terça-feira, 29 de setembro de 2009

«L' Innocente» de Luchino Visconti, 1976




















Quando quiserem ver um filme mesmo violento, com um tipo de violência que choque moralmente (violência diferente da dos filmes de Kubrick ou de Tarantino, por exemplo), a película a ver chama-se L'Innocente e data de 1976. Trata-se do último filme de Luchino Visconti e é baseado na novela homónima de Gabriele d'Annunzio (que eu nunca li, mas para quem sinta mesmo muita curiosidade, e não possa esperar o tempo que levam a chegar os livros que estão já encomendados, está disponível aqui). Embora a novela seja de d'Annunzio, as personagens parecem-me bastante devedoras de Dostoiévsky.
O enredo parece uma plain story: aristocrata rico com mulher deslumbrante tem uma amante. Como o aristocrata é bastante impulsivo, muito permissivo em relação a ceder às suas paixões e não é temente a Deus (este pormenor não é de todo insignificante), Tulio Hermil (interpretado por Giancarlo Giannini) resolve deixar a mulher e decide fugir com a amante. Entretanto, muda de ideias, volta atrás, e decide que afinal quer ficar com a esposa.
Agora, o que Visconti não filma, mas que nos dá a entender é que Giuliana Hermil (Laura Antonelli), a esposa, se apaixonou por um escritor que frequentava a casa do cunhado (salvo o erro, esta personagem é Filippo d'Arborio). O escritor, um tipo simpático e idealista, uma daquelas figuras com uma solidez moral irrepreensível, resolve que aquele é um amor condenado e parte para as Áfricas (se a memória não me falha). O marido volta.
O problema é que a senhora entretanto ficou grávida e o marido, mais ou menos no meio de uma segunda lua de mel, percebe que não há hipótese de ser ele o pai.
De todas as possibilidades que um enredo que chega a este ponto permite, há uma que nunca consideramos como possível, mas é essa que Visconti resolve seguir.
Tulio Hermil é um homem que, não acreditando em Deus, pensa que responde pelos seus actos apenas perante si próprio, o que torna o seu horizonte moral bastante amplo (e também bastante difuso). Por outro lado, o que pode parecer um contra-senso para um tipo tão livre-pensador, é um daqueles aristocratas bastantes conservadores, para quem a ideia de o filho primogénito da sua casa não ser um seu filho natural é absolutamente intolerável. Ao contrário de Don Fabrizio (Il Gattopardo), Tulio não é um visionário e não está disposto a aceitar seja que mudança for , nem que seja para que possa ficar tudo na mesma. É uma coisa que está para lá do amor que sente pela mulher. A juntar a isto, há a passionalidade do seu carácter. Como podem ver, um tipo de personagem bastante devedora de Dostoievsky.
Tulio começa a pressionar a mulher para ela abortar. Esta, ao contrário dele, é uma mulher temente a Deus, e o facto de o amante morrer em África acaba por afastá-la completamente dessa ideia. A criança nasce. É um rapaz. Que julgam vocês que sucede?
Não vos conto o final. Mas é bastante evidente. O que choca no filme, é que, tendo em conta o desfecho, que é absolutamente horrível (filma-se o crime mais grave, crime quase com um sentido de pecado, que um homem pode cometer), é a beleza de tudo o que rodeia estas personagens: a beleza física dos actores (Giancarlo Giannini é, em minha opinião, um dos homens mais bonitos que alguma vez apareceu num ecrã), a beleza do cenário em que estas personagens se movimentam, os guarda-roupas, a música, enfim, Visconti na akmê da sua fase de esteta. Como pode o belo manter-se intacto enquanto vemos actos tão sórdidos?
Quase como se a beleza de certas cenas, a beleza das situações, daqueles que nelas figuram, fosse o contraponto ao desfecho do filme. Mas é um filme que nos faz sentir devastados. Em minha opinião, não é Visconti no seu melhor, mas, ainda assim, vale a pena ver.

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