segunda-feira, 31 de maio de 2010

Uma cena de «The Big Heat» de Fritz Lang, 1953



O que eu gosto de Film-noir. Qual é o mais votado podia ser uma votação. Eu voto no «The Big Sleep».

Tarkovski, "Andrei Rublev" (1966)

Romance Sónambulo

A Gloria Giner
y a Fernando de los Ríos


Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas la están mirando
y ella no puede mirarlas.

Verde que te quiero verde.
Grandes estrellas de escarcha,
vienen con el pez de sombra
que abre el camino del alba.
La higuera frota su viento
con la lija de sus ramas,
y el monte, gato garduño,
eriza sus pitas agrias.
¿Pero quién vendrá? ¿Y por dónde?
Ella sigue en su baranda,
verde carne, pelo verde,
soñando en la mar amarga.

--Compadre, quiero cambiar
mi caballo por su casa,
mi montura por su espejo,
mi cuchillo por su manta.
Compadre, vengo sangrando,
desde los puertos de Cabra.
--Si yo pudiera, mocito,
este trato se cerraba.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
--Compadre, quiero morir,
decentemente en mi cama.
De acero, si puede ser,
con las sábanas de holanda.
¿No ves la herida que tengo
desde el pecho a la garganta?
--Trescientas rosas morenas
lleva tu pechera blanca.
Tu sangre rezuma y huele
alrededor de tu faja.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
--Dejadme subir al menos
hasta las altas barandas,
¡dejadme subir!, dejadme
hasta las verdes barandas.
Barandales de la luna
por donde retumba el agua.

Ya suben los dos compadres
hacia las altas barandas.
Dejando un rastro de sangre.
Dejando un rastro de lágrimas.
Temblaban en los tejados
farolillos de hojalata.
Mil panderos de cristal
herían la madrugada.

Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
Los dos compadres subieron.
El largo viento dejaba
en la boca un raro gusto
de hiel, de menta y de albahaca.
--¡Compadre! ¿Dónde está, dime?
¿Dónde está tu niña amarga?
¡Cuántas veces te esperó!
¡Cuántas veces te esperara,
cara fresca, negro pelo,
en esta verde baranda!

Sobre el rostro del aljibe
se mecía la gitana.
Verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Un carámbano de luna
la sostiene sobre el agua.
La noche se puso íntima
como una pequeña plaza.
Guardias civiles borrachos
en la puerta golpeaban.
Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
El barco sobre la mar.
Y el caballo en la montaña.

Federico García Lorca, in Romancero Gitano (Revista de Occidente, Madrid, 1928), Obra Poética, José Bento (trad.), Relógio d'Água, 2007.

Pasolini entrevista Ungaretti

Longings

Juan Ramón Jimenez

No branco infinito,
neve nardo e salina,
perdeu sua fantasia.

A cor branca move-se
sobre uma muda alfombra
de plumas de pomba.

Sem olhos nem um gesto,
imóvel sofre um sonho.
Porém, treme por dentro.

Lá no branco infinito
que pura e longa ferida
deixou sua fantasia!

No branco infinito.
Neve. Nardo. Salina.

Federico García Lorca, in Três Retratos com Sombra, Obra Poética, José Bento (trad.), Relógio d'Água, 2007

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Deut.20

Quem está na península da felicidade
que seja poupado pela morte.
Aquele que plantou uma vinha
mas não lhe provou ainda os frutos,
aquele que construiu uma casa
mas ainda não viveu nela
aquele que arranjou mulher
mas ainda não dormiu com ela.
Aquele que tem um caderno vazio, um
lápis por usar ou um lenço limpo.
Aquele que vê que vai chover.

Mas quem conhece o caminho numa cidade,
sabe assobiar num caule de erva
ou quem se entricheirou num grão de areia
e o vê como se fosse o mundo, não enxuga
o seu cavalo depois de uma cavalgada, não limpa
os óculos embaciados, viu a chuva cair,
usou o seu lenço, chorou as suas lágrimas -
Ou quem anseia voltar para o passado
para desenterrar os ossos enterrados
dar vida a coisas mortas ou juntá-las;
uma folha de Outono, um bilhete de cinema,
um pêlo púbico -
Podem mandá-lo para o campo de batalha, se for preciso,
sozinho - mas não esperem dele uma vitória.

Judith Herzberg
, O que resta do dia: Antologia de Poesia com um Texto em Prosa, Ana Maria Carvalho (trad.) Cavalo de Ferro, 2008.

"The art of translation"

Two grades of evil can be discerned in the queer world of verbal transmigration. The first, and lesser one, comprises obvious errors due to ignorance or misguided knowledge. This is mere human frailty and thus excusable. The next step to Hell is taken by the translator who intentionally skips words or passages that he does not bother to understand or that might seem obscure or obscene to vaguely imagined readers; he accepts the blank look that his dictionary gives him without any qualms; or subjects scholarship to primness: he is as ready to know less than the author as he is to think he knows better. The third, and worst, degree of turpitude is reached when a masterpiece is planished and patted into such a shape, vilely beautified in such a fashion as to conform to the notions and prejudices of a given public. This is a crime, to be punished by the stocks as plagiarists were in the shoebuckle days.
Um texto de Vladimir Nabokov, continuar a ler aqui.

