sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Jesualdo, estás perdoado!

Nos últimos anos o ritual repete-se: insulto o Prof. Jesualdo no início de cada época desportiva, dou-lhe o benefício da dúvida lá para Janeiro, e em Maio reconheço que, sim senhor, o Prof. Jesualdo é um homem com qualidades, que afinal talvez não descenda de uma estirpe tão torpe nem cheire assim tão mal da boca como eu proclamava diante do televisor há uns meses atrás. Mas se há algo que nunca perdoei ao Prof. Jesualdo foram as suas "percas". Até que hoje me deparei com a seguinte frase:

"Perdi a minha memória da morte da lacuna da perca do desastre."

Agora já posso dizer aos meus amigos não-portistas que o Prof. Jesualdo não é um pescador falhado, mas sim um ávido leitor de Sophia.

Muitas coisas teria eu a dizer sobre o português do Sr. Jesus — o homem não só é uma epítome ambulante de agramaticalidades características de um determinado sociolecto lisboeta, como ainda consegue arranjar mais algumas de sua lavra — mas, estando nós em quadra natalícia, vou terminar com a transcrição do texto de Sophia.

Igrina
O grito da cigarra ergue a tarde a seu cimo e o perfume do orégão invade a felicidade. Perdi a minha memória da morte da lacuna da perca do desastre. A omipotência do sol rege a minha vida enquanto me recomeço em cada coisa. Por isso trouxe comigo o lírio da pequena praia. Ali se erguia intacta a coluna do primeiro dia - e vi o mar reflectido no seu próprio espelho. Igrina.
É esse o tempo a que regresso no perfume do orégão, no grito da cigarra, na omnipotência do sol. Os meus passos escutam o chão enquanto a alegria do encontro me desaltera e sacia. O meu reino é meu como um vestido que me serve. E sobre a areia sobre a cal e sobre a pedra escrevo: nesta manhã eu recomeço o meu mundo.

Sophia de Mello Breyner Andresen, Geografia

Sem comentários:

Enviar um comentário