domingo, 31 de julho de 2011
O que há para compreender
- Quando cresceres compreendes
recordo-me de perguntar
- O que há para compreender?
António Lobo Antunes, Sôbolos Rios Que Vão, D. Quixote, 2010.
Às vezes a ler um texto pensas: é isto, é isto mesmo, woo oooo!
sábado, 30 de julho de 2011
whose warmest heart recoiled at war:
a conscientious object-or
his wellbelovéd colonel(trig
westpointer most succinctly bred)
took erring Olaf soon in hand;
but--though an host of overjoyed
noncoms(first knocking on the head
him)do through icy waters roll
that helplessness which others stroke
with brushes recently employed
anent this muddy toiletbowl,
while kindred intellects evoke
allegiance per blunt instruments--
Olaf(being to all intents
a corpse and wanting any rag
upon what God unto him gave)
responds,without getting annoyed
"I will not kiss your fucking flag"
straightway the silver bird looked grave
(departing hurriedly to shave)
but--though all kinds of officers
(a yearning nation's blueeyed pride)
their passive prey did kick and curse
until for wear their clarion
voices and boots were much the worse,
and egged the firstclassprivates on
his rectum wickedly to tease
by means of skilfully applied
bayonets roasted hot with heat--
Olaf(upon what were once knees)
does almost ceaselessly repeat
"there is some shit I will not eat"
our president,being of which
assertions duly notified
threw the yellowsonofabitch
into a dungeon,where he died
Christ(of His mercy infinite)
i pray to see;and Olaf,too
preponderatingly because
unless statistics lie he was
more brave than me:more blond than you.
e.e. cummings, Selected Poems, Richard S. Kennedy (ed.), Liveright, 2007.
5
ducking always the touch of must and shall,
whose slippery body is Death's littlest pal,
skilled in quick softness. Unspontaneous. cute.
the signal perfume of whose unrepute
focusses in the sweet slow animal
bottomless eyes importantly banal,
Kitty. a whore. Sixteen
you corking brute
amused from time to time by clever drolls
fearsomely who do keep their sunday flower.
The babybreasted broad "kitty" twice eight
—beer nothing,the lady'll have a whiskey-sour—
whose least amazing smile is the most great
common divisor of unequal souls.
sexta-feira, 29 de julho de 2011
One can feel so much and no more.
quinta-feira, 28 de julho de 2011
Qui, quae, quod
Neste momento os bácoros da recente ninhada, iludidos pelo seu vulto, alvoroçaram-se do chiqueiro e desataram na partitura: cué! cué!
O sustenido dos leitões acordou-lhe na memória a forma feminina do relativo. Qui, quae, quod. E gozou, grato à perdurante formação latina o sentido poético da onomatopeia. Quem poderá garantir que aquela voz elementar não tivesse sido copiada pelo avô troglodita na selva romana onde os cerdos tinham suas recolhas naturais e soltavam grunhidos espontâneos?
Aquilino Ribeiro, O Professor intemerato e a Gaitinha do Capador
O pélago coalhado de algas e nenúfares em flor do grande padre Vieira
Certa manhã, que o ilustre professor havia terminado o petit déjeuner... Esta expressão dum hábito civilizado, irradiante como tanto pequeno nada que diz respeito à língua francesa, agastava-o no seu orgulho nacional. Mas ainda não topara substituto idóneo na língua que considerava, ele e os mestres filólogos, como a mais rica do Universo, salvo as hindus, intrincadas como a selva e a alma asiática. Pois certa manhã que já havia tomado o leitinho, no português portuguesíssimo da tia Alexandrina, e se preparava para singrar, de sonda na mão, no pélago coalhado de algas e nenúfares em flor do grande padre Vieira, deu fé que batiam à porta.
Aquilino Ribeiro, O Professor intemerato e a Gaitinha do Capador
4
defunct
who used to
ride a watersmooth-silver
stallion
and break onetwothreefourfive pigeonsjustlikethat
Jesus
he was a handsome man
and what i want to know is
how do you like your blueeyed boy
Mister Death
e.e. cummings, Selected Poems, Richard S. Kennedy (ed.), Liveright, 2007.
5
of memory comes my heart singing like
an idiot whispering like drunken man
who(at a certain corner suddenly)meets
the tall policeman of my mind.
awake
being not asleep elsewhere our dreams began
which now are folded:but the year completes
his life as a forgotten prisoner
-"Ici?"-"Ah non mon chéri;il fait trop froid"-
they are gone:along these gardens moves a wind bringing
rain and leaves filling the air with fear
and sweetness....pauses. (Halfwhispering....halfsinging
stirs the always smiling chevaux de bois)
when you were in Paris we met here
e.e. cummings, Selected Poems, Richard S. Kennedy (ed.), Liveright, 2007.
quarta-feira, 27 de julho de 2011
Parte do meu manifesto
you shall above all things be glad and young
For if you're young,whatever life you wear
it will become you;and if you are glad
whatever's living will yourself become.
Girlboys may nothing more than boygirls need:
i can entirely her only love
whose any mystery makes every man's
flesh put space on;and his mind take off time
that you should ever think,may god forbid
and (in his mercy) your true lover spare:
for that way knowledge lies,the foetal grave
called progress,and negation's dead undoom.
