sábado, 30 de outubro de 2010

Todo o Anjo é terrível

Se eu gritar, quem poderá ouvir-me, nas hierarquias
dos Anjos? E, se até algum Anjo de súbito me levasse
para junto do seu coração: eu sucumbiria perante a sua
natureza mais potente. Pois o belo apenas é
o começo do terrível, que só a custo podemos suportar,
e se tanto o admiramos é porque ele, impassível, desdenha
destruir-nos. Todo o Anjo é terrível.

Rainer Maria Rilke in «Primeira Elegia», As Elegias de Duíno, Maria Teresa Dias Furtado (trad.) Assírio & Alvim, 2002

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Falemos da hostilidade



Falaremos da hostilidade que Bloom,
o nosso herói,
revelou em relação ao passado,
levantando-se e partindo de Lisboa
numa viagem à Índia, em que procurou a sabedoria
e o esquecimento.
E falaremos do modo como na viagem
levou um segredo e o trouxe, depois, quase intacto.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Canto I, 10

Little Boxes

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Daqui a pouco


Na parede havia um calendário

Na parede havia um calendário parado em julho de mil novecentos e trinta e cinco, daguerreótipo que o bolor devorara, lamparinas de azeite, santinhos, uma ovelha de barro ao centro da mesa a passar o seu oval de crochet, até eu juntar dinheiro para uma casa na Cuca, meter cinco dias de férias e te levar comigo para uns lençóis como estes em que definho à tua espera, submergido pela bronquite do marujo e por barlaventos e sotaventos que ignoro e me angustiam, por brisas de tempestade, por promontórios intactos procurados pela tremura exaltada das bússolas.

António Lobos Antunes, As Naus, D. Quixote, 2006.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Lixboa

mas palavra que nunca pensei que Lixboa fosse este dédalo de janelas de sacada comidas pelos ácidos do Tejo, as vacas sagradas destes rebanhos de eléctricos, estas mercearias de saquinhos de amêndoas e de garrafas de licor, palavra que imaginava obeliscos, padrões, mártires de pedra, largos percorridos pela brisa sem destino da aventura, em vez de travessas gotosas, de becos reformados e de armazéns nauseabundos, palavra que imaginava uma enseada repleta de naus aparelhadas que rescindiam a noz-moscada e a canela, e afinal encontrei apenas uma noite de prédios esquecidos a treparem para um castelo dos Cárpatos pendurados no topo, uma ruína com ameias em cuja hera dormiam gritos estagnados de pavões.

António Lobo Antunes, As Naus, D. Quixote, 2006

A livraria mais aguardada de sempre


terça-feira, 26 de outubro de 2010

Ítaca n.º 2

Onde comprar.

Apontamentos, um post grande

Diz que D. João V gostava de fazer as coisas em grande. No que toca a embaixadas, ficou famosa a que enviou ao Papa Clemente XI, entre 1712 e 1718, encabeçada num primeiro momento por Rodrigo de Meneses, marquês de Fontes, e na recta final por André de Mello e Castro, que mais tarde seria conde de Galveias e Vice-Rei do Brasil.

But I digress. Convém só dizer que o Mello e Castro estava já em Roma antes mesmo de começar oficialmente a embaixada, como enviado especial, a tentar arranjar maneira de compensar o orgulho ferido do monarca - por não ter conseguido meter o bedelho diplomático na salganhada do rescaldo da Guerra da Sucessão Espanhola - com qualquer coisa jeitosa e que brilhasse, tipo a promoção da diocese de Lisboa a igreja patriarcal, o que a bem dizer dá sempre jeito. Algo assim.

But I digress. O essencial é que o tal Mello e Castro vivia ao pé da Piazza Argentina, actual Largo di Torre Argentina (nada a ver com o país, parece que vivia lá um mestre de cerimónias papal chamado Giovanni Burcardo -vá-se lá saber o nome verdadeiro do homem - que era de Estrasburgo, aka Argentoratum), onde há ainda hoje um certo Teatro Argentina (falta de imaginação).

But I digress. O que é mesmo importante é que parece que esse teatro só foi inaugurado em 1732 mas que antes havia aí alguma coisa vagamente reminiscente de um teatro. Ora, tendo em mente a má fama de tais casas por essa altura, sou capaz de começar a pensar que o pré-conde de Galveias era, afinal, um pândego, se tiver também em conta que o dito organizou uma série de festas e espétaculos na tal espécie de teatro pelos anos em que pedinchava um patriarcado ao papa.

But I digress. O busílis está no facto que sua Excelência o Enviado Especial quase Embaixador gostava de convidar os amigos todos para esses eventos - leia-se, tudo o que fosse português e se encontrasse em Roma ou lá perto - , naturalmente implicando-se uma borla. E mais: fazia saber por todos os meios possíveis a sua nobre e patriótica intenção. Era só aparecer à porta, explicar que se era português, e entrar.

