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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

humilio

e o mundo é isto, e por vezes funciona: salvar pela humilhação, já vimos, é uma metodologia possível e muito antiga. Se não te humilhares não serás salvo, eis a bondade em certos locais estranhos (...)

Gonçalo M. TavaresCanções Mexicanas, Relógio D'Água Editores, 2011.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

ser humilhado cura doenças

        Sabes contar até quanto, pergunta-me um menino. Eu digo que sei contar até muitos.
        Até quanto?, insiste o menino. Eu respondo que não sei.
        Se não sabes até quanto, como podes dizer que é muito?
        Eu começo a contar: 1, 2, 3, 4, 5, 6 e continuo; e o menino não sai de ao pé de mim; está à espera que eu acabe, que eu vá até ao fim  mas eu paro.
        1657, basta? É tudo  digo, para fechar a conversa.
        Não sabes contar mais –  diz ele.
        Sei contar mais, mas estou cansado digo.
        Não sabes contar mais, diz-me o menino; não tens força para contar mais, diz o menino e cospe-me para a cara, assim, aqui mesmo, na bela cidade do México.
        Que faço?, pergunto ao bambino Mezcal Maelstrom, o meu amigo, que está ao meu lado. O menino, esse, cuspiu-me e está exactamente no mesmo sítio, a olhar para mim, a desafiar-me. 
        Deve ter irmãos mais velhos, amigos que te matam em dois segundos  segreda-me o meu amigo Mezcalzito na minha mais bela orelha. Eu limpo o cuspo do menino. E continuo. Estava no 1657 e se que estou ainda no México e por isso digo 1658 e continuo até o menino se cansar de me humilhar – que eu não, agora não me canso mais, estou ali até ser necessário  aprendi a contar finalmente, sem parar, até aos números grandes.
        És muy fuerte, diz-me o merino, enquanto me puxa a orelha direita para baixo, obrigando o meu pescoço a dobrar-se de tal maneira que não cheguei a ter medo, não tinha tempo porque doía muito. 
        Que comem os meninos aqui pergunto, já depois a sós com o meu amigo bambino. Ódio, responde ele. 

Gonçalo M. Tavares, Canções Mexicanas, Relógio D'Água Editores, 2011.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Ser feliz é para os europeus, no México as coisas são mais excitantes.

Sabes o que classificavam de felicidade máxima? Ter filhos belos e bons, e Telo de Atenas , o mais feliz dos homens, foi o mais feliz dos homens porque teve isto (filhos e netos belos e bons) e morreu com «um final brilhante», escreve Heródoto, porém não se deve fazer uma longa caminhada no meio de pessoas da mesma idade que sejam mais felizes que nós, era isto que aconselhavam os gregos, porque a meio da caminhada, a meio da peregrinação, vamos ter vontade de os matar, eis o que diz a minha amiga do México, que conhece bem a infelicidade e a violência, e por isso diz: ser feliz é para os europeus, no México as coisas são mais excitantes. Si? Pergunto. Si, responde ela.
Gonçalo M. Tavares, Canções Mexicanas

domingo, 15 de maio de 2011

Das coisas pouco importantes

É indispensável tornar conhecidas acções terrestres
com o comprimento do mundo e a altura do céu,
mas é importante também falar do que não é assim
tão longo ou alto.
É certo que os Gregos tentaram aperfeiçoar
tanto a Verdade quanto o gesto,
porém as ideias foram de longe as coisas mais mudadas.
Eis pois o momento de colocar a Grécia
de cabeça para baixo
e de lhe esvaziar os bolsos, caro Bloom.

Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia I.11

quinta-feira, 14 de abril de 2011

X, 120

O mundo
está nas imediações do nada,
a desordem
é um prenúncio,
e o inferno
torna-se indispensável
em certas semanas
monótonas.

Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Editorial Caminho, 2010.

sábado, 9 de abril de 2011

De Bloom

O mundo que nasce é de imediato atacável, e assim está bem.
Bloom, contou Anish a Shankra, não gosta que os factos
de uma semana rimem entre si. Agrada-lhe a surpresa,
tanto mais quando ela surge no último instante.
Às 23 horas e cinquenta minutos
o dia ainda tem 10 minutos para explodir
indiscretamente. Nada é firme antes de terminar.
E depois de terminar, tudo morreu. A firmeza
e a imortalidade não existem porque são o mesmo
e nenhuma existe.


Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Canto VII, est. 71, Editorial Caminho, 2010.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Falemos da hostilidade



Falaremos da hostilidade que Bloom,
o nosso herói,
revelou em relação ao passado,
levantando-se e partindo de Lisboa
numa viagem à Índia, em que procurou a sabedoria
e o esquecimento.
E falaremos do modo como na viagem
levou um segredo e o trouxe, depois, quase intacto.
Gonçalo M. Tavares, Uma Viagem à Índia, Canto I, 10