I'd rather learn from one bird how to sing
than teach ten thousand stars how not to dance
e.e. cummings, Selected Poems, Richard S. Kennedy (ed.), Liveright, 2007.
terça-feira, 26 de julho de 2011
A Verb, and Is
e.e. cummings, The Enormous Room, cap.9
Às vezes lembro-me deste passo do The Enormous Room. Nele e.e. cummings fala de um momento que corresponde a uma identificação perfeita com algumas coisas. Isto acontece com muito poucas coisas. Os nossos círculos são sempre restrictos. Mesmo os da nossa memória, a que fixa o reduto último dessa outra coisa que é o tudo-o-que-tenho-trago-comigo. Há depois o que guardamos sem saber que guardámos. O passageiro indesejado que se aloja no instinto, no subconsciente. Talvez. Mas cummings não estava a falar disto. Eu é que estou a falar disso. O que é tão fantástico neste passo de cummings é o facto de ele dizer que existem coisas em que não podemos acreditar porque não deixamos de as sentir (hence Borges, quando dizia que a poesia era uma coisa anterior à inteligência) e o facto de para cummings a identificação perfeita com uma coisa ser expressa por um verbo. Pertencer à acção. Penso que Wilde falou disto de outro modo, colateralmente, em "The Critic as an Artist", quando escreveu:
For out of ourselves we can never pass, nor can there be in creation what in the creator was not. Nay, I would say that the more objective a creation appears to be, the more subjective it really is. Shakespeare might have met Rosencratz and Guildenstern in the white streets of London, or seen the servicemen of rival houses bite their thumbs at each other in the open square; but Hamlet came out of his soul, and Romeo out of his passion. They were elements of his nature to which he gave visible form, impulses that stirred so strongly within him that he had, as it were perforce, to suffer them to realize their energy (…)
Oscar Wilde, The Decay of Lying and Other Essays, Penguin Books, 2010.
Disto se falou no dia d'Ela
D. H. Lawrence, Lady Chatterley's Lover, Penguin Books, 1960.
Pobre Calisto
Se ele soubesse que hoje já nem para os comediantes há subsídios...
"- Sr. presidente. Em Grécia e Roma as festas anuais eram solenizadas com espectáculos. Os cidadãos timbravam em se despenderem aporfiadamente para o maior realce das representações teatrais. Na Grécia, o arconte epónimo, a cargo de quem o Estado delegava as despesas das representações, esmava o dispêndio de cada uma em dois talentos (...). Este dispêndio faziam-no espontâneamente os ricos; e, se era o tesouro nacional que adiantava as despesas, a concorrência convidava pelo preço diminutíssimo do theorikon ou entrada, que correspondia ao vintém da nossa moeda. E de Péricles em diante, sr. presidente, tomou o Estado à sua conta o pagamento das entradas dos pobres. Entre os Romanos, eram os poderosos, como Lépido e Pompeu, e, ao diante, os imperadores, que sustentavam do seu bolsinho as representações teatrais. (...) Eu tenho o desgosto de ter nascido num país em que o mestre-escola ganha cento e noventa réis por dia, e as cantarinas, segundo me dizem, ganham trinta e quarenta moedas por noite. Eu sou de um país, sr. presidente, em que se pede ao povo o subsídio literário para pagar com ele as tramóias da Lucrécia Bórgia. Eu sou de um país pobríssimo em que a veia da Nação exangue sofre cada ano a sangria de algumas dúzias de contos para sustentar comediantes, farsistas, funâmbulos e dançarinas impudicas! Sr. presidente, V. Exª sorriu-se, vejo que a Câmara toda está sorrindo, e eu ouso dizer a V. Exª e aos meus colegas, como o poeta mantuano: sunt lacrimae rerum."
Camilo Castelo Branco, A queda dum anjo, Livros Unibolso, Lisboa.
segunda-feira, 25 de julho de 2011
Nicole Diver
De "The Cubist Break-Up"
writhe and
grape of tortured
perspective
rasp and graze of splintered
normality
crackle and
sag
of planes clamors of
collision
collapse As
peacefully,
lifted
into the awful beauty
of sunset
the young city
putting off dimension with a blush
enters
the becoming garden of her agony
e.e. cummings, Selected Poems, Richard S. Kennedy (ed.), Liveright, 2007.
domingo, 24 de julho de 2011
5
e.e.cummings, Selected Poems, Richard S. Kennedy (ed.), Liveright, New York, 2007.
sábado, 23 de julho de 2011
sic itur ad astra
- ... Generoso Príncipe, sic itur ad astra!
- Que maravilhosa memória que o primo tem! Até sabe latim...!
- Arranho, arranho. Algum proveito havia de tirar dos cascudos do padre-mestre.
- O primo, assim, chega a ministro...
Aquilino Ribeiro, O morgado de Fraião
sexta-feira, 22 de julho de 2011
Joseph Cotten e Orson Welles na mesma cena
Bom dia
into the strenuous briefness
Life:
handorgans and April,
darkness,friends
i charge laughing
Into the air-thin tints
of yellow dawn,
into the women-coloured twilight
i smilingly
glide. I
into the big vermilion departure
swing,sayingly;
(Do you think?)the
i do, word
is probably made
of roses & hello:
(of solongs and,ashes)
e.e.cummings, Selected Poems, Richard S. Kennedy (ed.), Liveright, New York, 2007.
quinta-feira, 21 de julho de 2011
27.
sabiam-no: podias ser morto
por ensinar alguém a ler e escrever
eu costumava pensar que a pior aflição
era ser-se proibido de usar lápis e papel
bom, Ding Ling recitava poemas a paredes de prisão
durante os anos da Revolução Cultural
e, de verdade, a magia dos caracteres escritos
eleva-se e diminui encolhe-se ao mínimo estica-se ao máximo
dependendo de onde estás
e do que está na tua mão
e de quem lê e porquê
penso agora que a pior aflição
não é não saber quem és ou onde estiveste
aprendi isto em parte
com escritores Ler e escrever
não são sagrados ainda assim tem-se matado gente
como se fossem
Adrienne Rich, Your Native Land, Your Life, Norton, 1993.
