoam no teu fundo,
liberta-os da escuridão.
São como fontes, e caem
mais claros em pausas de canções
de novo no regaço das taças

E agora sei: sê como as crianças.
Toda a angústia é só começo;
mas a terra não tem fim,
e o medo é só o gesto,
e saudade o seu sentido.

Rainer Maria Rilke, Alba Poética (Frühe Gedichte) in Poemas, As Elegias de Duíno, Sonetos a Orfeu. Trad. Paulo Quintela, Asa Editores, 2003.

Vaporetto, Veneza, 1960

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Difícil encontrar fotografia tão perfeita.

Em Cuba, 1960

    Che Guevara, em grande estilo, dá lume a Sartre junto a Simone de Beauvoir.

X

No, not wrong bride, wrong was the first thought of.
Comedy's plight ready to corpse unbidden.
Scope for tragic himmelfarb, things by Fordie
(Take The Good Soldier),

Meredith's prized watchmaker's monocle. True,
This is but how comedy piques narration;
Noble lives pre-eminently disordered.
How do you read me?

So far so granting, as finesse of prankdom,
Incompatibilities new devoted;
Gifts declaimed here, taxing prorata nuptials,
Virginal, blindly.

Failing true faith yet one may have contrition
It is your face, none other self about me;
Something registered in imagination
Factored by edits.

How that helm heatstruck shall appear shade-wrangled;
Stay so ringdove; croon the horizon vaguer.
Lyric extase traded agains possessing.
Spare me prediction;

Spare me long lifestyles of ungrieving godheads;
Eros no blessing nor the masque of Iris.
Where as time shakes down clarimote and sunfleck
Choose to be lucky.

Geoffrey HillOdi Barbare: The Daybooks II, Clutag Press, Thame, Oxford, 2012.

Cátedra

     O resumo levou-o, até, a reflexões sobre a vaidade humana. Pensava no preço que a vida cobra por bens insignificantes ou muito vulgares que dá à pessoa. Ele, Kóvrin, por exemplo, para lhe ser dada uma cátedra quase aos quarenta anos, para ser um professor catedrático vulgar e expor numa linguagem mole, enfadonha e pensada ideias banais e ainda por cima alheias – numa palavra, para alcançar a posição de um cientista medíocre, precisou de estudar quinze anos: trabalhar dia e noite, sofrer de uma grave doença mental, ter um casamento infeliz e fazer muitas asneiras e injustiças, de que seria mais agradável nunca se lembrar. Kóvrin tinha agora plena consciência de ser medíocre e de bom grado se resignava com o facto, porque, na sua opinião, cada qual devia estar satisfeito com o que era.

Anton Tchékhov, Contos, III, Os Vizinhos, Relógio D'Água, 2002. 

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Perspectivas de Heidegger



 Com legendas em português nesta ligação.

Back in the day...


Luigi Ghirri, Versailles, 1985

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1

11 (Príncipe Míchkin depois da morte de Nastássia Filíppovna, tirado daqui)

Mas nós os que dos peixes somos
os que com a tormenta afinal todos nos perdemos
temos por simples pátria a língua portuguesa
e por isso por arma temos estar de pé
opor ao sol a face incorrigível
e darmos palavra aos que não têm voz
pois ao silêncio os têm submetidos
Poema de palavras não de paz mas de pavor
construção linguística difícil aparentemente
eu que em troca da vida e do triunfo me tornei teu ínfimo
                                                                                  cultor
sob essa superfície de impassível frialdade
sei que se oculta a voz não da humanidade
palavra do mais dúbio dos significados
mas dos homens que dostoievski viu ofendidos e
                                                            humilhados
Quente e humana embora na aparência fria
que a todos se destine a poesia.

De Ruy Belo, Transporte no Tempo

Versos que me trouxeram à memória um texto de Benjamin, Sobre a Linguagem em Geral e sobre a Linguagem Humana, em que nos é dito, por um lado, que a natureza sofre porque vive na ausência de linguagem. Por outro, o silêncio da natureza é reflexo da mais profunda tristeza, mas é para sua redenção que existem a vida e a linguagem do homem na natureza, e não só a do poeta, como por vezes se supõe
A poesia pode também dar voz ao que, pela opressão, se cala.