O desfecho, como seria aliás de se prever, é que Roma no século XVIII revelou ter mais portugueses do que Paris em 69 ou Lisboa anteontem. Não invejo o porteiro que teve que aturar infinitos "ma' io sou potoghesh! Lisboa! Amália! Mourinho! Cucujães!" versão barroco tardio a resvalar para o neoclássico.

Um par de séculos depois, a expressão "fare il portoghese", em italiano corrente, quer dizer "entrar nalgum sítio sem pagar", ou em vernáculo do nosso: "ser penetra". Note-se, "fare il" tanto pode signicar "fingir ser" como "ter por profissão", como em "babbo fa il CEO di Microsoft". But I digress.

O que queria mesmo dizer é que um bocadinho de erudição poupa muito dinheiro no psiquiatra ou no bar da esquina quando se é um português que 1) vive em Bolonha 2) anda sempre de autocarro sem passe ou bilhete 3) lê isto no jornal local.

El Portava i Scarp del Tennis

O indivíduo que canta - em dialecto milanês - licenciou-se em medicina na Universidade de Milão em 1954, tendo de seguida emigrado para a África do Sul onde se especializou em cardiologia. Já na Cidade do Cabo veio a integrar a equipa de Christiaan Barnard, autor do primeiro transplante de coração. Após um breve período nos Estados Unidos, regressou a Itália para gravar 28 álbuns. É cinturão negro de karaté.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

"Divorzio all'italiana" de Pietro Germi, 1961


O admirável mundo dos coelhos suicidas

Mais aqui.

E recordei-me de quantas vezes

Segui a pé, de sombrinha aberta, na direcção das escadas que os relâmpagos mostravam para tudo recair depois numa noite triste e enervada. O aparelho correu ao longo da pista quase sem luzes e ergueu-se acima da nódoa opaca do mar. Quer dizer: não se topava o que quer que fosse salvo o reflexo de nós próprios nas janelas mas eu sabia que era o mar, e recordei-me de quantas vezes, em pequeno, olhei aquelas ondas a lembrar-me de Goa.

António Lobo Antunes*, As Naus, D. Quixote, 2006

*a.k.a. «the big dark giant Lobos (sic) Antunes», como lhe chamou Steiner, quando há um ano atrás falou na sua cerimónia de doutoramento honoris causa da U.L. A primeira frase deste excerto das naus lembra-me uma cena do The Big Sleep.

(kaddish)

Ei-los. Aí jazem
Os meus frente ao tempo,
Terra na terra,
Esquecimento no esquecimento.
Foram matéria e vida para ti,
Eles formaram parte da tua trama,
Da rede que te expressa e que tecemos
Com esses fios frágeis
Que a morte quebra
Com o menor puxão das suas rudes mãos.
Acolhe-os, Senhor, em teu regaço,
Nessa tua matriz a que tudo regressa.

José Luis Puerto, Protecção das Sílabas: Antologia Poética, Licorne, 2010

Outono

na Rússia.

domingo, 24 de outubro de 2010

Ítaca, n.º 2

A todos os que ontem estiveram presentes no lançamento da Ítaca e encheram as salas da Livraria Fábrica Braço de Prata, a todos os que divulgaram o lançamento, a todos os que connosco fazem e acreditam neste projecto: muito obrigada.
Mais novidades em breve...

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

No outro lado da cidade
Habitam certas etnias
De duvidosas cores,
Com esse estranho e continuado hábito
Da melancolia
Quando o sol, pela tarde,
Ilumina os telhados
De um outro menino perdido.

José Luis Puerto, Protecção das Sílabas: Antologia Poética, Manuel Silva-Terra (trad.), Licorne, 2010

Atravessaram as cidades

Atravessaram as cidades:
Procuraram o lugar em que os deuses
Escondem o segredo da felicidade.
Só encontraram cinzas
Perpétuos labirintos em que tudo se esfuma.

José Luis Puerto, Protecção das Sílabas: Antologia Poética, Manuel Silva-Terra (trad.), Licorne, 2010

Tão estranha

Tão estranha pra mim
esta rosa, este doce brotar
esta ausência pensativa
ou luz sobre uma face que se furta...
Como um dia de primavera
quando se pressente qualquer coisa e se prende bem
por um instante, um segundo
imutável
qualquer coisa que nunca será verão

Gunnar Ekelöf, Antologia Poética, Vasco Graça Moura (trad.), Quetzal Editores, 1992

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Pett the kitty






































































O resto está aqui.

Fim

Cadmo trouxera para a Grécia «dádivas dotadas de mente»: vogais e consoantes unidas em sinais minúsculos, «modelo gravado de um silêncio que não se cala»: o alfabeto. Com o alfabeto, os Gregos passariam a ser ensinados a viver os deuses no silêncio da mente e não na sua presença plena e normal, como ainda lhe coubera a ele, no dia das suas núpcias. Pensou no seu reino destruído: filhas e netos assassinados e assinos, feridos com água fervente, trespassados, afogados. Tebas também era um montão de ruínas. Mas já ninguém podia destruir aquelas letras minúsculas, aquelas pegadas de mosca que Cadmo, o fenício, espalhara pela terra grega, para onde os ventos o tinham empurrado em busca de Europa, raptada por um touro surgido do mar.

Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, Maria Jorge Vilar de Figueiredo (trad.), Livros Cotovia, 1990.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010


Um poema de Leónidas de Tarento

Um recurvo anzol e uma cana longa,
linha e cestos para os peixes,
este ardil imaginado para emboscar os peixes que nadam,
invenção de gente que pelos mares vagueia lançando rede,
um rude tridente, de Posídon arma,
e um par de remos, ao barco tirados.
Eis o que o pescador Diofante consagrou ao deus do seu ofício,
penhor de justiça, sinais de uma antiga servidão.

Cá fica um poema que na edição das Belles Lettres da Anthologie Grecque está incluído no vol. 3, onde se colige o Livro VI da Antologia Palatina. Muito honestamente (como diria o Chico), não estou com pachorra para copiar o texto grego, pelo que vocês terão de acreditar que a minha tradução é das boas ou confrontá-la com o supra-referido volume. Se me der ganas mais logo lá copiarei o texto grego. Mais vos aviso que não contem com a tradução de mais poemas votivos, que alguns são giros mas a maior parte sofre do problema de precisar de cento e oitenta mil notas para o que existe de belo neles ser revelado com a nitidez que merece (ou isso ou um tradutor menos canhestro do que eu) e com uma certa imediatez que a beleza existente num poema precisa para respirar. 
A isto acresce o facto de me interessarem mais os Epigramas Báquicos, Satíricos e os poemas da Musa Paedika (quase basicamente as ordinarices, portanto), que são os que hão-de animar este blogue assim que o sacana que requisitou o Livro XII (tomo XI) o devolver à biblioteca ou assim que os gajos da Librairie Calepinus (La Librairie Latin-Grec) me fizerem chegar o meu. 
P.S. Podem, contudo, contar com mais uns quantos poemas de Leónidas de Tarento (eu e ele vamos à bola), também conhecido como Leónidas o Tarantino, eventualmente um distinto antepassado do Quentin.

sábado, 16 de outubro de 2010

How's that for a metaphor?

139
Achilles
This is what is said about a fable they tell in Africa: an eagle was hit with an arrow from the bow, saw the way it was flighted* and said, 'In this way we are vanquished, not by others, but with our own feathers!'
*viz. with eagle feathers.

139
ΑΧΙΛΛΕΥΣ

ὧδ’ ἐστὶ μύθων τῶν Λιβυστικῶν κλέος,
πληγέντ’ ἀτρακτῷ τοξικῷ τὸν αἰετὸν
εἰπεῖν ἰδόντα μηχανὴν πτερώματος•   
“τάδ’ οὐχ ὑπ’ ἀλλων, ἀλλὰ τοῖς αὑτῶν πτεροῖς
ἁλισκόμεσθα”

Ο texto grego e a tradução aqui apresentadas são os da (recente) edição  de A. H. Sommerstein preparada para a nova edição das obras completas de Ésquilo publicada pela Loeb Classical Library (Sommerstein [ed. & trad.], Aeschylus Fragments, vol. III, Loeb Classical Library, Harvard University Press, Cambridge - Massachusetts, London - England, 2008).
Este é um fragmento de uma tragédia perdida de Ésquilo, Mirmidões, e são cinco versos muito muito belos.  Terão sido proferidos por Aquiles quando ele é informado da morte de Pátroclo e se apercebe do seu erro (trágico), mas a forma como ele diz esta percepção é sublime: ele diz que se sente como a águia que compreende que a seta que a trespassa tem uma pena da sua própria asa. A águia é trespassada οὐχ ὑπ’ ἀλλων, ἀλλὰ τοῖς αὑτῶν πτεροῖς.

Bom dia, amigos

sexta-feira, 15 de outubro de 2010


Anticipated stranger,

the bruise will stop later.
For now, pain pauses in its round,
notes the time of day, the patient's temperature,
leaves a memo for the surrogate: What the hell
did you think you were doing? I mean...
Oh well, less said the better, they all say.
I'll post this at the desk.

God will find the pattern and break it.

John Ashbery, A Worldly Country: New Poems, Ecco, 2007

Like a Photograph

You might like to live in one of these smallish
houses that to climb a hill, then fumble
back to the beginning, as though nothing had happened.

You might enjoy a dinner of sandwiches
with the neighbor who makes concessions.
It will all be over in a minute, you said. We both
believed that, and the clock's ticking: Flame on, flame on.

John Ashbery, A Worldly Country: New Poems, Ecco, 2007.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Eu quero ir.

