Sou uma mulher. Nem menos, nem mais.
Vivo a minha vida como ela é
fio a fio
e fio a minha lã para vesti-la, não
para acabar a história de Homero ou o seu Sol
e vejo o que vejo
tal como é, na sua aparência.
e no entanto fixo o olhar uma
e outra vez na sua sombra
para sentir o pulso da perda,
e escrevo um amanhã
sobre as folhas de um ontem: não há voz
apenas o eco.
Gosto da ambiguidade necessária nas
palavras daquele que viaja de noite em direcção ao que já se foi
da ave sobre as colinas das palavras
sobre as açoteias das aldeias.
Sou uma mulher, nem menos, nem mais.
Faz-me voar a flor de amendoeira,
no mês de Março, da minha varanda,
saudosa de um dizer distante:
– Toca-me, para que eu leve os meus cavalos à água das nascentes.
Choro sem razão aparente, e amo-te
a ti como és, sem obrigação
sem ser em vão.
e dos meus ombros levanta-se o dia sobre ti
e quando te abraça desce uma noite sobre ti
e eu não sou isto nem aquilo
não, não sou Sol nem Lua
sou uma mulher, nem menos, nem mais.
Sê tu o Qays da nostalgia
se assim queres. É que eu
eu gosto de ser amada como sou
não uma imagem
colorida no jornal, ou uma ideia
entoada no poema entre os cervos...
ouço o grito de Laila longínquo
a partir do quarto de dormir: – Não me deixes
prisioneira de uma rima nas minhas noites das tribus
não me deixes com eles como uma história...
sou uma mulher, nem menos, nem mais.
Eu sou quem sou, como
tu és quem és: moras em mim
e eu moro em ti sobre ti para ti
amo a claridade necessária no nosso mistério partilhado
sou tua quando transbordo da noite
mas não sou uma terra
não sou uma viagem
sou uma mulher, nem menos, nem mais.
Cansa-me
o ciclo da Lua mulher
adoece a minha guitarra
corda
a corda
sou uma mulher,
nada menos
nada mais!
Mahmûd Darwîsh, O leito de uma estranha (1999)
Tradução do árabe: André Simões
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