terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Quinta-feira

Vi-a morrer muitas vezes
por vezes chorando nos meus braços
outras vezes nos braços de um estranho
por vezes só, despida;
era assim que vivia perto de mim.
Agora sei finalmente que não há nada além
e espero.
O meu arrependimento pertence-me
tanto quanto me pertencem sentimentos tão simples
que, dizem, um homem está para além deles:
e contudo arrependo-me
porque também eu não me tornei (como quis)
semelhante à erva que escutei crescer
próximo de um pinheiro em certa noite;
porque em outra noite não segui o mar
quando as águas recuaram
e suavemente beberam a sua própria amargura,
e não compreendi sequer, à medida que humedecia
sob os meus dedos a erva marinha,
quanta honra pode restar nas mãos de um homem.
Tudo isto passou lentamente, conclusivamente,
como barcos cujos nomes se esbatem:
HELENA DE ESPARTA; TYRANNUS; GLORIA MUNDI
passaram sob pontes para lá das chaminés
com dois homens em tronco nu
inclinando-se à proa e à popa;
passaram, não consigo distinguir nada no nevoeiro matinal
as ovelhas, encaracoladas, ruminando, quase não se vêem
nem a lua se destaca sobre
o rio expectante;
sete lanças mergulharam na água
estagnadas, isentas de sangue
e às vezes na calçada, iluminada em mágoa
sob um castelo oblíquo,
desenhado a lápis vermelho e amarelo:
o Nazareno, exibindo a ferida.
«Não lances aos cães o teu coração.
Não lances aos cães o teu coração.»
A voz dela afunda-se à medida que o relógio marca a hora
a tua vontade, eu procurei a tua vontade.

(mais ou menos) Yorgos Seferis

Versão minha a partir de Collected Poems (1922 - 1955), Edmund Kelley e Philip Sherrard (trad., ed., e intr.), Princeton University Press, 1971.

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