"Paper Moon" de Peter Bogdanovich, 1973


Final do canto VI

"Pois isto eu bem sei no espírito e no coração:
virá o dia em que será destruída a sacra Ílion,
assim como Príamo e o povo de Príamo da lança de freixo.
Mas não é tanto o sofrimento futuro dos Troianos que me importa,
nem da própria Hécuba, nem do rei Príamo,
nem dos meus irmãos, que muitos e valentes tombarão
na poeira devido à violência de homens inimigos --
muito mais me importa o teu sofrimento, quando em lágrimas
fores levada por um dos Aqueus vestidos de bronze,
privada da liberdade que vives no dia a dia:
em Argos tecerás ao tear, às ordens de outra mulher;
ou então, contrariada, levarás água da Messeida ou da Hipereia,
pois uma forte necessidade se terá abatido sobre ti.
E alguém assim falará ao ver as tuas lágrimas:
'Esta é a mulher de Heitor, que dos troianos domadores de cavalos
era o melhor guerreiro, quando se combatia em torno de Ilíon.'
Assim falará alguém. E a ti sobrevirá uma dor renovada,
pela falta que te fará um marido como eu para afastar a escravatura.
Mas que a terra amontoada em cima do meu cadáver me esconda,
antes que oiça os teus gritos quando te arrastarem para o cativeiro."

Assim falando, o glorioso Heitor foi para abraçar o seu filho,
mas o menino voltou para o regaço da ama de bela cintura
gritando em voz alta, assarapantado pelo aspecto de seu pai amado
e assustado por causa do bronze e das crinas de cavalo,
que se agitava de modo medonho da parte de cima do elmo.
Então se riram o pai amado e a excelsa mãe:
e logo da cabeça tirou o elmo o glorioso Heitor,
e depo-lo, todo ele coruscante, no chão da casa.
De seguida beijou e abraçou o seu filho amado
e a Zeus e aos outros deuses dirigiu esta oração:

"Ó Zeus e demais deuses, concedei-me que este meu filho
venha a ser como eu, o melhor entre os Troianos; que seja tão
ilustre pela força e que pela autoridade seja rei de Ilíon.
Que de futuro alguém diga 'este é muito melhor que o pai',
ao regressar da guerra. Que traga os despojos sangrentos
do inimigo que matou e que exulte o coração da mãe!"

Assim dizendo, nos braços da esposa amada pôs o filho.
Ela recebeu-o no colo perfumado, sorrindo por entre as lágrimas.
Mas ao aperceber-se como ela reagia, o marido sentiu pena;
e acariciando-a com a mão, falou-lhe pelo nome:

"Mulher maravilhosa, não me entristeças demasiado o coração
Nenhum homem além do destino me precipitará no Hades;
porém digo-te não existir homem algum que à morte tenha fugido,
nem o cobarde, nem o valente, uma vez que tenha nascido."

Homero, Ilíada, Canto VI, vv. 447-489, Frederico Lourenço (trad.), Livros Cotovia, 2005

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

"Professione: reporter" de Michelangelo Antonioni, 1975

Palavra

Rasa ao chão te olho caída
A chuva por ti entrou,
e a neve em ti se afundou.
Ventos te trazem despida.

Tens no olhar a luz parada,
como quem está vivo e actua.
Mas não segues sol nem lua.
Estrela nenhuma é tocada.

No que a meu sangue respeita,
estás de todo o elemento
saturada e satisfeita.

Sim, pra ti tem de existir
uma palavra perfeita.

Gerrit Achterberg, Uma Migalha na Saia do Universo: Antologia da Poesia Neerlandesa do Século, Fernando Venâncio (trad.), Assírio & Alvim, 1996

So long, Marianne

Mentiras em tempo de groselhas

Que construção mais sólida, se aguentou
mais tempo. E quantos mais aí moram, menos se
a consegue abandonar. Para onde. Anseia-se
por uma casa de Verão sem um fogão e sem
história.Estou aqui porque estou aqui.

Esta noite estive acordada, fazia vento, chuvas
fustigavam o castanheiro, enquanto já vinha o dia,
a noite não tinha trazido paz. Eu sabia
como eram as coisas, fui dormir e acordei
numa manhã de silêncio, lívida de tristeza.

Não se pode continuar com lamúrias. As ameixas
baqueiam podres das árvores, no frio
quintal as cores envelhecem velozes. Experi-
mentar tudo sem anestesia, pôr a postos as panelas e
o açúcar, gerir os arquivos, guardar os cacos.

