terça-feira, 15 de setembro de 2009

Uma cena genial (em «Estate Violenta» de Valerio Zurlini, 1959)

Há quatro filmes de Zurlini de que gosto muito (aqueles que compõem a caixa que a Fnac vende). Regra geral as pessoas têm preferência por dois filmes de Zurlini (que estão incluídos na caixa): a sua adaptação do romance Il Deserto dei Tartari (1976), da autoria de Dino Buzzati (excelente, quase tão boa como o livro) e La Ragazza con la Valigia (de 1961), com Claudia Cardinale (quase tão bonita como em Il Gattopardo) a dividir o protagonismo com Jacque Perrin.
Não sei porquê prefiro os outros dois: La Prima Notte di Quiete (de 1972) e Estate Violenta, datado de 1959.
Estate Violenta é uma daquelas histórias de amor que parece não ter ponta por onde se lhe pegue, literalmente, e que nos leva por vezes a crer que foi filmada apenas para chocar a mentalidade da época. Trata-se da história de uma mulher mais velha, viúva, e de um rapaz, muito mais novo, que se apaixonam. Digo que a história parece não ter ponta por onde se lhe pegue porque não há nenhum fio a sustentar (ou que nos explique) a atracção sentida pelas duas personagens (interpretadas por Jean-Louis Trintignant e Eleonora Rossi Drago), não há nenhuma inclinação de carácter que as aproxime, elas conhecem-se através de um acidente e percebemos à partida que estão condenadas a separarem-se.
Durante muito tempo achei que esta aparente falta de nexo, de justificação, era uma falha de argumento. Que isso enfraquecia o filme. Mas não é, hoje penso que é propositado. O que Zurlini queria filmar era isso mesmo: duas pessoas que à partida não podiam ser unidas por nada e que tudo devia separar: o bom-senso, a idade, a condição de ambos. Mas há coisas inexoráveis. Há no filme uma cena que nos explica porque é que a história tinha de ser assim. Ou seja, creio que este filme se define a si próprio.
Numa festa em casa de amigos, as duas personagens dançam. É o primeiro momento em que percebemos que a atracção entre ambos é inevitável. Duas personagens que estão apaixonadas e que dançam (ainda que não constituam o primeiro par) é um topos. Repete-se em milhares de filmes. O que é decisivo nesta cena é a música que elas dançam (a primeira que toca). A música explica-nos o filme. Explica-nos as personagens. É uma cena genial.


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