Se quiséssemos indicar um exemplo de consenso entre críticos sobre uma obra da Antiguidade, facilmente se pode dizer que todos os críticos são consensuais em relação à originalidade de Confissões, de Santo Agostinho.
Afirma-se que nunca se conhecera um tipo de autobiografia tão intimista, que a única obra que vagamente se assemelha à autobiografia de Agostinho são as Cartas a Lucílio de Séneca.
Outros elementos concorrem para suportar esta noção de originalidade inerente à obra, como por exemplo o seu pendor existencialista e o seu carácter lírico. Sendo que este último afecta o estilo e a linguagem, bem como o registo linguístico. Significa isto que, em certos passos, encontramos um estilo elevado quando tal não seria de esperar, como por exemplo, no episódio do roubo das peras (Livro II). Frequentemente se encontra repetições, estribilhos, interrogações, antíteses, etc.
Porém, o aspecto que determina o forte lirismo que encontramos nesta obra é a influência dos Salmos. O estilo oracional deste texto é muito influente no impulso lírico com que Santo Agostinho se vira para Deus. Por outro lado, tal como sucede com o salmista, Agostinho sente-se profundamente consciente do abismo de pecado que separa o Homem de Deus e confia cegamente na salvação que deste virá.
Talvez todo este lirismo ajude sobretudo a expressar o cerne da temática das Confissões: o abismo de pecado que rodeava Agostinho e a gratuidade com que Deus o salva.
Este será, de resto, um dos grandes aspecto que afasta Agostinho de um dos seus predecessores na narrativa latina, Apuleio (autor de O Burro de Ouro). Embora também esta obra termine com uma conversão (neste caso ao culto de Ísis), trata-se sobretudo de uma aventura exterior, com as mudanças de cenário e os golpes de cena que são característicos das aventuras exteriores. A conversão de Lúcio (personagem principal do romance de Apuleio) é uma conversão que se dá em parte pela segurança que advém de uma fé enraízada na segurança de uma série de práticas rituais.
Dir-se-ia que a personagem de Apuleio professa uma fé pela estabilidade que sente advir da prática de uma religião. Ora, Santo Agostinho não pode acreditar «porque sim». De resto, é de ler Cícero que o interesse por qualquer espécie de religião lhe advém, e isso é já uma primeira indicação do seu espírito curioso e inquiridor.
A aventura de Agostinho é uma aventura interior, por isso a conversão de Santo Agostinho não se poderia basear em práticas rituais, sobretudo porque a interioridade é o espaço onde irrompe Deus e onde ele o ilumina, não uma quantidade de gestos que exteriormente ele pudesse prefigurar.
Confissões é o diário da viagem de Santo Agostinho ao interior de si próprio. Narrativa de viagem com os defeitos e virtudes que lhe estão subjacentes. É verdade, é um livro com golpes de retórica e em que a imagem do biografado é uma imagem filtrada para servir os desígnios que levam Agostinho a escrever as Confissões. É certo isto. Porém, é um livro ligado a uma profunda noção de louvor, a uma necessidade de admissão da culpa e a uma vontade imensa de destes dar testemunho.
Afirma-se que nunca se conhecera um tipo de autobiografia tão intimista, que a única obra que vagamente se assemelha à autobiografia de Agostinho são as Cartas a Lucílio de Séneca.
Outros elementos concorrem para suportar esta noção de originalidade inerente à obra, como por exemplo o seu pendor existencialista e o seu carácter lírico. Sendo que este último afecta o estilo e a linguagem, bem como o registo linguístico. Significa isto que, em certos passos, encontramos um estilo elevado quando tal não seria de esperar, como por exemplo, no episódio do roubo das peras (Livro II). Frequentemente se encontra repetições, estribilhos, interrogações, antíteses, etc.
Porém, o aspecto que determina o forte lirismo que encontramos nesta obra é a influência dos Salmos. O estilo oracional deste texto é muito influente no impulso lírico com que Santo Agostinho se vira para Deus. Por outro lado, tal como sucede com o salmista, Agostinho sente-se profundamente consciente do abismo de pecado que separa o Homem de Deus e confia cegamente na salvação que deste virá.
Talvez todo este lirismo ajude sobretudo a expressar o cerne da temática das Confissões: o abismo de pecado que rodeava Agostinho e a gratuidade com que Deus o salva.
Este será, de resto, um dos grandes aspecto que afasta Agostinho de um dos seus predecessores na narrativa latina, Apuleio (autor de O Burro de Ouro). Embora também esta obra termine com uma conversão (neste caso ao culto de Ísis), trata-se sobretudo de uma aventura exterior, com as mudanças de cenário e os golpes de cena que são característicos das aventuras exteriores. A conversão de Lúcio (personagem principal do romance de Apuleio) é uma conversão que se dá em parte pela segurança que advém de uma fé enraízada na segurança de uma série de práticas rituais.
Dir-se-ia que a personagem de Apuleio professa uma fé pela estabilidade que sente advir da prática de uma religião. Ora, Santo Agostinho não pode acreditar «porque sim». De resto, é de ler Cícero que o interesse por qualquer espécie de religião lhe advém, e isso é já uma primeira indicação do seu espírito curioso e inquiridor.
A aventura de Agostinho é uma aventura interior, por isso a conversão de Santo Agostinho não se poderia basear em práticas rituais, sobretudo porque a interioridade é o espaço onde irrompe Deus e onde ele o ilumina, não uma quantidade de gestos que exteriormente ele pudesse prefigurar.
Confissões é o diário da viagem de Santo Agostinho ao interior de si próprio. Narrativa de viagem com os defeitos e virtudes que lhe estão subjacentes. É verdade, é um livro com golpes de retórica e em que a imagem do biografado é uma imagem filtrada para servir os desígnios que levam Agostinho a escrever as Confissões. É certo isto. Porém, é um livro ligado a uma profunda noção de louvor, a uma necessidade de admissão da culpa e a uma vontade imensa de destes dar testemunho.
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