Versão minha.
terça-feira, 19 de julho de 2011
16.
vendo-me a mim mesma no acto de perder - a arte de perder,
chamava-lhe Elizabeth Bishop, mas para mim não é arte
apenas exercícios mal resolvidos
actos do coração forçados a questionar
as suas presunções neste mundo os seus entusiasmos simples
actos do corpo forçados a medir
todos os instintos contra a dor
actos de separação tentando abdicar
sem desistir sim Elizabeth aqui uma cidade
ali uma vila uma irmã, companheiro, gato
e mais nenhuma arte nisto apenas raiva
Adrienne Rich, Your Native Land, Your Life, Norton, 1993.
Versão minha.
Browning
Oscar Wilde, The Decay of Lying and Other Essays, Penguin Books, 2010, p. 45.
segunda-feira, 18 de julho de 2011
XVII
Adrienne Rich, Your Native Land, Your Life, Norton, 1993.
Versão minha.
Mrkgnao!
The cat mewed in answer and stalked again stiffly round a leg of the table, mewing. Just how she stalks over my writing-table. Prr. Scratch my head. Prr.Mr Bloom watched curiously, kindly, the lithe black form. Clean to see: the gloss of her sleek hide, the white button under the butt of her tail, the green flashing eyes. He bent down to her, his hands on his knees.- Milk for the pussens, he said.- Mrkgnao! the cat cried.They call them stupid. They understand what we say better than we understand them. She understands all she wants to. Vindictive too. Wonder what I look like to her. Height of a tower? No, she can jump me.- Afraid of the chickens she is, he said mockingly. Afraid of the chookchooks. I never saw such a stupid pussens as the pussens.Cruel. Her nature. Curious mice never squeal. Seem to like it.
James Joyce, Ulysses
Things are
Oscar Wilde, The Decay of Lying and Other Essays, Penguin Books, 2010, p. 27.
domingo, 17 de julho de 2011
De "Tempo Norte-Americano"
Quando os meus sonhos deram sinais
de se estarem a tornar
politicamente correctos
nada de imagens insubordinadas
escapando para lá de fronteiras
quando ao andar na rua encontrei os meus
temas cortados à minha medida
soube o que não chegaria a dizer
por medo de que disso fizessem uso inimigos
então comecei a pensar
II
Tudo o que escrevemos
será usado contra nós
ou contra aqueles que amamos.
São estas as condições
aceita-as ou desiste.
A poesia nunca teve hipótese
de prevalecer fora da história.
Uma linha dactilografada há vinte anos atrás
pode ser ateada numa parede a tinta de spray
para glorificar a arte como distanciamento
ou para torturar aqueles que
não amaram mas também não
quiseram matar
Nós progredimos mas as nossas palavras permanecem
tornam-se responsáveis
por mais do que aquilo que esperávamos
e isto é privilégio verbal
III
Tenta sentar-te a uma máquina de escrever
numa noite tranquila de verão
numa mesa junto a uma janela
na província, tenta fingir que
o teu tempo não existe
que tu és tu simplesmente
que a imagem se limita simplesmente a vaguear
como uma imensa mariposa, sem intenção
tenta dizer a ti próprio
que não és responsável
pela vida da tua tribo
o fôlego do teu planeta
IV
O que pensas não importa.
Prova-se que as palavras são responsáveis
tudo o que podes fazer é escolhê-las
ou escolher
ficar calado. Ou, nunca tiveste escolha,
e é por isso que as palavras que prevalecem
são responsáveis
e isto é privilégio verbal
Adrienne Rich, Your Native Land, Your Life, Norton, 1993.
Versão minha.
Is not
Oscar Wilde, The Decay of Lying and Other Essays, Penguin Books, 2010, p.16.
L123 ou o que as beldades lêem no comboio
De repente, dois olhos de lince, cinzentos e requintadamente enviesados, ergueram-se da página e fixaram-se em mim, durante uma longa e intencional mirada escrutinadora que me pôs os joelhos a tremer como caldo de gelatina. Teria ela adivinhado a minha adoração, através do seu telepático sentido feminino? Devia eu avançar, requisitar-lhe o livro e ler-lhe em voz alta uma passagem, um trecho que para sempre nos tornasse inseparáveis almas? Antes porém de eu poder agir, o caso rumou sozinho. O comboio parou na estação da Rua 34, ela levantou-se, arrumou o livro na carteira, e vi então que era a Arte de Amar, de Ovídio.
S. J. Perelman, O Mundo de S. J. Perelman, trad. de Júlio Henriques, Tinta da China, Lisboa, 2011
sábado, 16 de julho de 2011
Detalhe
Assim, quando Sejano é deposto, porque finalmente o seu ambicioso plano foi exposto perante o homem que mais o estimava e protegia, Tibério, quando este fica saber que é o seu prefeito do Pretório o responsável pela morte do seu filho natural, Druso, quando Tibério reconhece que Sejano conspirou contra vários membros da família imperial e que agora se preparava para matar o adolescentezinho, o filho de Germânico, Gaio, o que nos importa é outro pormenor ainda, nenhum destes absolutamente capitais, debatidos em milhares de páginas de bibliografia.
Quem terá denunciado Sejano a Tibério terá sido uma das poucas mulheres a quem o imperador tinha um respeito que devia ser quase sagrado, a velha Antónia, mãe de Cláudio e avó de Gaio, o rapazinho, a quem os soldados tinham posto a alcunha de Calígula.
Segundo o Judeu, Josefo (Antiguidades Judaicas, 18. 182), e Díon Cássio (65. 14, 1-2), Antónia fez com que chegasse a Capri uma carta que foi secretamente entregue a Tibério por um dos libertos da sua confiança, um homem de nome Palas.
