quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Décimo sexto castelo de Holanda

Às vezes escrevo num caderno
pequenas frases. Coisas sem
nexo e sem nenhuma legitimidade
para um dia poderem dar lugar a
um verso. Escrevo-as de noite
a meio do sono e no dia seguinte
não sei que sentido lhes possa
atribuir. E o que quererão dizer
as que p'la madrugada de ontem
anotei?
«O chão seco da tua morte. O
duplo touro.
Cilindros de oiro. De quem era
a sala das sombras? Coisas de
vaidade, o meu relógio, o globo
onde lês as cidades do mundo.»
Às vezes deixo-me ficar sentado,
como agora estou a esta mesa no
quarto do hotel
e os sentidos prendem-se a essas
palavras que valem o que vale
uma viagem ao extremo da maior
melancolia da noite.

João Miguel Fernandes Jorge, O Barco Vazio, Colecção Forma, Editorial Presença, 1994

(Ontem comprei este livro na Livraria Bulhosa da esquina. Ainda não o estou a ler porque ler o Cambridge Companion to Philo of Alexandria não me permite acabar mais depressa o livro de Yorgos Seferis e porque tenho vontade de traduzir os poemas de Seferis para português página sim página sim. Não obstante, acho que gosto mesmo muito deste poeta, João Miguel Fernandes Jorge. Abri este livro, O barco vazio, na livraria, pensando: «Vou espreitar mas não vou comprar.» E abri a meio, comecei a ler um poema curto e pensei: «Que se lixe, tu vens comigo p'ra casa.»)

7 comentários:

  1. Ah , também dizes « que se lixe , tu vens comigo para casa » ?

    ;-)

    Almada Negreiros , grafitado numa estação de metro : « Entrei numa livraria , pús-me a contar os livros que há para lêr e os anos que terei de vida . Não chegam . Não duro nem para metade da livraria . Deve haver certamente outras maneiras de se salvar uma pessoa . Senão , estou perdido . »

    ResponderEliminar
  2. PS : Aquela tua deixa do Orlando , alguns post a baixo , lembrei-me que fui pra casa à procura do livro , furioso - mudei me recentemente « com livros & bagagens» para perto do Tejo - e sobre «a Admiração» - tua e do Hipólito - pasmei outra vez com aquela história do castelo onde se perdem os que demandam , somem-se uns atrás dos outros em quartos que nunca acabam e escadas sinuosas , um cavaleiro apenas sabe que é mágico ( sabe-lhe as manhas )e que num vão existe um mecanismo que o faz desaparecer e quando isso acontece , todos os cavaleiros perdidos no seu interior , amigos do herói o não reconhecem e o tentam passar a fio de espada e outra vez o herói desfaz o sortilégio e tudo só não acaba bem para o malfadado vilão , tu acreditas que ainda não desencantei o Ariosto nos cantos da casa ?

    ResponderEliminar
  3. Lol, mas o Ariosto é grande, não se pode ter perdido. Há um crítico que escreveu sobre esse episódio (não me lembro se foi Calvino, mas estou em crer que sim), salvo o erro é nesse passo (o castelo de Atalante?) que cada um dos cavaleiros vai ao engano, em busca do que mais deseja. O crítico diz que Ariosto faz representar o desejo como uma furiosa corrida para nada. Gostei da citação do Almada. Penso muitas vezes que se lixe, a casa começa a ficar sem gd espaço p livros.

    ResponderEliminar
  4. É isso , Atalante era o mago , Astolfo o herói , e Rabicão o cavalo que lhe roubaram e lhe levaram para o palácio malfadado ! Hum...e o Orlando - enorme sim - e de capas cartonadas - sem aparecer ....

    ResponderEliminar
  5. Isso por acaso também me aconteceu, não com o Orlando, em três anos mudei três vezes de casa e houve um outro prejuízo. Os mais chatos foram a (minha) primeira edição das memórias de adriano da m. yourcenar e o quatro caprichos do franco alexandre...chato.

    ResponderEliminar
  6. Eureka ! O maroto estava escondido atrás de dois gigantes bonacheirões ( Rabelais , também em edição cartonada , com ilustrações do Gustave Doré ) !!!!

    ResponderEliminar
  7. :D Eu tenho é o Ariosto ilustrado pelo Gustave Doré.

    ResponderEliminar