Quer ser uma proprietária rural, meu amorzinho? Mas olhe para si, meu querubim: será que tem alguma coisa a ver com uma proprietária rural?… Mas como é isso possível, Várenka? E a quem vou escrever cartas, meu amorzinho? Pois é! Considere só esta calamidade: a quem vai ele escrever cartas? A quem vou chamar de meu amorzinho? A quem poderei dar este nome carinhoso? Onde poderei encontrá-la, meu anjinho? Eu morro, Várenka, morro de certeza, o meu coração não vai aguentar esta desgraça! Amava-a como à luz de Deus, amava-a como a uma filha, amava tudo em si, meu amorzinho, minha filha! Vivia apenas para si! Trabalhava, copiava papéis, andava, passeava, passava as minhas observações para o papel em forma de cartas amigáveis apenas para si, meu amorzinho, que vivia aqui mesmo em frente, tão perto! Talvez a Várenka não se desse conta disso, mas era precisamente assim! Sim, oiça, meu amorzinho, pondere bem, minha linda pombinha, como é possível que se vá embora de nós? Oh, filha, não pode ir, é impossível, na realidade não há qualquer possibilidade de fazer uma coisa dessas! É que está a chover, e a Várenka é fraca, constipa-se. O seu coche vai ficar encharcado, de certeza que vai ficar encharcado. Mal passe as portas da cidade, o coche vai ficar estragado, vai estragar-se, é fatal. É que, aqui em Petersburgo, constroem pessimamente os coches! Conheço esses merceneiros de carros, para eles o que conta é construírem uma coisinha bonita, um modelo do género brinquedo, mas sem nada de sólido! Posso jurar que não é sólido! Eu, meu amorzinho, rojo-me de joelhos diante do senhor Bíkov, provo-lhe tudo, convenço-o! E o meu amorzinho também, tente convencê-lo, convença-o com as suas razões! Diga-lhe que fica, que não pode ir!… Ah, porque não se casou com uma comerciante de Moscovo? Seria muito melhor que ele se tivesse casado com uma comerciante! Seria melhor, seria mais convincente para ele essa comerciante, sei isso muito bem! E eu ficava com a Várenka e a Várenka comigo. Para que precisa dele, meu amorzinho, para que precisa desse Bíkov? Porque foi que, assim de repente, ele lhe pareceu bom? Talvez porque lhe comprou a falbalá, talvez por isso? Mas o que é a falbalá? A falbalá, meu amorzinho, não vale nada! Trata-se aqui da vida humana e não da falbalá, a falbalá, meu amorzinho, não passa de um trapo. Eu próprio, logo que receba o ordenado, compro-lhe montanhas de falbalás, compro falbalá para si, já conheço uma loja, espere só até eu receber o ordenado, minha Várenka, meu querubim! Ah, meu Deus, meu Deus! Com que então vai mesmo para a estepe com o senhor Bíkov, vai-se embora para sempre! Ah, meu amorzinho!… Não, escreva-me mais uma vez, escreva-me mais uma carta e, quando chegar lá, escreva-me logo outra. Senão, meu anjo dos céus, esta será a última carta. Como poderia ser que, assim de repente, fosse a última carta? Não, não, vou escrever-lhe sempre, e a Várenka escreva-me também… Até porque, ainda por cima, tenho agora um estilo que está a formar-se… Oh, filha, o que interessa o estilo!? Agora, por exemplo, nem sei o que escrevo, não sei, não sei nada, nem sequer vou reler isto, escrevo só por escrever, só para lhe escrever o mais possível… Minha pombinha, minha filha, meu amorzinho!
Fiódor Dostoiévski, Gente Pobre, tradução de Nina Guerra e Filipe Guerra, Presença, Lisboa, 2006, pp. 138-140.
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