Sabes contar até quanto, pergunta-me um menino. Eu digo que sei contar até muitos.
Até quanto?, insiste o menino. Eu respondo que não sei.
Se não sabes até quanto, como podes dizer que é muito?
Eu começo a contar: 1, 2, 3, 4, 5, 6 e continuo; e o menino não sai de ao pé de mim; está à espera que eu acabe, que eu vá até ao fim – mas eu paro.
1657, basta? É tudo – digo, para fechar a conversa.
Não sabes contar mais – diz ele.
Sei contar mais, mas estou cansado – digo.
Não sabes contar mais, diz-me o menino; não tens força para contar mais, diz o menino e cospe-me para a cara, assim, aqui mesmo, na bela cidade do México.
Que faço?, pergunto ao bambino Mezcal Maelstrom, o meu amigo, que está ao meu lado. O menino, esse, cuspiu-me e está exactamente no mesmo sítio, a olhar para mim, a desafiar-me.
Deve ter irmãos mais velhos, amigos que te matam em dois segundos – segreda-me o meu amigo Mezcalzito na minha mais bela orelha. Eu limpo o cuspo do menino. E continuo. Estava no 1657 e se que estou ainda no México e por isso digo 1658 e continuo até o menino se cansar de me humilhar – que eu não, agora não me canso mais, estou ali até ser necessário – aprendi a contar finalmente, sem parar, até aos números grandes.
És muy fuerte, diz-me o merino, enquanto me puxa a orelha direita para baixo, obrigando o meu pescoço a dobrar-se de tal maneira que não cheguei a ter medo, não tinha tempo porque doía muito.
Que comem os meninos aqui – pergunto, já depois a sós com o meu amigo bambino. Ódio, responde ele.
Gonçalo M. Tavares, Canções Mexicanas, Relógio D'Água Editores, 2011.
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