É Díon Cássio quem acrescenta o pormenor que prendeu a nossa atenção, talvez falso e talvez por isso tão encantador: Antónia terá ditado a carta à escrava que era sua secretária, uma rapariguinha de nome Cénis, talvez oriunda da região a que hoje se chama Croácia. Díon Cássio fala-nos da sua prudência, do seu espírito pragmático e da sua memória prodigiosa. Cénis é essa mesma Cénis que anos mais tarde se tornou na amante que Vespasiano sempre tratou publicamente como esposa (com um pequeno interregno, claro está, nos anos em que esteve casado com Flávia Domitila).
sexta-feira, 15 de julho de 2011
Dueño el hombre de su vida lo es también de su muerte
Nadie puede disimular la felicidad; en Lugones, pese a su orgullo y su reserva, la desolación era evidente. Cuando, hará cuarenta años, me comunicaron por teléfono que se había suicidado, sentí pena pero no asombro, porque entendí que toda su vida, poblada de abjuraciones y renunciamientos, había sido un demorado suicidio. «Dueño el hombre de su vida lo es también de su muerte», dijo en una sentencia que Séneca no habría desdeñado.
II
Tudo o que alguma vez
me ajudou emergiu do que já
estava em mim depositado. Velhas coisas, difusas, inominadas, permaneceram fortes
através do meu coração.
É daqui
que a minha força vem, mesmo quando a minha força me falha
mesmo quando contra mim se vira
como um amo violento.
Adrienne Rich, Your Native Land, Your Life, Norton, 1993.
Versão minha.
O primeiro Catulo não censurado em português
quinta-feira, 14 de julho de 2011
Daudet, Daudet
Bela, oh, sim, bela: os braços, a garganta, os ombros, de um âmbar fino, sólido, sem mancha nem defeito. Mas sob as pálpebras avermelhadas — talvez do romance que estava a ler, talvez da inquietação, da espera —, sobre as feições que o repouso distendia e que o áspero desejo da mulher que quer ser amada já não animava, que cansaço, que confissões! A sua idade, a sua história, os seus desvarios, os seus caprichos, as suas ligações, e Saint-Lazare, a violência, as lágrimas, o terror, tudo se via, vinha à tona: e as pisaduras roxas do prazer e da insónia, e o vinco de repulsa que abatia o lábio inferior, desgastado, fatigado como o parapeito de um poço comunal onde toda a gente bebe, e o inchaço inicial da carne que se desprende para dar lugar às rugas da velhice.
Esta traição do sono, o silêncio de morte que a envolvia, era uma coisa grande, sinistra; um campo de batalha à noite, com todo o horror que se mostra e aquele que se adivinha pelos vagos movimentos da sombra.
E de repente a pobre criança sentiu uma enorme e sufocante vontade de chorar.
Alphonse Daudet, Sapho, Publicações D. Quixote, 2007, tradução de Miguel Serras Pereira.
O parágrafo de Oscar de que vos falava ontem
The white arms of Andromache are around his neck. He sets his elmet on the ground, lest their babe should be frightened. Behind the embroidered curtains of his pavillion sits Achilles, in perfumed raiment, while in harness of gilt and silver the friend of his soul arrays himself to go forth to the fight. From a curiously carved chest that his mother Thetis had brought to his ship-side, the Lord of the Myrmidons takes out that mystic chalice that the lip of man had never touched, and cleanses it with brimstone, and with fresh water cools it, and having washed his hands, fills with wine its burnished hollow, and spills the thick grape-blood upon the ground in honour of Him whom at Dodona barefooted prophets worshiped, and prays to Him, and knows not that he prays in vain, and that by the hands of two knights from Troy, Panthous' son, Euphorbus, whose love-locks were looped with gold, and the Priamid, the lion-hearted, Patroklus, the comrade of comrades, must meet his doom. Phantoms, are they? Heroes of mist and mountain? Shadows in a song? No: they are real! Action! What is action? It dies at the moment of its energy. It is a base concession to fact. The world is made by the singer for the dreamer.
Oscar Wilde, The Decay of Lying and Other Essays, Penguin Books, 2010, p. 22.
*Vaso grego descoberta na Sicília, datado de ca. do ano 500. A cena representada é a da morte de Pátroclo às mãos de Heitor, Euforbo e Apolo.
Ítaca 3: Um Poema
O passado de um deus é a eternidade feita
peso, invenção: as flores no meu jardim
eram seres acabados, perfeitos, finais,
antes de eu as semear. Mais: o vaso de esmalte,
lascado na base — vê-lo ali — é a
recordação de um dia, a sua história é
exactamente como a minha. Tal é o enredo
de certas flores, que ainda tingem o plano
e insistem no seu cheiro mesmo depois.
Simão Valente
quarta-feira, 13 de julho de 2011
Ítaca 3: Um Poema
Nós, os que nunca fomos sereias,
embarcamos em pequenas naus de regresso.
Somos imensos como a sombra vaga
no bosque sugerido pelo rasto dos montes,
de peito erguido ao infinito deste lugar.
E nossos filhos? Se aqui morrermos,
se aqui tivermos outro sítio que não a espera
seremos amados na memória do que não fomos.
Será tão breve a perfeição como é breve
a terra que se abre para o cadáver,
estar morto sempre foi vantagem
para quem sonha a eternidade. Não estamos juntos às ondas,
não choramos, a areia não faz tempo no relógio
nem a praia tem anos para gastar.
Melhor será vivermos na memória
do que neste corpo indizivelmente absurdo:
a mulher que nos amou terá no nosso enterro
a mais pura das razões para amar —
nunca contará com nosso regresso.
E abandonados somos voluntários náufragos
na esperança de morrermos cedo,
como um herói destinado, um mártir indecente,
uma cruz levantada entre o cais que nos deixam
e aquela ilhota obscena de estranha gente
que teima em não saber quem somos,
esses pequenos homens infelizes e convencidos
de que nós, depois de mortos, os recordaremos.
