Durante o tempo de licenciatura, ganhei o hábito de ler livros de contos. Gosto tanto de contos que uma vez escolhi uma cadeira na faculdade só porque só se iam dar livros de contos. Nessa cadeira, para além da terminologia do Gérard Genette relativa à narrativa, aprendi a observar melhor uma coisa que para mim já era bastante óbvia: num conto todas as características de um escritor surgem mais concentradas porque a extensão do texto é menor, é preciso mais mestria para criar determinado efeito e para não o desperdiçar.
Um livro de contos de que gosto muito é o Férias de Agosto, de Cesare Pavese (acerca do qual escrevi mais detalhadamente em tempos). Neste livro Pavese escreve uma frase exactamente contrária a uma que foi escrita por Borges. Borges escreveu num texto intitulado «Posse de Outrora» o seguinte: Só é nosso aquilo que perdemos. Pavese escreve num dos contos desta obra (já não me lembro qual): só é nosso aquilo que sempre foi nosso.
Há textos nesta colectânea que nos deixam perceber de que forma deveria surgir ao autor o momento da escrita, de que forma ele o percebia. Por exemplo, quando, num dos contos, o narrador diz:«No entanto, a ideia do mar veio-me a mim, não a ele. Gosto não sabe o que é a gente pôr-se diante de uma casa e olhar para ela até que já não se pareça com uma casa.» (Este excerto pertence ao conto «O Mar»).
Deixo-vos um excerto, tirado de um conto intitulado «O Campo de Milho»:
O que me diz o campo de milho nos breves instantes em que ouso contemplá-lo é o que diz aquele que se fez esperar e sem o qual nada se podia fazer. «Eis-me», diz simplesmente quem se fez esperar, mas ninguém se livra daquele olhar que se deita como a um patrão. Em vez disso, por entre as hastes baixas, deito ao céu um olhar furtivo, como quem olha para além do objecto, quase esperando que este se descubra por si, bem sabendo que nada pode garantir que isso já não o refreie e que um gesto demasiado brusco pode fazer transbordar funestamente todas as coisas. Nada me deve aquele campo para que eu possa fazer outra coisa além de calar-me e deixá-lo entrar em mim. E o campo e os caules secos a pouco e pouco sussurram-me e fixam-se-me no coração. Entre nós não surgem palavras. As palavras foram ditas há muito.
Cesare Pavese, in "O Campo de Milho", Férias de Agosto, Ana Hatherly (trad.), Quasi Edições, 2008.
Um livro de contos de que gosto muito é o Férias de Agosto, de Cesare Pavese (acerca do qual escrevi mais detalhadamente em tempos). Neste livro Pavese escreve uma frase exactamente contrária a uma que foi escrita por Borges. Borges escreveu num texto intitulado «Posse de Outrora» o seguinte: Só é nosso aquilo que perdemos. Pavese escreve num dos contos desta obra (já não me lembro qual): só é nosso aquilo que sempre foi nosso.
Há textos nesta colectânea que nos deixam perceber de que forma deveria surgir ao autor o momento da escrita, de que forma ele o percebia. Por exemplo, quando, num dos contos, o narrador diz:«No entanto, a ideia do mar veio-me a mim, não a ele. Gosto não sabe o que é a gente pôr-se diante de uma casa e olhar para ela até que já não se pareça com uma casa.» (Este excerto pertence ao conto «O Mar»).
Deixo-vos um excerto, tirado de um conto intitulado «O Campo de Milho»:
O que me diz o campo de milho nos breves instantes em que ouso contemplá-lo é o que diz aquele que se fez esperar e sem o qual nada se podia fazer. «Eis-me», diz simplesmente quem se fez esperar, mas ninguém se livra daquele olhar que se deita como a um patrão. Em vez disso, por entre as hastes baixas, deito ao céu um olhar furtivo, como quem olha para além do objecto, quase esperando que este se descubra por si, bem sabendo que nada pode garantir que isso já não o refreie e que um gesto demasiado brusco pode fazer transbordar funestamente todas as coisas. Nada me deve aquele campo para que eu possa fazer outra coisa além de calar-me e deixá-lo entrar em mim. E o campo e os caules secos a pouco e pouco sussurram-me e fixam-se-me no coração. Entre nós não surgem palavras. As palavras foram ditas há muito.
Cesare Pavese, in "O Campo de Milho", Férias de Agosto, Ana Hatherly (trad.), Quasi Edições, 2008.
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