quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Chove

Chove, e nada se move dentro da cerca,
Em ponto algum da densa e virgem floresta
De salsa do pomar. Não há ninguém que quebre
Os grandes diamantes de chuva nas lâminas da erva,
Ou agite as pétalas caídas mais abaixo.

Sou quase tão feliz quanto é possível
Por explorar esse ermo em vão, embora bem,
Por pensar em dois que aí caminham e se beijam
Encharcados, mas dos beijos da chuva esquecidos
Triste também por pensar que nunca, nunca mais,

A menos que sozinho, hei-de caminhar à chuva
Tão feliz. Quando me afasto, na sua fina haste
Que o crepúsculo faz um nada de finura, figura
A flor da salsa, suspensa imóvel em palidez espectral
O passado pairando ao revisitar a luz.

Edward Thomas, in Leituras do Inglês, João Ferreira Duarte (trad.), Relógio d'Água, 1993.

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