quarta-feira, 15 de julho de 2009

História da Guerra do Peloponeso






















Ao espanto curioso e por vezes divertido de Heródoto, Tucídides contrapôs uma austeridade, um rigor e uma frieza a quase toda a prova. Uma das coisa que o separa definitivamente do historiador de Halicarnasso é que, ao contrário deste, Tucídides já não é o contador de histórias que circula de terra em terra lendo os resultados das suas inquirições (significado primeiro de histórias). Tucídides torna-se um escritor quando proclama no início do seu livro: Tucídides, o ateniense, escreveu a história da guerra travada entre Atenas e Esparta, começando o seu relato exactamente no início da guerra, pois acreditava que seria um grande conflito e que seria mais importante escrever sobre este do que sobre qualquer um dos outros do passado.
É um homem que se apercebe da magnitude daquilo que está perante si: o fim da prosperidade da Atenas do séc. V, o fim do mundo como o conhecia, e é esse relato que ele pretende legar à prosperidade, é o seu ktêma eis aei, como ele próprio lhe chama. A História da Guerra do Peloponeso é a mais importante fonte que possuímos para a guerra do Peloponeso, que opôs Atenas a Esparta.
O relato é tão frio, tão desapaixonado, que às vezes parece impossível ter sido escrito por um homem que viveu e esteve envolvido numa parte dos acontecimentos que descreve (é Tucídides o estratego que não consegue travar Brásidas em Anfípolis, o que lhe valeria a expulsão de Atenas). Esta característiva de Tucídides é sobretudo visível no relato da peste que grassa em Atenas, a qual vitimou Péricles e pela qual o próprio Tucídides foi contagiado. Admitamos, um homem que narra da forma mais objectiva que se possa conceber uma doença de que sofreu e que era de tal forma terrível que, com o seu avançar, os próprios cães se recusavam a comer os cadáveres, tem de ser tido em alta conta.
Um dos passos em que Tucídides se redime de toda esta sua frieza é no passo da «Oração fúnebre de Péricles» (no final do Livro II), a exaltação última das qualidades do extraordinário mundo que foi o da Atenas do séc. V, discurso colocado na boca de Péricles, sabendo nós que Tucídides não tinha gravador para registar as palavras deste...este discurso é uma das mais notáveis peças de oratória que a Grécia nos legou. Recomendo a leitura da edição da Penguin, é uma excelente tradução bastante fiel ao grego, embora circule uma tradução em português da Sílabo, não é feita a partir da língua original. Existe uma tradução brasileira bilingue da Imfe, mas apenas dos dois primeiros livros. Comparando a relação qualidade/preço a edição da Penguin leva a palma.
Deixo-vos um excerto da «Oração Fúnebre», dedicada aos que foram mortos no primeiro ano da guerra:

(...) Para homens notáveis, toda a terra é a sua sepultura: não são apenas as inscrições nos túmulos dos seus países que nos recordam deles; também em terra estrangeira, não sob qualquer forma visível mas nos corações dos homens, onde a sua memória permanece e prospera. É vosso dever seguir o seu exemplo. Recordem-se que a felicidade depende de se ser livre, e a liberdade depende de se ser corajoso(...)
(Livro II, § 43)

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