Estranhos são os caminhos nocturnos do homem. Quando eu, sonâmbulo, passava por quartos de pedra e em cada um ardia tranquila uma candeia, um candeeiro de cobre, e quando, cheio de frio, caí na cama, lá estava de novo à cabeceira a sombra negra da forasteira, e em silêncio escondi o rosto nas mãos lentas. À janela, o jacinto azul tinha também desabrochado, e aflorava aos lábios púrpura a velha oração no respirar do homem, caíam das pálpebras lágrimas de cristal, vertidas por este mundo amargo. Nessa hora eu era, na morte do meu pai, o filho branco. Com as chuvadas azuis vinha da colina o vento nocturno, o sombrio lamento da mãe, de novo a morrer, e eu vi o inferno negro no meu coração; minuto de silêncio reverberante. Silencioso, saiu de um muro caiado um rosto indizível - um jovem moribundo -, a beleza de uma estirpe que regressa a casa. Branca de lua, a frescura da pedra envolveu a fronte vigilante, foram morrendo os passos das sombras nos degraus em ruínas, no pequeno jardim uma dança de roda rosada.
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Georg Trakl, Outono Transfigurado, assírio & alvim, Lisboa, 1992 (trad. e prefácio de João Barrento)
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