Pedro Braga Falcão
terça-feira, 12 de julho de 2011
Notas de Benjamin
Desde há séculos que se constata que a ideia da morte está a perder omnipresença e força evocadora na consciência colectiva.
(...)
Hoje os burgueses, habitantes áridos de eternidade, vivem em espaços depurados da morte e são, quando se aproximam do fim, arrumados pelos herdeiros em lares ou hospitais. Ora é precisamente ao morrer que o indivíduo transmite, em primeira mão, não apenas os seus conhecimentos mas, sobretudo, a experiência da sua vida - isto é a matéria com que se constroem as histórias. Assim como no interior do indivíduo, agonizante, desfila uma sequência de imagens - quadros de situações por ele vividas, sem se ter dado conta - também o inesquecível aflora, de repente, na sua fisionomia e no seu olhar, conferindo autoridade a tudo o que lhe dizia respeito. Na hora da morte, até o maior pobre-diabo possui essa autoridade perante os vivos que o rodeiam. Esta autoridade está presente na origem da narrativa.
Walter Benjamin, Sobre Arte, Técnica, Linguagem e Política, Relógio D'Água, 1992.
Uma malta esquisita
"If I don't write to empty my mind, I go mad.", by Lord Byron, e.g.
Ítaca 3: Um Poema
Quase óbvio o preto
e branco na fotografia
de uma cidade assim. Lisboa,
à hora vaga de mais uma hora,
está entre a espera e a aparente
beleza firme das madrugadas;
Lisboa é também a merencória
herança da noite, precisamente
o modo como o crânio, curvado
e moroso, dormente ainda,
se molda à mão. Esta porra
triste que amamos.
José Salema
"Where there's smoke": um poema da barda alascana
To say the building was getting a kick
Out of my 'burnt toast' episode this morning
That caused the fire alarms to go off
For 20 minutes
And caused an evacuation.
She thought it was funny
I was cooking breakfast in the capitol
And burnt it.
I assured her
I was not in the building this morning,
I was not cooking breakfast here at any time,
And I did not burn any toast.
She looked at me warily,
I doubt she believed me.
Sarah Palin, tirado daqui, a iluminação chegou-me via blogtailors. Para quando os Collected Poems do divino JJ?
Charlotte Salomon: Leben oder Theater?
a note on the masses
often puzzle the readers:
they wonder how this one
or that one
can endure and
continue.
well, there’s a secret:
don’t expect too
much of Humanity,
they have been
practicing hatred
for centuries,
it’s passed down
refined and
perfected,
oh, they have become
very good at that—
their hatreds blossom
with ever more frequent
regularity.
our public hell creates a
private hell and
there is no hell
except on
earth.
once you accept
this premise
you will be free to
exist
on your own terms
and you will never
know loneliness
and death will be as
nothing.
consider yourself
blessed in the
dark.
Charles Bukowski, Bone Palace Ballet, New Poems, Black Sparrow Press, Santa Rosa, 1997.
Este é o bónus:
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Questões de semântica
Tenho na cabeça o embrião de um texto sobre o venerando imperador (não tão venerável) Gaio (Calígula). O embrião da ideia deve ter aparecido há talvez um ano. Tem que ver com uma questão absolutamente vital sobre o senhor mas cujo conhecimento depende apenas do modo como se escolhe interpretar um termo que surge na única fonte directa para o seu principado: este termo pode ser traduzido à luz do que disse outro historiador sobre o contexto de que o passo fala, ou de modo isolado e independente, como se não soubéssemos nada do que o outro disse.
E depois há a melancolia de que se embebe este tipo de exercício. Que as maiores disputas de poder, os maiores arroubos de vontade, de violência, de ternura, que moveram e afectaram as vidas de tanta gente (quanta nunca saberemos) se reduzam a pó. E reduzidos a pó sejam só matéria de discussão para uma rapariguinha rodeada de livros no canto poeirento de uma biblioteca. Questões de semântica. Menos do que o ténue indício de uma pegada. Saber talvez seja uma das paixões mais fortes, mais exigentes e interessantes, mais significativa por causa daquilo que pode pôr em movimento. É também, em alguns contextos, uma das mais tristes.
e o Amor é isto, mais coisa menos coisa
Fiódor Dostoiévski, Gente Pobre, tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra, Presença, Lisboa, 2006, pp. 138-140.
Ítaca 3: Um Poema
CLAIRE FISCHER: How’s death?
NATHANIEL FISCHER: It’s good. Made some new friends, joined the
chess team.
