segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Fragmentos de uma Cidade Moribunda

III
As luzes vibram cor como carne vermelha nas ruas da meia-noite
e, no entanto, a minha linguagem é a linguagem do vento,
que sopra sobre as pastagens como no primeiro dia
e traz o pavor dos desertos e a saudade que as palmeiras ébrias
têm dos campos do meu pai.

V
Não os chamei, mas eles tornam sombria a minha voz.
Todos, porém, devem saber que eu já não sei rezar,
porque me aviltei num dia de Agosto de 1952,
todos devem saber que eu estou na minha carne sufocado.

VI
Ninguém ouve a minha voz, que me há-de aniquilar.
Eles hão-de cercar a minha casa e entrar pela minha porta e chamar o
----------------------------------------------------------------nome
por que eu dou.
Eles hão-de esquecer que eu também sou o criador da erva
e o conservador do leite e do mel.
Num recanto da tristeza me hão-de bater e assassinar,
quando a neve e o vento e a Primavera chegarem tarde demais...

Thomas Bernhard, Na Terra e no Inferno, José A. Palma Caetano, Assírio & Alvim, Lisboa, 2000.

Ainda não terminei este livro (comecei a lê-lo há pouco e estou na página 93). Há uma força nestes poemas que eu não consigo explicar, uma força constante que tem qualquer coisa de demoníaco (no sentido grego do termo), uma energia soturna que não abranda de verso para verso e que confere uma beleza muito própria a cada poema. Há imagens muito sombrias (por algum motivo o livro se chama Na Terra e no Inferno) que contribuem para criar uma beleza sólida, inabalável. Mas de vez em quando há qualquer coisa que tende para (e cria) uma espécie de luminosidade. Dos melhores livros de poesia que leio em muito tempo (e os que tenho lido são muito bons).

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