domingo, 19 de julho de 2009

George Orwell, O Caminho para Wigan Pier
















Escrito em 1937, antes de Orwell partir para combater contra o Fascismo na Guerra Civil de Espanha (na qual foi baleado na garganta), por "encomenda" do Left Book Club, um clube socialista inglês, o livro está dividido em duas partes: a primeira tem por tema a descrição das condições de vida dos mineiros no Norte de Inglaterra; a segunda, mais geral e polémica - Orwell afirmará, por exemplo, que um dos grandes problemas do socialismo inglês são os socialistas ingleses (não admira que o Left Book Club não quisesse publicar a segunda parte da obra) - consiste em considerações diversas sobre o socialismo em Inglaterra.
Na vigorosa prosa de Orwell comprometimento político, a recusa de compactuar com dogmas que não servem para mais do que legitimar formas de dominação de uma classe sobre a outra (isto é igualmente válido para o conservadorismo burguês como para a "cassete" comunista), honestidade intelectual, e um aguçado instinto estético coabitam, quase sempre em tensão. Mais do que uma obra política ou propagandística, O Caminho para Wigan Pier é um livro que prefere falar de homens; homens como os vê, com os seus defeitos e virtudes, na sua pobreza, sem nunca ser piegas, muitas vezes com ironia, quase sempre com ternura. Ficam duas divertidas citações:

Para começar, é uma pena, embora seja o resultado natural do sistema de bolsas escolares, que o proletariado tenha de penetrar na classe média por via da intelectualidade literária. Porque não é fácil abrir caminho por entre os homens de letras quando se é uma pessoa decente. O moderno mundo literário inglês, ou pelo menos o seu sector pedante, é uma espécie de selva letal onde só crescem ervas daninhas. É possível ser-se um cavalheiro na literatura e manter-se a decência desde que se seja um escritor definitivamente popular - autor de histórias de detectives, por exemplo; mas ser um autor com créditos firmados nas revistas mais dominantes significa entregar-se às mais asquerosas campanhas de intriga e bajulação. No mundo dos influentes, chega-se lá, se é que se chega, não tanto graças aos dotes literários, mas mais pela capacidade de animar as festas e de beijar os traseiros de certos leõezinhos piolhosos. (p. 202)

O socialista típico não é, como imaginam as velhinhas caquécticas, um trabalhador de ar façanhudo com um grande fato-macaco e voz rouca. Ou é um jovem bolchevique de salão que dentro de cinco anos terá feito um bom casamento e se terá convertido ao catolicismo; ou, o que é ainda mais típico, é um homenzinho emproado com um emprego de escritório, em geral discretamente abstémio e muitas vezes com inclinações vegetarianas, com uma história de inconformismo e, acima de tudo, com uma posição social que não tenciona abandonar. Este tipo de pessoas é surpreendentemente comum em todo o género de partidos socialistas; devem ter saído em bloco do velho Partido Liberal. Além destes, há a horrível - e verdadeiramente inquietante - concentração de maníacos que se verifica sempre que os socialistas se encontram. Às vezes dá a impressão que as simples palavras "socialismo" e "comunismo" atraem com força magnética todos os bebedores de sumos de fruta, nudistas, adeptos de sandálias, obcecados sexuais, quacres, fanáticos do "naturalismo", pacifistas e feministas de Inglaterra.(p. 213)


George Orwell
, O Caminho para Wigan Pier, Antígona, Lisboa, 2003

Sem comentários:

Enviar um comentário