Six Feet Under 3:13
para Victor Gonçalves
farto da aporia dos cem metros filosóficos Aquiles
desafiou a tartaruga
para uma partida de ténis
a princípio os pés velozes de Aquiles
a torrente irrefreável do seu amor
e um jogo eficaz de serviço-rede
pareciam ensinar a prevalência da paixão
sobre a paciência a meio
do primeiro set por pouco um smash
não decapitou a tartaruga
discípula de Platão Montaigne Nietzsche Derrida
companheira de copos de um grupo de filósofos paisagistas
e exegeta de David Lynch nas horas vagas
a tartaruga seguiu fielmente
a estratégia previamente definida
controlando o ritmo da respiração
decompunha o tempo em subtis fatias de presente
presente-quase-passado e presente-quase-futuro
uma sucessão simultânea de imagens
achando assim o kairos o momento exacto
em que a raquete deve encontrar bola
aplaudia as virtudes do adversário
enquanto desenhava o mapa dos seus vícios
das suas próprias virtudes cultivava somente
as que fossem suas aliadas na guerra
contra os seus vícios
assim
no final do sétimo set
jogavam à melhor de vinte e cinco
a tartaruga ultrapassou Aquiles
a partir daqui
o coração de Aquiles começa a rodopiar
cada vez mais rápido num maelstrom de desespero
sucedem-se erros não forçados duplas faltas
os pequenos descuidos que
como comprovam as leis do ténis
inutilizam toda a beleza
a partida terminou
quando Aquiles desfez a raquete contra o solo
isto valeu-lhe a desqualificação
e o ressentimento dos deuses
por isso
viu-se forçado a desposar Hebe
a solteirona do Olimpo
e a suportar nos Campos Elísios uma vida conjugal
para a qual não tinha qualquer vocação
a embriaguez as lágrimas os exercícios de lira
a que se entregou não lhe ofereciam consolo
só ensombravam ainda mais a sua sombra
nem as visitas ocasionais o animavam
no céu a noite não divide os dias
as almas não dormem
insones vagueiam de prazer em prazer
atormentados pela dúvida
se sonham ou não
foi num estado de profunda prostração
que a tartaruga achou Aquiles
alegrou-o o reencontro
recordaram os bons velhos tempos
Aquiles fez-lhe uma visita guiada
aos acomodamentos eternos
quando terminou fitou-a sombriamente
isto não é vida para ninguém
começou assim
um novo período das suas mortes
dedicaram-se ao xadrez
a tartaruga ganhava sempre
a princípio Aquiles encolerizava-se
arremessava as peças esculpidas em corno inquebrável
com o tempo descobriu os prazeres da indiferença
o seu jogo melhorou consideravelmente
mas nem por isso deixou de perder
quando querem descansar do xadrez
a que se entregam meses a fio sem interrupção
Aquiles e a tartaruga peripatetizam
discorrem sobre o sentido da morte
sobre a possibilidade do suicídio da alma
e acabam sempre por voltar ao xadrez
J.P. Moreira
domingo, 10 de julho de 2011
"Witness for the Prosecution" de Billy Wilder, 1957*
*Os comentários abaixo contêm spoilers.
sábado, 9 de julho de 2011
The idea of the poem
Image of Boeotia
Here where time's footsteps sound deep
Where great clouds open into golden cherubim
Above the metope of the sky
Tell me where eternity began
Tell me what is the sign you ache for
And what the lot of the helminth
O earth of Boeothia shined by the wind
What has become of the orchestra of naked hands
beneath the palaces
Of the mercy that rose like sacred smoke
Where are the gates with ancient singing birds
And the clang that dawned the terror of peoples
When the sun was entering as triumph
When fate whrithed on the lance of the heart
And fraticidal warblings took fire
What has become of the immortal March libations
Of Greek lines in the water of verdancy
Foreheads and elbows were wounded
Time rolled pink from so much sky
Men advanced
Filled with pain and dream
Acrid image! Enobled by the wind
Of a summer storm that leaves fireblond
Traces on the lines of hills and eagles
In the lines of your palm's destiny
What can you regard and what can you wear
Dressed in the music of glasses and how you proceed
Through heather and through sage
To the arrow's final point
On this red earth of Boeotia
In the desolate marching song of boulders
You'll kindle golden sheaves of fire
You'll uproot the evil fruitfulness of memory
You'll leave a bitter soul in the wild mint!
Odysséas Elytis, The Collected Poems, de In Service of Summer, Jeffrey Carson e Nikos Sarris (trads.), Johns Hopkins University Press, 1997.
sexta-feira, 8 de julho de 2011
o livro que fará furor neste Verão
1) Aberto pode servir de reflector solar.
2) Com o apoio de duas estacas pode servir de toldo.
3) Pode ser usado como prancha de surf.
4) Como qualquer bom thriller de Verão propõe um mistério inextricável: quem, ao certo, estará disposto a gastar 150€ neste livro?
Obrigado, Babel, é deveras uma couza notavel.
perséfone
O que amo está sempre no seu princípio.
Odysseas Elytis, Sol O Primeiro, III
a mão de pedra finalmente
apontou para nada
silenciou-se
está feita em cacos
na brancura espessa da tarde
enorme pesada
o braço que a sustentava
cedeu ao seu próprio peso
a mão
tombou
sem chegar a apodrecer
as pedras não apodrecem
desfazem-se em terra
na precisão de pequenos grãos
a história interrompe-se
não vale a pena
perguntares por uma direcção
devagar sentires-te inquieto
frutos e flores
podem adornar os teus cabelos
imitarás confusamente o jovem dioniso
entre as portas de uma casa fechada diante do mar
em esplanadas rodeado de amigos
o ruído como protecção
podes procurar por ti em estátuas destruídas
pedir notícias da tua viagem sem mapa
o corpo ao alto
inclinado entre as velas
o barco e o seu rumo no entardecer
e alguém que da ponte
te observa e acena
sem que nenhum nó te ate
o mar que não fixa o teu regresso
nem reflecte a tua imagem
deixa no corpo sal
afasta-se
e tu recuas diante da maré
tapas com a mão os olhos
na claridade que fere percebeste
não há de verdade uma continuidade
não saberíamos dizer
quando pela primeira vez o entendemos
estava talvez em objectos concretos
verdadeiramente enumeráveis
uvas esmagadas
que se tornam vinho
a possibilidade de arrancar do caderno
as últimas páginas
a conversa acabada