Elogio de Maria Teresa

Eu que às vezes encontro sem saber porquê

um simples não sei quê em estátuas retratos antigos

de límpidas mulheres desconhecidas

eu que de súbito à primeira vista me apaixono
                                                  adolescentemente
por essas mulheres mortas mas contemporâneas

de um pobre poeta português do século vinte

levadas até ele talvez por um discreto gesto

às formas e às cores impresso por um homem

que na arte encontrava a única razão de vida

abro a pasta e deparo com o teu retrato

um retrato de passe anos atrás tirado

no sítio suburbano onde primeiro vivemos
e juntos suportámos com surpresa a solidão

de sermos dois e ela só vergar os ombros onde os dias nos
                                                                                  poisavam

Conheço outros retratos teus onde também estás viva
um deles bem me lembro estava à minha espera em
                                                                     saint-malo

uma tarde ao voltar do monte saint michel

nesse verão bretão onde então procurava

justificação por mínima que fosse para a vida
numa das muitas fugas de mim próprio

que às vezes empreendo embora antecipadamente certo

de que só pela morte enfim me encontrarei comigo
com todos quantos verdadeiramente amei

alguns desconhecidos e alguns mesmo inimigos

sobretudo sedentos de justiça

de que depois somente de bem morto hei-de dispor
                                                               daquela paz
que sempre apeteci mas nunca procurei

até por não ter tempo para isso nem sequer para saber
coisas simples como saber quem sou porque ao certo só sei

que muito mais passei naquilo em que fiquei

nem que fossem os filhos ou os versos
 
que fiquei muito mais naquilo onde passei

como passos na areia no inverno ou repentinas sensações

de me sentir de súbito sensivelmente bem

encher o peito de ar sentir-me vivo

São retratos diferentes de quem foste um breve instante

e nele floriste e apenas não murchaste
por haveres ficado um pouco mais em tais fotografias

Mas há em todos eles uma graça inesperada

a surpresa da corça ou restos dessa raça

que há em ti talvez um pouco mais que nas demais
                                                                      mulheres

expressão sempre surpreendente da surpresa
mesmo até para quem te conhece tão bem como eu te
                                                                            conheço

Se nuns mais do que noutros sem excepção desponta

a madrugada que era e é esse teu riso claro

quem primeiro falou de riso claro

talvez houvesse ouvido a água quando corre sobre os
                                                       seixos de
 um ribeiro

talvez a houvesse visto branca e fresca

mas teve de inventar pra conquistar essa metáfora

quando eu que te ouvi rir não fiz mais do que ouvir

e sei que o som da água imita o teu sorriso

Talvez dentro de séculos se não fale já de ti

coisa aliás sem maior importância

que a de não ter alguém deixado o teu retrato

em qualquer dos museus esparsos pelo mundo
Eu estarei morto e pouco poderei fazer

por ti simples mulher da minha vida
Mas isso não importa importa esta manhã
este bar de milão onde olho o teu retrato

enquanto espero o meu pequeno-almoço

saboreio as cervejas em jejum tomadas

e começam de súbito a chegar aos meus ouvidos

inesperados os primeiros acordes do concerto imperador

Se um dia penso porventura te perder
mulher simples recôndita e surpreendente

sobre quem recaiu o peso do meu nome

só então saberei quanto valias verdadeiramente

Estás presente em mim como ninguém
e sabes quão terrivelmente amei e amo outras mulheres

além de ti além de minha mãe

Mas tu tens o meu nome clara rilke tu trocaste

a tua alegre vida irrequieta

no único infeliz dos teus negócios

por um poeta pobre velho e feio como eu

Contigo aprendi coisas tão simples como
a forma de convívio com o meu cabelo ralo

e a diversa cor que há nos olhos das pessoas

Só tu me acompanhaste súbitos momentos
quando tudo ruía ao meu redor

e me sentia só e no cabo do mundo

Contigo fui cruel no dia a dia

mais que mulher tu és já hoje a minha única viúva

Não posso dar-te mais do que te dou
este molhado olhar de homem que morre

e se comove ao ver-te assim presente tão subitamente

Bons-dias maria teresa até depois
preciso de tomar o meu pequeno-almoço

a cerveja era boa mas é bom comer

como come qualquer homem normal

e me poupa ao perigo de até pela idade

me converter subitamente num sentimental

Ruy Belo, Transporte no Tempo,  Editorial Presença, Lisboa, 1997.

sugerido também por esta publicação.

