sábado, 22 de agosto de 2009

Homem Inteligente

Apelidavam-no de homem inteligente. Assim se denomina em determinados círculos aquele tipo especial de homens que engordaram por conta alheia, que não fazem nem querem fazer absolutamente nada e que, por preguiça e ócio eternos, têm um naco de gordura no lugar do coração. Da boca deles ouvimos constantemente que nada têm que fazer por causa de sabe-se lá que circunstâncias emaranhadíssimas e hostis que lhes «exaurem o génio» e, por isso, provocam «a pena de olhar para eles». Usam esta frase empolada, é o seu mot d'ordre, a sua senha, a frase que estes meus gordos cevados espalham por todo o lado a cada passo, e que já começa a aborrecer como uma tartufice, uma conversa oca. Aliás, alguns destes mandriões que não adregam arranjar ocupação para si - sem nunca a terem procurado, aliás - pretendem precisamente que toda a gente pense que eles não têm um naco de gordura no lugar do coração mas, pelo contrário, qualquer coisa muito profunda; mas o quê, exactamente, isso não poderia dizê-lo o melhor dos cirurgiões - por delicadeza, é claro.

Fiódor Dostoiévsky, "O Pequeno Herói: de umas Memórias Inéditas", in O Ladrão Honesto e Outras Histórias, Nina Guerra e Filipe Guerra (trad.), Editorial Presença, 2006.

Como acima se tenta ilustrar, Dostoiévsky é um dos homens que mais percebia de pessoas que eu alguma vez encontrei. À medida que se vai lendo a sua obra há sempre este assombro, provocado pela sua agudeza de espírito, que, para o bem e para o mal, dota as suas personagens de uma imensa profundidade, de vida, mesmo quando ele está apenas a criar uma personagem-tipo.

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