Anna Enquist, Uma Migalha na Saia do Universo: Antologia da Poesia Neerlandesa do Século, Fernando Venâncio (trad.), Assírio & Alvim, 1996

terça-feira, 12 de outubro de 2010

al-Ilyâda


durará este cerco até deixarem
os senhores do Olimpo de polir a Ilíada imortal

(de "Estado de Sítio", 2002)

Mahmûd Darwîsh
Tradução: André Simões





سَيَمْتَدُّ هَذا الْحِصارُ إلى أَن يُنَقِّحَ

سادةُ "أُولِمْب" إلياذةَ الخالِدة

sayamtadu hâḏâ l-ḥiṣâru 'ilâ 'an yunaqqiḥ
sâdatu 'Ûlimb 'Ilyâḏata l-ḫâlida

Primavera na Schildersstraat

Via-te lá do outro lado
como se de um abrigo subterrâneo
saísses: cauteloso e espantado
com a luz que brilhava sobre os telhados
ainda trazias o casaco comprido de inverno
podia ter-te feito um sinal
podia ter-te feito perguntas
havia entre nós a rua como água
atrás de mim estavam mães sentadas no parque
em redor do museu, os filhos
levavam bofetadas até chorarem
a mim salvou-me o tempo,
a distância, este poema

Miriam van Hee, Uma Migalha na Saia do Universo: Antologia da Poesia Neerlandesa do Século, Fernando Venâncio (trad.), Assírio & Alvim, 1996

"Se7en" de David Fincher, 1995


Londres reencontrada

O passeio do outro lado da rua

Gente
que não conhecerei nunca

Ninguém mais nesta mesa
De um café milenário --
Raras vezes
Terei estado menos só

A nave espacial chamada terra
Singra comigo tarde adiante

Tudo volve milenário
As pedras da rua
O cimento gasto do passeio
As recordações

Alberto de Lacerda, O Pajem Formidável dos Indícios, Assírio & Alvim, 2010
A árvore acumula
Tempo
Mas sem nostalgia

Alberto de Lacerda, O Pajem Formidável dos Indícios, Assírio & Alvim, 2010.

sábado, 9 de outubro de 2010

"An affair to remember" de Leo McCarey, 1957


segundo me disseram, para lá das muralhas de atenas



Maçãs nas árvores rasteiras/São duras,/Pequenas demais,
Tardiamente amadurecidas/Por um sol desesperado
Debatendo-se contra a neblina.
H. D. (Hilda Doolittle), «Hermes dos caminhos»
ficou a um canto este prato de uvas
e um resto de vinho esquecido num cântaro
que agora à água da chuva se mistura
fazendo música de relógio
música de ver passar o tempo
tu próprio estás tarde e guardaste

um filme para ver com uma ponta de febre
(expressão que me ensinou ontem josé luís brecht)
duas vozes movendo-se no cinzento e tu remoendo
restos de grãos de café num bolso do casaco
que mais tarde hás-de trincar de amargura
e ensaias a desordem do quarto inundando-se de água
até meio das estantes agora quase que podias
ver tudo com olhar lavado ou dizer

uma palavra sem essa tua nossa
palavra preferida de todas:
uma palavra sem doçura uma forma de falar
bebida no áspero dialecto desse velho
que já morto ainda teima em deitar-se
numa destas pedras brancas ao canto da memória
onde vêm os nossos fantasmas para descansar
para nos deixar de cabeça vazia
sentados nessa cadeira de mãos inertes
o caderno repousando no colo
para mim se importa isso foi sempre o princípio de tudo
porque foi onde comecei por escolher ser livre

o meu velho estende-se na brancura desta pedra
come uvas até se fazer tarde e com os olhos tacteia
com uma ponta de inveja os últimos raios de sol
ainda os há-de procurar provando os figos mirrados
os pés rodopiando enganados por este muro
de folhas de plátano que desde muito longe
e muito cedo nos foi cercando

o verão com pouco viço
vai caminhando para o fim
e não tem já aquela força
que me fazia rodopiar nos seus braços
erguendo-me entre os limoeiros
forçando-me a virar a cabeça
para ao longe ver os pátios das casas
os gatos estendidos ao sol
esgueirando-se entre os telheiros com o cair da tarde

só nós vamos ficando mais jovens
a cada verão que passa
um resto de mar ondulando
a um canto da íris aprisionado
no espaço exíguo de um búzio
com um brando rumor de ira
eu aceito a minha derrota e vou
sem saber por onde tropeçando
em bonecos de madeira que deixei
semeados no escuro a pequena elegia
de um eco de riso breve

que é meu ou era meu
mas que agora disparando se ri de mim ao longe

Tatiana Faia

Homero cego

Outra vez uma noite de Inverno, e a Lua
Tinge vagamente os mármores e retira-se.

Os seis pinheiros silvam e retesam-se e ali
A oriente, onde as estrelas gregas se apagam e revivem

Cada noite em resplandecentes banhos de som,
Detém-se o pincel impregnado da manhã.

Agora, todos cederam ao Inverno
Coisas caducas, a pele da cobra e as armas do veado,

Pele rejeitada da uva e da poesia.

Homero cego, os lagartos ainda sorvem o calor
Das pedras e a Primavera repete-se ainda,

Silenciosa como moedas nos cabelos,
Ditongo após ditongo interminavelmente.