os dedos sobre a máquina de escrever
havia junto à tua janela um candeeiro
podia passar a noite
lançando pedras do outro lado da rua
devia dizer-te
que gastei todas as minhas metáforas de luz
contar-te que o que me sobrou foi o hábito de avançar
de continuar a correr
algumas coisas devemos perdê-las
extinguindo-nos
diante do espelho em estilhaços
trocámos os papéis
confundimos as nossas falas
temos uma memória
feita de palavras em curso
escrevemos a partir de um sítio
onde as coisas estão acabadas
mas eu podia dizer-te
imitando elytis
que tudo o que amei permaneceu jovem
enterrando as mãos nos bolsos
tu responderias
é só um verso isso
a música que restou na luz dos espelhos
a música num espelho longe (manuel gusmão)
equivale
ao osso do braço quebrado
estava já tudo dito
quando se disse
voi ch’entrate
lasciate ogni speranza
mas se a abandonássemos
não haveria história
visitaríamos apenas os mesmos quartos
repetindo as mesmas mentiras cansadas
haveria sempre como retirar
o que ficara dito
para esquecer a esperança é preciso ter imaginado
as suas asas no calor terrível
na tarde na sede na respiração
entrecortada pela poeira
o seu cantar em torneiras que pingam
mal fechadas em torno do calor
e é preciso tê-la perdido
de que outro modo seríamos inteiros
teríamos lançado da distância
a pedra à janela
um som mansamente
uma sugestão
de passos ao de leve
que te resgatou do sono
eu podia repetir-te
que tudo o que amei permaneceu jovem
não é só um verso
ao mesmo tempo é
a mais perfeita forma de esperança
a mais acabada forma de desespero
talvez isto sirva o motivo de dizer
que aqueles que não regressaram
recomeçam
que essa música só começa a existir
para nós
quando aprendemos o riso
e começa a existir devagar
a sua velocidade é a do impulso
dado a um barco de brinquedo
num tanque
o nosso drama em miniatura
as figuras a que concedemos uma fala
à distância de dez mil passos
quando a voz te puxou pelo ombro
pensei que eras orfeu
aprendendo a olhar para trás
tinha no bolso um lápis
e o relógio de pulso
dobrado sobre si
sinais para alguma coisa
que foi interrompida
palavras em curso
o que acontece
e vi isso
tudo o que amei ficou no seu princípio
nascendo incessantemente
talvez perséfone
já tivesse provado
a romã
podia dizer-se
que contra isso havia a luz do sol
à superfície
as minhas horas afundadas
em lagos
nos teus olhos
onde a noite
se prendeu como arestas
perfeitos ângulos
que se opõem
rochas junto ao mar
onde vamos pela vaga
ilusão do voo
que é só o instante
que está antes de bater
contra a água
não queríamos o que era perfeito
só a repetição
das coisas dentro do tempo
essa ilusão
de que tudo o que amámos
continua a despontar
talvez só possamos imitar
a suave morte que
se adensa
e que deméter
dá à terra ao saber-se
sem perséfone
mas
e mesmo que seja assim?
Tatiana Faia
quinta-feira, 7 de julho de 2011
Diálogo entre Babieca y Rocinante
Soneto
B. Cómo estáis, Rocinante, tan delgado?
R. Porque nunca se come, y se trabaja.
B. Pues qué es de la cebada y de la paja?
R. No me deja mi amo ni un bocado.
B. Andá, señor, que estáis muy mal criado,
pues vuestra lengua de asno al amo ultraja.
R. Asno se es de la cuna a la mortaja.
Queréislo ver? Miraldo enamorado.
B. Es necedad amar? R. No es gran prudencia.
B. Metafísico estáis. R. Es que no como.
B. Quejaos del escudero. R. No es bastante.
Cómo me he de quejar en mi dolencia,
si el amo y escudero o mayordomo
son tan rocines como Rocinante?»
Cervantes, Don Quijote de la Mancha
Mais de cansaço do que de fervor
Além da afirmação, bastante veemente, de que o papa tem cu e da ideia de que por secreto decreto papal os torrões de açúcar seriam a forma de representação oficial d'Ela, de sua santidade, ficou-me na cabeça aquela frase em que a personagem do Cintra diz que a maior parte dos homens são mais feitos de cansaço do que de fervor, o que quase me parece contraditório num ensaio sobre a aparência. Ou por outra, para se falar sobre coisas aparentes, verdadeiramente, é preciso chegar ao âmago. Em certo sentido, é uma peça muito platónica.
Sweet opportunity in the state of Denmark (ou se Hamlet escrevesse ao FMI)
I am Mr. Prince Hamlet, rightful heir to the throne of Denmark. I have an important business proposition for you.
My trouble is hard, as you may know from the international media. My father, King Hamlet, was killed via ear poison. His brother Claudius did the ear poisoning and now he has seduced and married my mom, the Queen. I know this to be true for because my father’s ghost told me. I tried to revenge my father, but Claudius prayed so I couldn’t. Later I stabbed the wrong man. Now I need your help.
I was fleeing to England with friends, but I found out my friends were to kill me. So instead, I killed them. Now I am on a pirate ship sailing back to Denmark, and I need money to pay the pirates and to get back to Elsinore.
I contact you because I have friends in majesties and other business areas that recommended you. They say you are a GOOD person who likes helping people and GETTING MONEY back from business risks. If you want to help me and MAKE MONEY, send (USD 25,000 dollars) (or whatever you can) to Elsinore, Denmark, c/o Horatio. When it comes, I’ll the pay pirates, get home, and kill Claudius. Once I reclaim my legacy, I will have access to my country’s riches and I will return to you your USD 25,000 and also give you 15% of a royal account, which is much, I ASSURE you.
There is no risk to you at all as I promise you the money in return. I ask that you get back to me soon, as my revenge business needs to be done, and also Norway is invading.
Please respond to me at my royal private mail account: princham231@hotmail.com. Upon your response, I shall provide you with details and relevant documents that will help the transaction. Please observe utmost confidentiality so I’m not killed by pirates, and rest assured that this transaction would be most profitable for us both.
Awaiting your urgent reply, with pirates,
Prince Hamlet
Notas para uma definição de chorar no fim
Eles vêm aí.
