terça-feira, 26 de julho de 2011

Pobre Calisto

Se ele soubesse que hoje já nem para os comediantes há subsídios...

"- Sr. presidente. Em Grécia e Roma as festas anuais eram solenizadas com espectáculos. Os cidadãos timbravam em se despenderem aporfiadamente para o maior realce das representações teatrais. Na Grécia, o arconte epónimo, a cargo de quem o Estado delegava as despesas das representações, esmava o dispêndio de cada uma em dois talentos (...). Este dispêndio faziam-no espontâneamente os ricos; e, se era o tesouro nacional que adiantava as despesas, a concorrência convidava pelo preço diminutíssimo do theorikon ou entrada, que correspondia ao vintém da nossa moeda. E de Péricles em diante, sr. presidente, tomou o Estado à sua conta o pagamento das entradas dos pobres. Entre os Romanos, eram os poderosos, como Lépido e Pompeu, e, ao diante, os imperadores, que sustentavam do seu bolsinho as representações teatrais. (...) Eu tenho o desgosto de ter nascido num país em que o mestre-escola ganha cento e noventa réis por dia, e as cantarinas, segundo me dizem, ganham trinta e quarenta moedas por noite. Eu sou de um país, sr. presidente, em que se pede ao povo o subsídio literário para pagar com ele as tramóias da Lucrécia Bórgia. Eu sou de um país pobríssimo em que a veia da Nação exangue sofre cada ano a sangria de algumas dúzias de contos para sustentar comediantes, farsistas, funâmbulos e dançarinas impudicas! Sr. presidente, V. Exª sorriu-se, vejo que a Câmara toda está sorrindo, e eu ouso dizer a V. Exª e aos meus colegas, como o poeta mantuano: sunt lacrimae rerum."

Camilo Castelo Branco, A queda dum anjo, Livros Unibolso, Lisboa.

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