sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Um leitor na Martinica em 1972, por André Kertész





























Este é o tipo de leitor disciplinado. Admiro esta espécie de leitor. Este não anda em telhado a ler, ou em escadas no meio do bulício da cidade, ou estendido ao contrário, com os pés em cima das costas do sofá e de cabeça para baixo. Este, meus senhores, não é o leitor de varanda, não é o leitor de café. Senta-se a uma mesa perto de uma janela num sítio sossegado e é assim que lê.
Exceptuando se estiver a ler por questões profissionais, ou a fazer uma releitura que me peça mais atenção, com muita pena minha, não sou capaz de ler assim. Há alguns anos tornei-me incapaz de ler num sítio onde trabalhasse (bibliotecas ou centro) ou onde estivesse a preparar um trabalho sobre um livro que não andasse a ler por interesse próprio. Se estou a ler o que me apetece, saio sempre do sítio onde estou a trabalhar e procuro outro poiso. Se estou numa biblioteca arrumo as minhas coisas e mudo de mesa. Nem que tenha de ficar de pé num corredor. Penso que há muitas pessoas que são assim.
Há livros para os quais gosto de olhar não com o olhar do investigador ou do estudante bafiento que quer contar figuras de estilo e dizer como se sente o sujeito poético ou o eu poético (entre estes dois venha o diabo e escolha, chamo-os por este nome e às vezes tenho a certeza absoluta que quem lá está não é nenhum deles mas o autor do poema ou alguém que não é sujeito [se entender sujeito poético como um ser meio ficcionado meio projecção do autor] nenhum mas marcadamente personagem) mas apenas como leitor: o tipo que ingenuamente se deixa levar pela mão do autor e que compareceu ao encontro apenas para se deixar encantar, por vontade desinteressada de ver o que está a ser representado e o que está em causa em determinado livro. Tenho muito medo que daqui a uns anos já não seja capaz de fazer isso. Penso que não irá acontecer. Daí migrar de sítio para sítio dependendo do que quero ler. Isto é o que se chama uma esquizofrenice, creio.
Esta foto foi, tanto quanto consegui apurar, tirada em 1972, por André Kertész, na Martinica. Não se encontra no livro de que aqui falei, uma vez que foi tirada em 1972 e o livro abrange fotografias tiradas entre 1915 e 1970.

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