Enterrado

As agulhas do calor e do tédio
espetadas na minha roupa emprestada
quando um dia de Verão temos de entregá-lo
por baixo de árvores experientes,
os açougueiros embuçados de negro
torsos embalsamados, costas recurvadas,
que páram o cortejo
com um último passo rotineiro
enquanto os cangalheiros - oito longas
patas de aranha seguem
com ele, o coração morto,
colina acima, rangendo
exactos, solenes, impassíveis.

E nós ali de pé, meio desamparados,
com a esperança em fuga desenfreada
e uma pressa incompreensível;
os últimos dez minutos
antes de uma amputação.

Judith Herzberg, O que resta do dia: Antologia de Poesia com um Texto em Prosa, Ana Maria Carvalho (trad.) Cavalo de Ferro, 2008.

Cinquenta capas de livros que marcaram uma época













Ver o resto aqui.

On smoking

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Do tocar e do coçar

Frei António das Chagas (1631-1682)

Exercicio de Mortificação para toda a Semana

Sexta feira


Mortifique o sentido do Tacto, pondo pela manhaã cilicio atè o jantar, se tiver saude; à noite disciplina por espaço de hum Miserere. Não se toque, nem se coce de advertencia. Não se veja ao espelho, nem parte alguma sua. Jejue, se puder, a pão, & agua; & visite tres vezes o Santissimo Sacramento, fazendo por ter dor de seus pecados; faça por andar cuidando este dia nas dores de meu Senhor Jesu Christo Crucificado.



Obras Espirituaes Posthumas do Veneravel Padre Fr. Antonio das Chagas ...
Lisboa, 1684.

Transcrevo respeitando a orthographia do impresso original, que consultei com reverência. Sobre este injustamente esquecido frade franciscano seiscentista, cuja biografia resumida se pode ler aqui, e cuja sepultura se pode pisar no convento do Varatojo, em Torres Vedras, escreve o seu contemporâneo Pe. António Vieira, em carta a Duarte Ribeiro de Macedo, datada de 1 de Janeiro de 1675:

"... e é que, poucos dias antes do último correio, partido aos 13 de Novembro, se tinha ouvido em Lisboa um Jonas pregando: Adhuc quadraginta dies et Niniue subuertetur. Este homem, que pode ser que seja conhecido de V. S.ª, é um capitão, grande poeta vulgar, chamado antigamente António da Fonseca, o qual se meteu frade de S. Francisco haverá oito ou dez anos, e hoje se chama frei António das Chagas. Haverá dois ou três anos começou a pregar apostolicamente, exortando a penitência, mas com cerimónias não usadas dos Apóstolos, como mostrar do púlpito uma caveira, tocar uma campainha, tirar muitas vezes um Cristo, dar-se bofetadas, e outras demonstrações semelhantes, com as quais, e com a opinião de santo, leva após si toda Lisboa"


António Vieira, Cartas, ed. J. Lúcio de Azevedo, vol. III, INCM, 1997.
p. 144

Istambul, Constantinopla

Bosque

Caminhando a falar de coisas que nós mais tarde -
Viver é mover-se e mover-se é
muito longe e muito lentamente estremecer.
Por cima de nós árvores fustigadas retesam os ramos.
Por baixo deste bosque pendurado sem vento
um bosque ao contrário, branco, sem luz
com árvores sem cor onde bichos escamosos
se encontram raramente e a mente.

Judith Herzberg, O que resta do dia: Antologia de Poesia com um Texto em Prosa, Ana Maria Carvalho (trad.) Cavalo de Ferro, 2008.

Amantes amantes

Piores que as crueldades cometidas por inimigos
são as crueldades entre amantes.
Como resistir de cabeça erguida
ao invasor que a saqueia? Um inimigo
não chega tão fundo, arremete contra a superfície.

Judith Herzberg, O que resta do dia: Antologia de Poesia com um Texto em Prosa, Ana Maria Carvalho (trad.) Cavalo de Ferro, 2008

Qualquer coisa, Caetano Veloso

Frequência

O teu número de telefone martela-me na cabeça
um ressoar ligeiramente agitado. Está em tudo
o que faço, impõe-se enquanto leio
enfia-se por baixo das palavras enquanto
escrevo.
E se o deixar por um momento à solta
corre então para o telefone e liga
para que na tua casa vazia ressoe
um som que ninguém ouve. Talvez
uma chávena vibre com ele se o tom
atingir a sua amplitude.
Quando muito estala uma jarra.

Judith Herzberg, O que resta do dia: Antologia de Poesia com um Texto em Prosa, Ana Maria Carvalho (trad.) Cavalo de Ferro, 2008.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Fica

Fica longe das pessoas de bom senso
fica perto dos apaixonados
nem que estejas só e não seja por ti
fica antes num luto perplexo
porque o bom senso é contagioso
e dá sempre cabo deles.

