«Não há homem, por muito sábio que seja», disse-me, «que em determinada época da sua juventude não tenha pronunciado palavras, ou até levado uma vida, cuja a recordação não seja desagradável e que desejaria que estivesse abolida. Mas de modo algum o deve lamentar, porque não pode estar seguro de se ter tornado um sábio, na medida em que tal é possível, se não passou por todas as incarnações ridículas ou odiosas que devem preceder esta última incarnação. Eu sei que há jovens, filhos e netos de pessoas distintas, a quem os seus preceptores ensinaram a nobreza de espírito e a elegância moral desde o colégio. Não terão provavelmente nada a cortar da sua vida, poderiam publicar e assinar tudo o que disseram, mas são uns pobres espíritos, descendentes sem força de doutrinadores, e cuja sabedoria é negativa e estéril. A sabedoria não se recebe, todos temos que a descobrir por nós mesmos, depois de um trajecto que ninguém pode fazer por nós, que ninguém nos pode poupar, porque é um ponto de vista sobre as coisas. As vidas que você admira, as atitudes que considera nobres, não foram preparadas pelo pai de família ou pelo preceptor, foram antecedidas de começos bem diferentes, influenciadas que foram pelo que de mal ou de banalidade reinava em torno delas. Representam um combate e uma vitória. Compreende que a imagem daquilo que fomos num período inicial já não seja reconhecível e seja em qualquer caso desagradável. Não deve, porém, ser renegada, porque é um testemunho de que realmente vivemos, de que foi segundo as leis da vida e do espírito que extraímos, dos elementos comuns da vida, da vida dos ateliers, dos meios artísticos, tratando-se de um pintor, alguma coisa que os ultrapassa.»
Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido: À Sombra das Raparigas em Flor, vol. II, Pedro Tamen (trad.), Relógio d'Água, 2003 (2ª ed.).
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