Troca um olhar com aquele cuja arte
Se alia à introspecção contra a solidão,

Neste Fevereiro de 1946, pulso normal, nervos em repouso:
Herdeiro de uma perturbação parecida, ultimamente

Cada vez menos convencido dos seus dotes com as palavras,
Ao pé deste prato de azeitonas, deste tinteiro seco.

Lawrence Durrell in Leituras do Inglês, João Ferreira Duarte (trad.), Relógio d'Água, 1993.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Pedicabo uos et irrumabo


O cu e a boca vos foderei eu,
Aurélio minha bicha, Fúrio meu paneleiro,
que pelos meus versinhos me julgam,
por tão delicadinhos serem, pouco virtuoso.
É que casto deve ser o bom poeta,
não têm de o ser os seus versinhos,
que além do mais têm picante e graça,
sendo tão delicadinhos e pouco virtuosos,
e se podem provocar comichões,
não digo aos miúdos, mas a estes peludos
que não conseguem mexer as duras piças.
Vocês, porque "muitos milhares de beijos"
me leram, acham que eu sou pouco macho?
O cu e a boca vos foderei eu!

Catulo, XVI
(tradução minha)

Dois poemas da Antologia Palatina

1. de Estratão de Sardes*

«Comecemos com Zeus», dizia Arato;
mas, Musas, hoje não vos aborreço.
Se amo rapazes e com eles me meto,
as Musas do Hélicon, que têm com isso?

2. de  Estratão de Sardes

Nestas minhas tabuinhas não busques o piedoso Príamo,
nem os sofrimentos de Medeia e Níobe,
nem Ítis nos seus aposentos, nem nas pétalas os rouxinóis,
sobre tudo isso tagarelavam em abundância os meus predecessores;
Mas o aprazível Amor de alegres Graças rodeado
e Baco rumoroso? Esses aos sisudos nunca se mostram.

*O texto grego que serviu de base a esta tradução é o que foi fixado por R. Aubreton, F. Buffière e J. Irigoin no Tomo XI (Livro XII) da edição da Anthologie Grecque preparada para as Belles Lettres. Os poemas são os da Musa Paedika. A edição de que me servi  é a de 2002. Sobre Estratão de Sardes cf. wikipedia.

Texto grego de 1
Ἐκ Διὸς αρχώμεστα, καϑὼς εἴρηκεν Ἄρατος·
ὑμῖν δ᾿, ὦ Μοῦσαι, σήμερον οὐκ ἐνοχλῶ.
εἰ γὰρ εγὼ παῖδὰς τε ϕιλῶ καὶ παισὶν ὁμιλῶ,
τοῦτο τί πρὸς Μούσας τὰς Ἑλικωνιάδας;

Texto grego de 2

Μὴ ζήτει δέλτοισιν ἐμαῖς Πρίαμον παρὰ βωμοῖς,
μηδὲ τὰ Μηδείης πένϑεα καὶ Νιόβης,
μηδ᾿ Ἴτυν ἐν ϑαλάμοις καὶ ἀηδόνας ἐν πετάλοισιν·
ταῦτα γὰρ οἱ πρότεροι πάντα χύδην ἔγραϕον·
ἀλλ᾿ ἱλαραῖς Χαρίτεσσι μεμιγμένον ἡδὺν  Ἔρωτα
καὶ Βρόμιον τούτοις δ' ὀϕρύες οὐκ ἔπρεπον

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

"Una Giornata Particolare" de Ettore Scola, 1977


Chove

Chove, e nada se move dentro da cerca,
Em ponto algum da densa e virgem floresta
De salsa do pomar. Não há ninguém que quebre
Os grandes diamantes de chuva nas lâminas da erva,
Ou agite as pétalas caídas mais abaixo.

Sou quase tão feliz quanto é possível
Por explorar esse ermo em vão, embora bem,
Por pensar em dois que aí caminham e se beijam
Encharcados, mas dos beijos da chuva esquecidos
Triste também por pensar que nunca, nunca mais,

A menos que sozinho, hei-de caminhar à chuva
Tão feliz. Quando me afasto, na sua fina haste
Que o crepúsculo faz um nada de finura, figura
A flor da salsa, suspensa imóvel em palidez espectral
O passado pairando ao revisitar a luz.

Edward Thomas, in Leituras do Inglês, João Ferreira Duarte (trad.), Relógio d'Água, 1993.

4.º Poema de amor imaginário

"Quero lá saber do que fazes" nuvens
revestiam todas as fendas
criando uma ilusão perfeita
entrei na coelheira comer

beber e conversar até que enfim
eu era exactamente do tamanho do meu reflexo
saindo da cidade à chuva olhos
azuis não suficientemente longe despertei

fora da coelheira este
é o menos imaginário dos poemas de amor
existes toco-te
e é o bastante.  