Judith Herzberg, O que resta do dia: Antologia de Poesia com um Texto em Prosa, Ana Maria Carvalho (trad.) Cavalo de Ferro, 2008

How Jane Austen conquered the world

Jerusalém I

Já tarde, perto do fim,
o fia ainda se enche de luz.

Cidade que de noite não petrifica
em negro mas se dissolve num torpor
de amarelo e cor de rosa,
até que um candeeiro após outro
se transforma num ponto que a prende.

Parece que havia aqui hoje
uma cidade. Havia uma cidade?
Sim uma cidade de pedra.

Como era cremosa e todavia cintilante
a luz, como a noite chegava
tão devagar e tão depressa também.

Judith Herzberg, O que resta do dia: Antologia de Poesia com um Texto em Prosa, Ana Maria Carvalho (trad.) Cavalo de Ferro, 2008.

Uma cena de «Bringing Up Baby» de Howard Hawks, 1938


Está um tipo a beber uns copos e de repente dá com um leopardo.

Uma biografia

De Ritsos: aqui.

A poesia de Judith Herzberg

E desatei a ler esta poesia leve, em que cai a sombra dos dias e os pesadelos da memória, a leveza das lembranças também, anotações que serão, para que nada esqueça, para que alguma coisa se salve, a poesia será «o que resta do dia», na expressão tão pertinente que foi colher a Freud.
Sucinta, a sua poesia curva-se perante a ironia e a melancolia, é ácida e estóica, brinca e indica, realista e fantasista, trazendo ao verso uma língua que oscila e vibra, sentidos, formas, infantilidades e pesadelos, temores e sorrisos, essa espuma.

Jorge Silva Melo em Judith Herzberg, O que resta do dia: Antologia de Poesia com um Texto em Prosa, Ana Maria Carvalho (trad.) Cavalo de Ferro, 2008

(Dos 5.90 € que melhor gastei na Feira do Livro deste ano.)

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Verso

Un profundo sabor a final precede al poema. Principio.

Yannis Ritsos, Paréntesis/Testimonios I, Icaria Poesía, Román Bermejo (trad.), 2005

Esbozo

Cuando cerraba los ojos, no recordaba nada de ese verano;
sólo un aliento de oro y su anillo calentado;
y además, la espalda desnuda, ancha, tostada, de un campesino
...................................................................................................joven

que entrevió tras los sauzgatillos - a las dos de la tarde,
al volver del mar - olía en torno a vegetación quemada,
A la misma hora se oyeron la sirena del barco y las chicharras.
Las estatuas, desde luego, se hacen mucho mas tarde.

Yannis Ritsos, Paréntesis/Testimonios I, Icaria Poesía, Román Bermejo (trad.), 2005

Amanhã

































(Clicar para aumentar)

Le Moribond (Jacques Brel), Beirut

La araña

A veces, una palabra casual e insignificante
agrega un significado inesperado al poema;
como, por ejemplo, en el sótano abandonado, a donde
nadie baja desde hace tiempo, una botija grande e vacía:
en su boca oscura pasea sin objeto una araña,
(sin objeto para ti, pero quizá no para ella).

Yannis Ritsos, Paréntesis/Testimonios I, Icaria Poesía, Román Bermejo (trad.), 2005

sábado, 22 de maio de 2010

Ritsos dixit

Creio que não é tarefa do poeta o acto de falar sobre poesia, exceptuando diante da poesia, ainda que fosse ele o mais indicado e autorizado para nos dar o fio de Ariadne que nos conduzisse pelo profundo segredo da poesia. É verdade que tem autoridade, sim, mas à sua maneira e na sua língua - a língua da poesia é sintética e a da crítica é analítica, o que significa que esta última é profundamente distinta da língua da poesia. De modo que, quando se pede a um poeta que fale sobre a sua obra em vez de com a sua obra, é quase como se lhe pedíssemos que mudasse de identidade. Além disso, já o disse em outras ocasiões: «A poesia, no exacto grau em que é poesia, diz-nos sempre muito mais, e di-lo de forma muito melhor, do que o muito que nós podemos falar sobre ela.»

Yannis Ritsos no prefácio a Μαρτυρίες, Praga, 15 de Outubro de 1962

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Un rostro

Es un rostro luminoso, callado, solitario,
como una total soledad, como una total victoria
sobre la soledad. Este rostro
te mira entre dos columnas de agua inmóvil.

Y no sabes cuál de los dos te convence más.

Yannis Ritsos, Paréntesis/Testimonios I, Icaria Poesía, Román Bermejo (trad.), 2005

Elephant Gun, Beirut

De repente

Noche silenciosa. Silenciosa. Y has dejado
de esperar. Casi había tranquilidad.
Y de repente en tu rostro, sientes tan intenso
ele contacto de aquel que no está. Va a venir. Entonces se oyó
únicamente el golpeteo de los batientes de las ventanas.
Se había levantado viento. Y más abajo la
mar se ahogaba en su propia voz.