domingo, 20 de maio de 2012

A delicadeza disto knocks me out everytime

Then as he was absently fingering the edges of an uncut page with a transient sense of frustation, his glance wandered along the aisle where he was standing and he received a shock that could not have been greater if a brick had been thrown through the plate-glass shop-window.
He saw Jill.
She stepped out from behind an alcove, working her way slowly along the shelves, moving eventually in his direction. There was nothing casual in the resemblance: it was so exact that for a second his mind could not remember who it was, this overfamiliar face. And he was too bewildered to think as the realization came upon him. 
It was her hair, the colour of dark viscous honey, her serious face, her wild high cheekbones. Little hollows appeared and reappeared under these because, as John saw when he approached, she was whistling very softly. Her winter coat hung open and woollen gloves were stuffed into the pockets. Instead of stockings, she wore little socks, and her hands, now that she had taken a book down and was turning the pages  - were small, bony and not well-cared for. As John drew near to her, she glanced up at him and backed a few paces absently to allow him to pass.
An interval elapsed, during which time John, making no effort to pass, stood staring at her. It was absurd, laughable, unbelievable. Then for a second time she looked up and met his wide eyes with her grey, utterly strange ones. Both of them, both so young-looking, stared one another. 

Philip Larkin, Jill, Faber & Faber, 1964 (1ª edição).

quarta-feira, 16 de maio de 2012

LII

Not faced death, not been there, not done with dying
Proven things made salvageable like collage;
Work that takes intelligent patience, but no
Time now for patience.

Nor Cassandra's only but Laocoon's
Bawling struck Troy barely retaining reason;
Stranded dead-pregnant in the ranks of civics'
Obdurate clangour.

Any fragment serves for a token fragment.
Fix the new day squaring a cut-price flamen.
Nothing made so clear per amica - EI! - si -
Lentia lunae.

Time and crosswords, both, yield us topless towers.
Much have pondered, even considered saying.
Always some things human demand of us in-
Human poetics.

Set up quack's hurdles for ourselves. Does that reft
Oak, at last, gaft something to dying? Tolstoy's
Kind of gnomic questioning affirmation
Like in a long film

That, I think, went on for too long. I woke up
During battles. Tell me a mystery, a
Tale of winter, so I shall love you wisely.
Wisdom is fable.

Geoffrey Hill, Odi Barbare: The Daybooks II, Clutag Press, Thame, Oxford, 2012.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

       Das bandas da floresta e da herdade de Koltóvitch soprou um odor forte a convalária e a ervas melíferas. Piotr Mikháilitch ia ao longo da lagoa, olhava tristemente para a água e, recordando a sua vida, cada vez mais se convencia de que, até ao momento, nunca dissera e fizera o que pensava, e as pessoas pagavam-lhe na mesma moeda, por isso toda a sua vida se lhe afigurava agora tão escura como esta água em que se reflectia o céu nocturno e se emaranhavam as plantas aquáticas. E tudo lhe parecia irreparável.

Anton Tchékhov, Contos, III, Os Vizinhos, Relógio D'Água, 2002.

sábado, 12 de maio de 2012

On Homer's beaches



XIII

On Homer's beaches was a bliss, a grandeur, which reached our days untouched. The soles of our feet, digging the same sand feel it. We walk thousands of years, the wind continually bends the canebrakes and we continually raise our faces. Whither? Until when? Who are in charge?
We need a body of laws that develops form like our own skins as we grow up. Something both youthful and strong, like the “therein were overflowing waters”1 or the “shedding a copious tear”2. So that what man gives birth to may surpass man without suppressing him. 

 1.Odisseia 13.109: ἐν δ᾽ ὕδατ᾽ ἀενάοντα.
2. Ilíada 6.9: θαλερὸν κατὰ δάκρυ χέουσα.