Paul Evans, in Leituras do Inglês João Ferreira Duarte (trad.), Relógio d'Água, 1993

Maçã para ti também


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Ave Maria

Mothers of America
...............................let your kids go to the movies
get them out of the house so they won't know what you're up to
it's true that fresh air is good for the body
...............................................................but what about the soul
that grows in darkness, embossed by silvery images
and when you grow old as grow old you must
................................................................they won't hate you
they won't criticize you they won't know
...............................................................they'll be in some glamorous
country they first saw on a Saturday afternoon or playing hookey

they may even be grateful to you
..................................................for their first sexual experience
which only cost you a quarter
..................................................and didn't upset the peaceful home
they will know where candy bars come from
...................................................and gratuitous bags of popcorn
as gratuitous as leaving the movie before it's over
with a pleasant stranger whose apartment is in the
....................................................Heaven on Earth Bldg
near the Williamsburg Bridge
....................................................oh mothers you will have made the little tykes
so happy because if nobody does pick them up in the movies
they won't know the difference
....................................................and if somebody does it'll be sheer gravy
and they'll have been truly entertained either way
instead of hanging around the yard
............................................or up in their room
.........................................................................hating you
prematurely since you won't have done anything horribly mean yet
except keeping them from life's darker joys
.............................................it's unforgivable the latter
so don't blame me if you won't take this advice
..............................................and the family breaks up
and your children grow old and blind in front of a TV set
.......................................................................................seeing
movies you wouldn't let them see when they were young
1960
Frank O'Hara, Vinte e Cinco Poemas à Hora do Almoço, José Alberto Oliveira (trad.), Assírio & Alvim, 1995. 
Tradução aqui.

A step away from them

It's my lunch hour, so I go
for a walk among the hum-colored
cabs. First, down the sidewalk
where laborers feed their dirty
glistening torsos sandwiches
and Coca-Cola, with yellow helmets
on. They protect them from falling
bricks, I guess. Then onto the
avenue where skirts are flipping
above heels and blow up over
grates. The sun is hot, but the
cabs stir up the air. I look
at bargains in wristwatches. There
are cats playing in sawdust.

...........................................On
to Times Square, where the sign
blows smoke over my head, and higher
the waterfall pours lightly. A
Negro stands in a doorway with a
toothpick, languorously agitating
A blonde chorus girl clicks: he
smiles and rubs his chin. Everything
suddenly honks: it is 12:40 of
a Thursday.

Neon in daylight is a
great pleasure, as Edwin Denby would
write, as are light bulbs in daylight.
I stop for a cheeseburger at JULIET'S
CORNER. Giulietta Maina, wife of
Federico Fellini, é bell' attrice.
And chocolate malted. A lady in
foxes on such a day puts her poodle
in a cab.

There are several Puerto
Ricans on the avenue today, which
makes it beautiful and warm. First
Bunny died, then John Latouche,
then Jackson Pollock. But is the
earth as full of life was full, of them?
And one has eaten and one walks,
past the magazines with nudes
and the posters for BULLFIGHT and
the Manhatten Storage Warehouse,
which they'll soon tear down. I
used to think they had the Armory
Show there.

A glass of papaya juice
and back to work. My heart is in my
pocket, it is Poems by Pierre Reverdy.

Frank O'Hara, Vinte e Cinco Poemas à Hora do Almoço, José Alberto Oliveira (trad.), Assírio & Alvim, 1995.

Get cape


Little Bribes


segunda-feira, 4 de outubro de 2010

"Arsenic and old lace" de Frank Capra, 1944

Ontem lá em baixo no canal

Dizes que tudo é muito simples e interessante
isso torna-me muito melancólico, como se lesse um grande romance Russo
estou tão aborrecido
é quase como ver um mau filme
se não for, mais frequentemente, como ter uma doença aguda no rim
valha-nos deus que não é nada no coração
nada relacionado com gente mais interessante do que eu
yak yak
que pensamento divertido
como pode alguém ser mais divertido do que o próprio
como pode alguém não ser
podes emprestar-me o teu quarenta e cinco
só preciso de uma bala de preferência de prata
se não se pode ser interessante pelo menos que se seja uma lenda
(mas odeio essa trampa toda)

Frank O'Hara, Vinte e Cinco Poemas à Hora do Almoço, José Alberto Oliveira (trad.), Assírio & Alvim, 1995.

Queria que lesses isto

Para os heróis que combatiam em Tróia, a vida não era algo que exigia ser salvo. Nem sequer dispunham de uma palavra para dizer «salvação», a não ser pháos, «luz». Salvação era uma reafirmação passageira de algo que é. Não tencionavam salvar o que existia, nem salvar-se do que existia. O que existia não era susceptível de ser salvo. A vida era insanável, devia ser aceite tal como era, na sua malignidade e no seu esplendor. Só podiam desejar manter-se ainda por algum tempo na crista da vaga, antes de voltarem a precipitar-se na sombra do íngreme abismo. A palavra que mais frequentemente qualificava a morte era aipýs, «íngreme». Morte era a precipitação, mal se ultrapassava o auge da aparição.

Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia*, Maria Jorge Vilar de Figueiredo (trad.), Livros Cotovia, 1990.

*Este livro foi um maravilhoso presente (embora o ande a ler há mil anos). A Ilíada continuará sempre a ser o meu livro número um. Sempre, sempre.

domingo, 3 de outubro de 2010

Belo o que lhes agrada e justo o que lhes convém

Alcibíades não nos deixou nenhuma revelação acerca de Esparta. Mas falou com Tucídides. E em Tucídides parece que a miragem de Esparta se dissipou completamente. Conhece e avalia as acções dos Espartanos do interior, como se a engrenagem estivesse diante dos seus olhos movida por duas alavancas poderosas: a mentira e a força. Antes de serem exterminados pelos Atenienses os habitantes de Melos confiavam na ajuda dos Espartanos. Os enviados atenienses tentaram em vão sugerir-lhes o quão ruinosa era a esperança naqueles que «mais claramente do que quaisquer outros que nós conhecemos consideram belo o que lhes agrada e justo o que lhes convém».

Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, Maria Jorge Vilar de Figueiredo (trad.), Livros Cotovia, 1990.

"A time to love and a time to die" de Douglas Sirk, 1958


Que luzes menores nesse teu rosto tão baixo
E cabisbaixo.
Que torpor nesse teu corpo
Tão cinzento e tão sujo.
Tens as orelhas caídas de um cão que foi batido.
Não paras de sangrar.
Não te quero aqui entre esta gente farta, entre estes monstros
Visíveis à distância como jóias em fúria.
Mais facilmente te deixaria morrer atrás de qualquer verso
Atrás de uma casa de passe criada só para mim
Atrás das minhas pálpebras pousadas como pássaros
Nos teus ossos tão limpos, tão brancos,
tão enxutos.

Armando Silva Carvalho, O Amante Japonês, Assírio & Alvim, 2008

Neste número da Ítaca

Cinco (5) poetas árabes do Al-Ândalus, primorosamente traduzidos da sua língua original por André Simões.

"En Passion" de Ingmar Bergman, 1969



«Porque vieste ter comigo durante o incêndio?»
«Vim pedir o teu perdão.»
(Um par de culpados.)

sábado, 2 de outubro de 2010

Outra Esparta

Entre os Gregos, a maior e mais antiga filosofia está em Creta e em Esparta, e é lá que está a maior parte dos sofistas da Terra: mas eles negam e fingem ser ignorantes, para que não pareça que era pela sua filosofia que sobressaíam entre os Gregos, mas apenas na luta e na bravura, temendo que os outros, se soubessem em que coisa são excelentes, se dedicassem ao mesmo exercício que eles: a sapiência. São de tal modo dissimulados que enganam os 'espartanos' das outras cidades, que, para os imitarem, furam as orelhas, colocam tiras de couro nas pernas, frequentam os ginásios e usam vestes curtas, pensando que a supremacia dos Espartanos entre os Gregos é devida a tudo isso. Pelo contrário, os Espartanos, quando querem falar livremente com os seus sofistas, e estão fartos de se esconder, expulsam da sua terra esses 'espartanos' ou outros estrangeiros que lá se encontrem para poderem estar com os sofistas sem os estrangeiros darem conta; para além disso, não permitem que nenhum jovem parta para outras cidades, e o mesmo fazem os Cretenses, para que não desperdicem os ensinamentos que receberam.
Ecco, o «contracanto» de Sócrates a Protágoras.
In Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, Maria Jorge Vilar de Figueiredo (trad.), Livros Cotovia, 1990.

Coisas de que gosto na rentrée


Sem casaco, no ar de jasmim/ perco-me caminhando no entardecer/ respirando - ambicioso e vencido a ponto/ de não existir

Ouve.

On the Poet's Trail

O caminho de Matsuo Bashô, em fotografias.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Outono no Japão


"Der Untergang" de Oliver Hirschbiegel


O Bruno Ganz é o maior.
Abandono-te todas as noites,
Troco-te pelos outros,
Por mim
Ou pelo simples sono que me enganou
Desde criança.

Deixo-te ficar tantas vezes à luz duma velha lua
De queixo retorcido e rainha das bruxas
E em lugares frequentados por cães que defecam
Com o mudo amor dos donos
Sigilosamente
À trela.

Não devias esperar.
Este amor não é feito de sangue, a minha alma não anda
nessa rua deserta,
Nem vai, pé ante pé, contemplar o teu rosto,
Deitar-se em seguida sobre o teu corpo gelado
E limpar-te os olhos do frio
De uma madrugada Impudica.  

Armando Silva Carvalho, O Amante Japonês, Assírio & Alvim, 2008

Eventualmente o meu hobby

A minha coisa das horas vagas.