Yannis Ritsos, Paréntesis, Testimonios I, Icaria Poesía, Román Bermejo, 2005

Orwell, Auden, Spain

Comprensión

Domingo. Los botones brillan en los trajes
como risas pequeñas. Se fue el autobús.
Unas quantas voces animadas - cosa rara
poder oir y poder contestar -. Bajo los pinos
un obrero aprende a tocar el acordeón. Una mujer
ha dado a alguien los «buenos dias», unos «buenos dias» tan
sencillos e naturales
que quisieras aprender a tocar el acordeón bajo los pinos.

Nada de división o resta. Que pudieras mirar
fuera de ti - calor humano y tranquilidad -. Que no estuvieras
«sólo tú» sino «tú también». Una breve suma,
una pequeña operación de aritmética práctica, fácil de entender
que puede hacerla bien hasta un crío jugando con sus dedos a
plena luz;
o tocando este acordeón para que lo oiga la mujer.

Yannis Ritsos, Paréntesis/Testimonios I, Icaria Poesía, Román Bermejo (trad.), 2005

quinta-feira, 20 de maio de 2010

The suicide of Atzesivano, disciple of Budha

Irreproachbly Atzesivano
took up the knife, his soul
at that moment a white dove.
And as a star at night
glides from the sky's inmost sanctuary
or as an apple blossom falls in the gentle breeze,
so his spirit took wing from his breast.

Deaths like this are not wasted.
Because only those who love lufe
in its mystical first glory
can reap by themselves
the great harvest of their existence -
spent now - with a divine tranquility.

Angelos Sikelianos, Selected Poems, Edmund Keeley e Philip Sherrard (trad.), Denise Harvey, 1996

Conte de l'incroyable amour, Anouar Brahem

Já estreou
































E é o filme que tens de ver porque é brutal. É talvez o filme que este ano mais mereceu o Óscar que ganhou. É um grande trabalho de realização de Juan José Campanella

Raymond Carver

κι ὁ μὸχτος/τοῦ νοῦ μου ἀρμενιστὴς στὴ μέση ἀπ' τ' ἄστρα

...I held the great pearl in my hand, took spring
into my heart, and felt the scarlet roses
of my fever suddenly become
a crown, felt my black bed become a ship,
the unhurried ship of God, and my struggle
the navigator of my mind among the stars...

Angelos Sikelianos, Selected Poems, Edmund Keeley e Philip Sherrard (trad.), Denise Harvey, 1996

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Because I deeply praised

Because I deeply praised and trusted earth
and did not spread my secret wings in fligh
but rooted in the stillness all my mind,
the spring again has risen to my thirst,
the dancing spring of life, my own's joy spring.

Because I never questioned how and when
but plunged my thought into each passing hour
as though its boundless goal lay hidden there,
no matter if I live in calm or storm,
the rounded moment shimmers in my mind,
the fruit falls from the sky, falls deep inside me.

Because I did not say: "here life starts, here ends,"
but "days of rain bring on a richer light
and earthquakes give the world a firmer base,
for a secret is earth's live creative pulse,"
all fleeting things dissolve away like clouds,
great Death itself has now become my kin.

Angelos Sikelianos, Selected Poems, Edmund Keeley e Philip Sherrard (trad.), Denise Harvey, 1996

Jornada de Cultura Neo-helénica

A imprensa tem especulado muitíssimo acerca do que realmente irá suceder na Jornada de Cultura Neo-helénica. Poderão os organizadores contar realmente com a presença do professor Frederico Lourenço? A sua substituição na jornada terá realmente sido assegurada pela professora Ana Alexandra Alves de Sousa ou será tudo mera especulação e o verdadeiro conferencista a falar sobre Kavafis será o professor Joaquim Manuel Magalhães? O último boato é este. Serei mesmo eu a apresentar Yiánnis Ritsos ou serei substituída à última da hora por quem de direito, i.e. o professor Custódio Magueijo? Ou será Kavafis a apresentar Ritsos? Poderemos contar com a presença in loco dos cinco visados pelas conferências?
Apareça e verifique tudo no próximo dia 25 de Maio. Se não vier pelos boatos nem pelas bolachinhas gregas, venha pela melhor razão de todas - a poesia.

Blue Ridge Mountain, Fleet Foxes

Hans Magnus Enzensberger

The horses of Achilles

Field of asphodels, beside you
two horses neighed
as they went by at gallop.
Their backs gleamed like a wave;
they came up out of the sea,
tore over the desert sand,
necks straining high, towering,
white foam at the mouth, stallion strong.
In their eyes
lightning smoldered;
and, waves themselves, they plundged again
into the waves,
foam into the sea's foam,
and vanished. I recognized
those stallions: one of them
took on a human voice to prophesy.
The hero held the reins;
he spurred, hurling
his godlike youth forward...

Sacred stallions, fate
has kept you indestructible,
fixing on you pure black foreheads,
charm against the profane eye,
a large and pure talisman.