Odysséas Elytis, The Collected Poems, Nikos Sarris e Jeffrey Carson (trad.), The Johns Hopkins University Press, 1997.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Le métèque

Avec ma gueule de métèque
De Juif errant, de pâtre grec.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Literatura e Sofrimento

        Que distância haverá entre a literatura e o sofrimento? Será ela função da natureza do sofrimento, da sua intensidade ou do espaço que os separa? A obra literária estará mais próxima do sofrimento que causa o reflexo do fogo ou daquele que provém do próprio fogo? Exemplos imediatos, tanto no espaço como no tempo, mostram existir relações praticamente directas entre a literatura e o sofrimento remoto, fechado, sendo porventura possível afirmar que o facto de sofrer com os outros constitui uma forma de literatura ardentemente em busca das suas palavras. O sofrimento imediato, aberto, distingue-se do sofrimento remoto em particular pelo facto de não buscar as suas palavras, em todo o caso de o não fazer na altura em que é sentido. Em comparação com o sofrimento fechado, o sofrimento aberto é tímido, contido e avaro nas palavras que profere.
        Enquanto o avião vai subindo, na negrura de inverno, através duma nuvem de chuva alemã e de neve alemã, e a águia alemã do aeroporto, ainda de pé, desaparece na obscuridade, por debaixo de nós, enquanto as luzes de Francoforte são abafadas por uma nuvem de trevas e o avião sueco se ergue acima do sofrimento à velocidade de trezentos quilómetros à hora, um pensamento porventura impõe-se, mais que qualquer outro, ao espírito do passageiro: e se ele fosse obrigado a ficar, se devesse ter fome todos os dias, dormir numa cave, lutar a cada instante contra a tentação de roubar, tiritar de frio em cada minuto e sobreviver às piores experiências, incessantemente? E este passageiro recorda as pessoas que encontrou e que são obrigadas a fazer tudo isso. Recorda sobretudo certos escritores, certos artistas, não porque tivessem mais fome ou sofressem mais do que quem quer que fosse, mas porque eles estavam conscientes das possibilidades de sofrimento, porque tinham tentado avaliar a distância entre arte e sofrimento.

(...)

        E o sofrimento, no meio de tudo isso? Põe-se a falar da felicidade de sofrer, da beleza do sofrimento. O sofrimento não é sujo, não é digno de piedade. Nada disso; é grande, porque engrandece os homens. «Como explicar as conquistas da nossa cultura germânica ancestral a não ser pelo facto de o povo alemão ter sofrido mais do que os outros povos?» Não é possível convencê-lo de que o sofrimento é algo abjecto. O historiador romântico que há nele acolhe o sofrimento como o mais poderoso dos motivos capazes de conduzir um homem a grandes acções, e o clássico nado que ele é vê nisso a fonte duma grande literatura, a qual não será necessariamente uma literatura de sofrimento.

Stig Dagerman, Outono Alemão, Antígona, (trad. Júlio Henriques), 1998.

Ten Years Gone

sábado, 5 de maio de 2012

quarta-feira, 2 de maio de 2012

O make me a mask

O make me a mask and a wall to shut from your spies
Of the sharp, enamelled eyes and the spectacled claws
Rape and rebellion in the nurseries of my face,
Gag of dumbstruck tree to block from bare enemies
The bayonet tongue in this undefended prayerpiece,
The present mouth, and the sweetly blown trumpet of lies,
Shaped in old armour and oak the countenance of a dunce
To shield the glistening brain and blunt the examiners,
And a tear-stained widower grief drooped from the lashes
To veil belladonna and let the dry eyes perceive
Others betray the lamenting lies of their losses
By the curve of the nude mouth or the laugh up the sleeve. 


Dylan Thomas, Selected Poems, J. M. Dent & Sons, 1974. 
 

terça-feira, 1 de maio de 2012

Martial Cadenza

Only this evening I saw again low in the sky
The evening star, at the beginning of winter, the star
That in spring will crown every western horizon,
Again... as if it came back, as if life came back,
Not in a later son, a different daughter, another place,
But as if evening found us young, still young,
Still walking in present of our own.

II
It was like sudden time in a world without time,
This world, this place, the street in which I was,
Without time: as that which is not has no time,
Is not, or is of what there was, is full
Of the silence before the armies, armies without
Either trumpets or drums, the commanders mute, the arms
On the ground, fixed fast in a profound defeat.

III
What had this star to do with the world it lit,
Whit the blank skies over England, over France
And above the German camps? It looked apart.
Yet it is this that shall maintain - Itself
Is time, apart from any past, apart
From any future, the ever-living and being,
The ever-breathing and moving, the constant fire,

IV
The present close, the present realized,
Not the symbol but that for which the symbol stands,
The vivid thing in the air that never changes,
Though the air change. Only this evening I saw it again,
At the beginning of winter, and I walked and talked
Again, and lived and was again, and breathed again
And moved again and flashed again, time flashed again.


Wallace Stevens, Antologia, Relógio d'Água, 2005.