Cadmo trouxera para a Grécia «dádivas dotadas de mente»: vogais e consoantes unidas em sinais minúsculos, «modelo gravado de um silêncio que não se cala»: o alfabeto. Com o alfabeto, os Gregos passariam a ser ensinados a viver os deuses no silêncio da mente e não na sua presença plena e normal, como ainda lhe coubera a ele, no dia das suas núpcias. Pensou no seu reino destruído: filhas e netos assassinados e assinos, feridos com água fervente, trespassados, afogados. Tebas também era um montão de ruínas. Mas já ninguém podia destruir aquelas letras minúsculas, aquelas pegadas de mosca que Cadmo, o fenício, espalhara pela terra grega, para onde os ventos o tinham empurrado em busca de Europa, raptada por um touro surgido do mar.
Roberto Calasso, As Núpcias de Cadmo e Harmonia, Maria Jorge Vilar de Figueiredo (trad.), Livros Cotovia, 1990.
Sem comentários:
Enviar um comentário