Angelos Sikelianos, Selected Poems, Edmund Keeley e Philip Sherrard (trad.), Denise Harvey, 1996

Cristóbal de Morales - Missa Mille Regretz - Agnus Dei




Cristóbal de Morales (1500-1553) é um dos mais extraordinários representantes da polifonia ibérica. Em poucas palavras, em música entende-se por polifonia a junção de duas ou mais melodias independentes na mesma composição. É sobretudo característica do fim da Idade Média e do Renascimento.

A peça aqui apresentada, numa interpretação dirigida por Jordi Savall, é o Agnus Dei da sublime Missa Mille Regretz. A minha interpretação preferida, no entanto, é a de Paul McCreesh, com os Grabrieli Consort Players: uma interpretação sublime que reconstitui ao pormenor o que poderiam ter sido as festividades da festa de Santo Isidoro.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Séneca vuelve a Nerón la riqueza que le había dado


Esta miseria gran señor, honrosa,
de la humana ambición alma dorada;
esta pobreza ilustre acreditada,
fatiga dulce, e inquietud preciosa;

este metal de la color medrosa,
y de la fuerza contra todo osada,
te vuelvo, que alta dádiva invidiada
enferma la fortuna más dichosa.

Recíbelo, Nerón, que en docta historia,
más será recibirlo que fue darlo,
y más seguridad en mí el volverlo:

pues juzgarán, y te será más gloria,
que diste oro a quien supo despreciarlo,
para mostrar que supo merecerlo.


Francisco de Quevedo (1580-1645)

A vida

A vida é isto, uma réstia de luz que se perde na noite.

Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao Fim da Noite, Ulisseia, 2010

White winter hymnal, Fleet Foxes

The reporter of time forgot

Jornada de Cultura Neo-helénica

Porque tivemos de fazer algumas alterações de última hora ao programa da Jornada de Cultura Neo-helénica, deixo-vos aqui o programa actualizado. A todos os que não se inscreveram mas têm intenções de o fazer, peço que o façam (cof...cof...cof...J.P. ...cof...cof...).

The first rain*

We leaned out the window.
Everything around us
was one with our soul.
Sulphur-pale, the clouds
darkened the field, the vines;
wind moaned in the trees
with a secret turbulence,
and the quick swallow went
breasting across the grass.
Suddendly the thunder broke,
the wellhead broke,
and dancing came the rain.
Dust leaped into the air.
We, our nostrils quivering,
opened our lips to drink
the earth's heavy smell,
to let it like a spring
water us deep inside
(the rain had already wet
our thirsting faces,
like the olive and the mullein).
And shoulder touching shoulder,
we asked: "What smell is this
that cuts through the air like a swarm of bees?
From balsam, pine, acanthus,
from osier or thyme?"
So many the scents that, breathing out,
I became a lyre caressed
by the breath's profusion.
Sweetness filled my palate;
and as I met your gaze again
all my blood sang out.
I bent down to the vine,
its leaves shaking, to drink in
its honey and its flower;
and - my thoughts like heavy grapes,
bramble-thick my breath -
I could not, as I breathed,
choose among the scents,
but culled them all, and drank them
as one drinks joy or sorrow
suddenly sent by fate;
I drank them all,
and when I touched your waist,
my blood became a nightingale,
became like the running waters.

Angelos Sikelianos, Selected Poems, Edmund Keeley e Philip Sherrard (trad.), Denise Harvey, 1996

*Texto copiado em intenção do Uncle Vânia

this
forest pool
A so

of Black
er than est
if

Im
agines
more than life

must die to
merely
Know


e. e. cummings
95 poems
Liveright, 2002

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Return

Holy, lionlike sleep
of the return, on the sand's
vast spaciousness.
In my heart my eyelids closed;
and radiance, like a sun, fills me.

The sea's sound floods my veins,
above me the sun
grinds like a milestone,
the wind beats its full wings;
the world's axle throbs heavily.
I cannot bear my deepest breath,
and the sea grows calm to the sand's edge
and spreads deep inside me.

The infinite caress exalts it
into a high-domed wave;
the cool seaweed
freshens me deep down;
the foam's lucid spindrift
breaks into spray in the pebbles;
beyond, where the cicadas stridulate,
the leaves' rustle dies away.

From far off comes a sound
that suddenly beats,
as a sail when the yardarm breaks:
it is the wind approaching,
it is the sun setting before me -
and one who is pure opens to its white presence
eyes that are kindred to it.

I leap up. My lightness
is equal to my strenght.
My cool forehead glows,
in the spring sunset
my body stirs deeply.
I gaze around me: the Ionian sea,
and my delivered land!

Angelos Sikelianos, Selected Poems, Edmund Keeley e Philip Sherrard (trad.), Denise Harvey, 1996

Orwell, George

Filhos-da-mãe

Em casos como este nem sequer vale de nada arregalarmos os olhos no escuro. É horror inútil, e nada mais. A noite de tudo se apoderou, até mesmo dos olhares. Esvazia-nos. Não déssemos as mãos uns aos outros, e cairíamos. As pessoas do dia já não nos compreendem. Separa-nos quanto medo existe, permanecemos esmagados até ao instante em que tudo acaba de uma forma ou de outra; e então, na morte ou na vida podemos juntarmo-nos a esses filhos-da-mãe de todo um mundo.

Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao Fim da Noite, Ulisseia, 2010

domingo, 16 de maio de 2010

Grandes cenas de grandes filmes. Paranoid Park (Gus Van Sant)

O Cardeal foi às putas


Continuo a ler, extasiado, as cartas do inigualável embaixador Francisco de Sousa Coutinho (c.1597-1660), que em 1655 conseguiu ser recebido a título particular pelo Papa Alexandre VII, quando Portugal andava desde 1641 (e andaria ainda até 1669) a tentar que os sucessivos Papas se dignassem fechar as pernas a Espanha, e reconhecer a independência conseguida em 1640 (mais informações sobre a situação aqui).

Um dos inimigos de estimação de Sousa Coutinho era o Cardeal Protector de Portugal, de seu nome Ursino. Numa carta de 22 de Abril de 1656, diz mesmo isto ao secretário Gaspar de Faria:

"Mas o que sobretudo sinto é o espanto que toda esta Corte tem desde o Papa até o mais ínfimo, de havermos escolhido um Protector, que é o ludíbrio dos Cardeais, e homem de quem no Colégio se não faz caso algum, e me dezia nestes dias um autorizado que me não espantasse disso, que começara a vida com a caça e com as putas sem tratar de outra cousa, que assim continuava ainda, e assim havia de acabar, e tal como isto é o Protector que temos."


Retirei o texto do Corpo Diplomático Português (volume XIII, página 285) actualizando a ortografia, excepto nos casos em que reflecte a pronúncia da época. A edição é a de 1907.


Outras pérolas de Sousa Coutinho, todas pescadas do volume XIII do Corpo Diplomático, e que muito explicam o insucesso da sua missão, apesar da vontade do Papa em resolver o assunto - apesar de ter sido recebido, foi-o a título privado, e portanto ficou tudo na mesma, e só mais de um ano depois da assinatura da paz com Espanha (1668) é que a Santa Sé teve tomates para receber a título oficial o embaixador de Portugal:


imagem: Jacob Ferdinand Voet (1639-c.1700), Maria Mancini como Cleópatra

sábado, 15 de maio de 2010

Adenda

Ontem quando me perguntaram que livros destacava na primeira década do séc. XXI devia ter acrescentado aos que enumerei Movimentos no Escuro de José Miguel Silva.

Este post é para o Chico e para o André


La Notte, regia di Michelangelo Antonioni, 1961

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Road and trees

De noite. A meio coração. Perto da barra.
As traineiras, as luzes de mercúrio,
as felinas gaivotas,
a hulha do fortim,
as janelas ao luar da cerração.

A luz cega da felicidade
acende no escuro das rochas
a ardente natureza dos pinheiros,
dos freixos e salgueiros, da mal-amada
árvore dos figos e do pez.

Joaquim Manuel Magalhães, Alguns Livros Reunidos, Contexto, 1987

Já estreou

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Blogue da Ítaca actualizado.

Historical Imagination

The best biographies, like some of the best novels, are packed with subjunctives. They are alive with a persistent, muted sense of what might have been.

(Recensão ao livro A winter in the Nile de Anthony Sattin, sobre uma dupla muito improvável de se juntar no mesmo sítio quanto mais no mesmo livro: Flaubert e Nightingale.)

Letras com Vida

Revista Letras com Vida.

Boats at Wharf

Ao nascer da lua por detrás das faias
acendem-se nos barcos as sombrias
linhas onde a água finda.
O zinco das nuvens arde
entre celeiros e um farol.
Um rapaz canta
a febre nova, sozinha, matinal.
O cais donde vai partir.
A arte de velejar.

Joaquim Manuel Magalhães, Alguns Livros Reunidos, Contexto, 1987

Beirut, Postcards from Italy

Seis

Tenho uma tristeza
no bolso de dentro
do velho casaco.
Dobrada, quebrado.
Tenho uma tristeza
suja de papel
e de letras gastas.

Eu quero deixá-la
no café sem noite
tiro-a do bolso
pouso-a nos olhos,
em cima da mesa
também é de ti.
Vinha de ninguém.

Charcos de jardim
dádiva na mão
triste, por abrir
e depois a dor
aperta-me o punho
por anoitecer.
Venho duma rua
para o teu lugar.

Olha para mim
para a sala toda
para esta tristeza
atirada ao chão
entre rastos de água
os dedos acolhem
um sorriso vão.

Parou tudo agora
neste ritual
que nada detém.
Bolso de casaco
costas da cadeira
chuva na cidade
vou da tua beira

para um quarto triste
com a mãe que dorme
noutro corredor
o sangue vigia
a pequena lei
a minha tristeza
chamavas-lhe amor.

Joaquim Manuel Magalhães, Alguns Livros Reunidos, Contexto, 1987

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Nono

Uma flecha para um alvo novo. Nasceu
a urze onde deitaram a semente
da pimenta. Atrás de ti a cicatriz,
a branca luz nociva das lagoas, o naufrágio.

