terça-feira, 1 de dezembro de 2009

um parágrafo de "Dangling Man"

o sol fora coberto neve começava a cair
espargida sobre os poros negros do cascalho
e jazendo em finas tiras nos telhados inclinados
eu podia ver à distância do cimo deste terceiro andar
não longe havia chaminés
o seu fumo cinzento mais claro do que o cinzento do céu
e mesmo à minha frente renques de habitações pobres
armazéns cartazes luminosos bueiros sinais eléctricos
a arder palidamente carros estacionados carros
em movimento ocasionalmente o raro esboço de uma árvore
esses eu inspeccionei com a cabeça contra o vidro
era minha obrigação olhar e colocar a mim mesmo
a invariável questão onde uma partícula de algo algures
ou no passado que testemunhe a favor do homem
não poderia haver dúvidas de que esses cartazes
ruas trilhos casas frios e cegos estavam relacionados
com a vida interior e no entanto dizia a mim próprio
a dúvida era necessária havia vidas organizadas em torno
desses caminhos e casas e elas as casas
digo eram o análogo o que o homem criou
elas eram-no também por meios transcendentais
isso eu não conseguia conceder
tem de haver uma diferença entre coisas e pessoas
e até mesmo entre actos e pessoas
de outro modo as pessoas que aqui viviam
eram na verdade um reflexo das coisas
entre as quais viviam sempre procurei evitar culpá-las
daí a minha leitura diária dos seus jornais
nos seus negócios e políticas nas suas tabernas filmes
assaltos divórcios homicídios eu tentava constantemente
encontrar sinais inequívocos da sua humanidade comum

(recriação poética de um parágrafo de Dangling Man de Saul Bellow)

Sem comentários:

Enviar um comentário