É aqui. Estes leões de pedra olharam-na. Na mudança de luz parece que se mexem.
Christa Wolf, Cassandra, João Barrento (trad.), Livros Cotovia, 1989.
quarta-feira, 6 de julho de 2011
Cy Twombly 1928—2011
Requiescat in pace. Podia escrever alguma coisa, mas há quem já o tenha feito, e melhor.
Homage to Cy Twombly
John Burnside
This is how it works in children's books:
untrodden snow, that blue gap in the woods,
the fact and the recovery of light;
and this is how it works in déja-vu:
familiar things you've never seen before,
a stranger's house that wants to pass for home.
If you're lucky, you come to a place
where a man with the same sugar maples as his neighbours
draws and perfects a syrup so golden and dark
it swims like amber in the standing vats;
and this is a version of love, like the upland village
where old men grow the plums for umeboshi,
mixing the salt and shiso through rainfalls and births
in weathered vats made resonant with time.
I once knew a man whose garden was nothing but ivy.
He liked it, he said, because this was the darkest of plants,
and what he wanted was a darker world,
an older world, where anything could happen.
I asked him: why not hellebore, or yew.
He only smiled.
And surely there's an elegance that comes
of wishing not to learn from one's mistakes,
repeating them time after time, with small variations,
till something begins to form at the back of your mind:
a possible world, an alternative reading of pain.
One day I came upon Twombly's Return from Parnassus
and knew it had been present all along,
suggesting the world that frogs dream, locked in the mud,
or the spawn-coloured air that gathers above a pond
in the still of winter.
If you're lucky, you learn to repeat your mistakes
with a certain detachment:
the soft-toy you lost as a child, the kitten, the ball-game
repeated so often in first snow, or after dark,
it lengthens into years, a house you've made
beyond the space your parents set aside
for etiquette and gossip, where your life
is measured out in spoor and random sightings:
beasts in the shadows, a glimmer of hair and eyes,
that voice you know from some forgotten room,
trapped in a puzzle of glass and Michaelmas daises
— and isn't there always an angel in disguise
waiting to make its belated annunciation?
The rat come in at evening when the hay
is cut and dried? The birds in fairy tales
drawn from the thaw and blessed with a gift for language?
Isn't it easy to find, in all this confusion,
the signs of a good life passing:
those adults —not your parents— in the rain;
those other children coming up the path
with pails of sticklebacks or wasps in jars,
a shadow in the woods that knows your face
and slips through in the small hours, leaving tracks
and hoofprints in the fabric of your waking?
This is how it works in children's books,
how most of what you know is reconstruction,
something inferred from the shadow you catch in a mirror;
and this is how it works in love and art:
how, sometimes, the shape of the wind on an empty street
is all you know of home: a field of rain
or one last boat returning from the sound,
the blown light on its deck sudden and large,
no less a fact that radio, or ozone—
though later, when you wake beneath the dark,
like someone who would pray, if he had prayers,
another version of that child arrives
from somewhere else, the gravity of love
and kinship in his face, a child who knows
the way your skin is made from touch and thaw
and threads olf cold you brought in from the frost
with something he broke in the old days and couldn't relinquish,
knowing his time would come, in this other life,
to gather the pieces and magic them back together.
John Burnside. in The Good Neighbour. Cape Poetry: 2005
Ano Elytis
a place in Philly
and starving,
living in the roominghouse and
pretending to be a
writer
while the other men occupied
with their professions and
their possessions.
there's nothing like being
young and
starving,
listening to Brahms,
your belly sucked-in,
nary an ounce of
fat,
stretched out on the bed
in the dark,
smoking a rolled
cigarette
and working on the
last bottle of
wine,
the sheets of your
writing strewn across the
floor.
you have walked on and across
them,
your masterpieces, and
either
they'll be read in
hell,
or perhaps
gnawed at by the
curious
mice.
Brahms is the only
friend you have,
the only friend you
want,
him and the wine
bottle,
as you realize that
you will never
be a citizen of the
world,
and if you
live to be very
old
you still will never
be a citizen of the
world.
the wine and
Brahms mix well as
you watch the
lights
move across the
ceiling,
courtesy of
passing
automobiles.
soon you'll sleep
and
tomorrow there
certainly
will be
more
masterpieces.
Charles Bukowski, Bone Palace Ballet, New Poems, Black Sparrow Press, Santa Rosa, 1997.
Troilo
Christa Wolf, Cassandra, João Barrento (trad.), Livros Cotovia, 1989.
terça-feira, 5 de julho de 2011
X
Um peixe que busca transparência noutro clima
Uma mão que em nada acredita
Eu sou hoje como ontem
As lâminas do tempo ensinaram-me a sentir
Eu dissolvo as noites de dentro para fora reviro as alegrias
Espalho esquecimento ao abrir um pombal
Saindo pelas portas traseiras do céu
Sem uma palavra no olhar
Como um rapaz que esconde no cabelo
um cravo.
Harmonia
against the wall, the firing squad ready.
then he got a reprieve.
suppose they had shot Dostoevsky?
before he wrote all that?
I suppose it wouldn't have
mattered
not directly.
there are billions of people who have
never read him and never
will.
but as a young man I know that he
got me through the factories,
past the whores,
lifted me high through the night
and put me down
in a better
place.
even while in the bar
drinking with the other
derelicts,
I was glad they gave Dostoevsky a
reprieve,
it gave me one,
allowed me to look directly at those
rancid faces
in my world,
death pointing its finger,
I held fast,
an immaculate drunk
sharing the stinking dark with
my
brothers.
Charles Bukowski, Bone Palace Ballet, New Poems, Black Sparrow Press, Santa Rosa, 1997.
As coisas mais importantes
Christa Wolf, Cassandra, João Barrento (trad.), Livros Cotovia, 1989.