Os cavalos condutores do teu destino
são a vingança entre nós e a varanda
entre o caminho e o barranco,
a aba do meu chapéu.

Um dia diremos as coisas invisíveis,
os luminosos pântanos internos.
O suporte dos mitos salva do real
o real aniquilado pelos mitos.

Alguém para poder amar.

Joaquim Manuel Magalhães, Alguns Livros Reunidos, Contexto, 1987

Voltar

Há um momento, quando chegamos ao fim de tudo o que pode acontecer-nos, em que ficamos completamente sós. É o fim do mundo. Nem mesmo o desgosto responde, o nosso, e temos de voltar atrás até aos homens, sejam eles quais forem. Nesses momentos não somos exigentes porque mesmo para chorar temos de voltar lá, onde tudo recomeça, temos de voltar com eles.

Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao Fim da Noite, Ulisseia, 2010

Ray Bradbury

E acabou, a história, por constituir motivo de galhofa de toda a gente da casa. Assim acabam os nossos segredos, quando expostos ao ar e ao público. Em nós, na terra, e talvez no céu, terrível só existe o que ainda não foi dito. Só nos sentimos tranquilos depois de tudo estar dito de uma vez para sempre. Far-se-á então silêncio e já não teremos medo de nos calar. É assim mesmo.

Louis-Ferdinand Céline, Viagem ao Fim da Noite, Ulisseia, 2010

terça-feira, 11 de maio de 2010

Venho de uma noite voltado
para o espaço que me diz
o amor, a cidade comanda-o.
Venho com as mãos e não estás.

Começo inseguro este descordo,
o ar arde na boca que perdeu a tua.

Sou uma ausência. Um erro.
Uma febre onde o futuro pára. Sorrio.

Joaquim Manuel Magalhães, Alguns Livros Reunidos, Contexto, 1987
Cresce na montanha o som da casa
um homem avança no caminho
ao encontro do vento.

Estragaste-me a tarde de domingo
como estragaste a minha vida.

Ama-se tão longe do amor
e tão perto e sem o ter
nas tardes de domingo.

Tudo se retira.
A cabeça vai explodir.

Joaquim Manuel Magalhães, Alguns Livros Reunidos, Contexto, 1987


E agora...um momento de estúpido entusiasmo juvenil (a emissão normal segue dentro de momentos)

Claro de pensamento e linguagem, informativo, um excelente trabalho de reconstituição e análise. Até o título é bom. Quando for grande quero escrever um livro assim.

A arte de contar letras

Segundo a crença judaica, a Torah enquanto entidade era mais antiga do que o mundo e eterna. Os judeus acreditavam que não só o seu conteúdo, mas também as próprias letras que o compunham emanavam directamente de Deus. Existia todo um grupo de estudiosos que dedicava a vida à preservação do texto: todas as letras eram contadas e acreditavam-se que todas seriam preservadas.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

No silêncio inimigo um homem chega

No silêncio inimigo um homem chega
Vinha de longe, da água.
Sobre as pedras desce a luz.

Passa no caminho com um cão.
A neblina do corpo
arranja o cabelo para trás,
abre a porta da casa.

Pela noite adiante
sonha que não sonha.

Joaquim Manuel Magalhães, Alguns Livros Reunidos, Contexto, 1987

Uma entrevista a Borges em 1977

I remember when I read a biography of Oscar Wilde by Hesketh Pearson. Then there was a long discussion going on about predestination and free will. And he asked Wilde what he made of free will. Then he answered in a story. The story seemed somewhat irrelevant, but it wasn’t. He said — yes, yes, yes, some nails, pins, and needles lived in the neighborhood of a magnet, and one of them said, “I think we should pay a visit to the magnet.” And the other said, “I think it is our duty to visit the magnet.” The other said, “This must be done right now. No delay can be allowed.” Then when they were saying those things, without being aware of it, they were all rushing towards the magnet, who smiled because he knew that they were coming to visit him. You can imagine a magnet smiling. You see, there Wilde gave his opinion, and his opinion was that we think we are free agents, but of course we’re not….
But I would like to make it clear that if any ideas are to be found in what I write, those ideas came after the writing. I mean, I began by the writing, I began by the story, I began with the dream, if you want to call it that. And then afterwards, perhaps, some idea came of it. But I didn’t begin, as I say, by the moral and then writing a fable to prove it.

Ler o resto aqui.

7

Sobre o rio a neblina corre
alegria aberta para a neve
Incertas horas em que canta alguém.
Outro rio me levasse o corpo
este, tão cercado de barcos, não.

