Mas
nós os que dos peixes somos
os
que com a tormenta afinal todos nos perdemos
temos
por simples pátria a língua portuguesa
e
por isso por arma temos estar de pé
opor
ao sol a face incorrigível
e
darmos palavra aos que não têm voz
pois
ao silêncio os têm submetidos
Poema
de palavras não de paz mas de pavor
construção
linguística difícil aparentemente
eu
que em troca da vida e do triunfo me tornei teu ínfimo
cultor
sob
essa superfície de impassível frialdade
sei
que se oculta a voz não da humanidade
palavra
do mais dúbio dos significados
mas
dos homens que dostoievski viu ofendidos e
humilhados
Quente
e humana embora na aparência fria
que
a todos se destine a poesia.
De
Ruy Belo, Transporte
no Tempo
Versos que me trouxeram à memória um
texto de Benjamin, Sobre a Linguagem em Geral e sobre a Linguagem Humana, em que nos é dito, por um lado, que a natureza
sofre porque vive na ausência de linguagem. Por outro, o silêncio
da natureza é reflexo da mais profunda tristeza, mas é para sua
redenção que existem a vida e a linguagem do homem na natureza, e
não só a do poeta, como por vezes se supõe.
A poesia pode também dar
voz ao que, pela opressão, se cala.
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