Joaquim Manuel Magalhães, Alguns Livros Reunidos, Contexto, 1987

"Matrimonio all'italiana" de Vittorio De Sica, 1964

Alguns dos melhores momentos da minha vida nunca aconteceram. Passaram só em filme. Um dos melhores momentos da minha vida que só aconteceu em filme é aquela cena do Sabrina (1954) em que a Audrey Hepburn canta ao Humphrey Bogart o La Vie en Rose. Eu ia deixá-la aqui, mas já cá está. Justamente aqui.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

A viagem

Agora algo me rói as entranhas, persiste na escuridão dos meus anos e eu não hei-de falar das vozes que intimamente escuto, nem do rio que atravessámos ontem, as suas águas inundando a memória em redor - tu,

tu adormeceste e passaram-se séculos enquanto te abracei contra mim e eu era pobre, frio e as minhas mãos enfraqueceram, feneceram -

ou de súbito um estremecer no pântano da alma,

que procurei eu tão desesperadamente, que me restou de ti?

Takis Sinopoulos

[*Tradução minha a partir da versão inglesa da edição de John Stathatos: Takis Sinopoulos, Selected Poems, Wire Press - Oxus Press, 1981]

"Little Odessa" de James Gray, 1994


(É um trailer sensacionalista, mas o filme é bom.)

Sonho

Nesse instante dei por mim sob a terra, caminhando entre as raízes das árvores, estradas intermináveis pavimentadas com a brancura da lua, os meus sapatos gastos pelas pedras, as minhas mãos gastas pelas pedras e nenhuma criança real podia ser escutada nas terra de conturbada morte.

Takis Sinopoulos

[*Tradução minha a partir da versão inglesa da edição de John Stathatos: Takis Sinopoulos, Selected Poems, Wire Press - Oxus Press, 1981]

How not to be a genius

4

Meia-luz um beco uma curva tu vagueias pelo escuro. E caminhámos de mãos dadas através do mercado condenámos estes muitos anos que passaram e eles em chamas. Muitas janelas as portas no trinco a erva crescida. O peito aquecido como um anel e nos cruzamentos eu gritei «pato». Por esta porta entreaberta agora e a boca como quem espera a escuridão no interior um empregado de loja de penhores. Pode a sede ser saciada? Vestidos que se desvanecem como em sonhos um movimento em esperança de passar para lá do tempo e da carne - uma luz despida consome-te está do outro lado da rua um estúpido maneirismo.

Takis Sinopoulos


[*Tradução minha a partir da versão inglesa da edição de John Stathatos: Takis Sinopoulos, Selected Poems, Wire Press - Oxus Press, 1981]

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Estação

Outono. Ou, como costumamos dizer, os dias
ficam mais curtos, esgotam-se as luzes. Ou mesmo
a chuva batendo incessantemente contra as janelas.
Uma sucessão de diferentes estados.
Mais precisamente: o mês de Outubro com uma breve convergência
na derrota de tantos dias que passam. Ou mesmo
esse incerto barulho de passos. Descendo
em direcção à baixeza do solo como se alguém se aproximasse.
Mas - e isto é certo - ninguém virá.

Então, afinal de contas, estavas à espera de alguém. Quem?
- é a voz da derrota que sobre isto te interroga.

Takis Sinopoulos

[*Tradução minha a partir da versão inglesa da edição de John Stathatos: Takis Sinopoulos, Selected Poems, Wire Press - Oxus Press, 1981]

Wallace Stevens, "Tea at the Palace of Hoon"

Os animais selvagens

Há sempre uma profunda água no teu silêncio onde secretamente acorrem animais selvagens que aí bebem e se lavam.

Esta noite abriu-se uma brecha.

E se por acaso de súbito te virares, um tiro ecoará na distância e iluminará a inteireza do teu rosto.

Foi escutada a voz do caçador.
Os animais selvagens dispersam a noite.

Takis Sinopoulos

[*Tradução minha a partir da versão inglesa da edição de John Stathatos: Takis Sinopoulos, Selected Poems, Wire Press - Oxus Press, 1981]

Jornada de Cultura Neo-helénica

No próximo dia 25 de Maio terá lugar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no anfiteatro III, uma Jornada de Cultura Neo-helénica, que terá início pelas 10h00. A organização está a cargo do Centro de Estudos Clássicos. Será um dia dedicado à cultura helénica de hoje. De manhã decorrerão várias conferências sobre literatura neo-helénica e mais especificamente sobre poesia. Da parte da tarde, decorrerão ainda algumas conferências, um workshop de grego moderno e, para terminar o dia, será servido um buffet grego, com música a acompanhar.
Mais informações aqui. Escusado será dizer que estão todos convidados.

As palavras

Aquelas palavras continham em si certo orgulho
sombrio,

teimosamente contendo no seu som
um mundo de vagas formas.

Tu disseste: o meu nome é céu.

Eu nada disse.


Takis Sinopoulos

[*Tradução minha a partir da versão inglesa da edição de John Stathatos: Takis Sinopoulos, Selected Poems, Wire Press - Oxus Press, 1981]

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Joana delira*

Constantino é uma porta.
Constantino é um rosto por detrás da porta.
Constantino é uma porta que com estrondo se fecha esmagando-te os dedos.
Constantino é um quarto.
Um grito de aviso num quarto vazio.
É uma casa obscura que tresanda a enigmáticos rituais de sangue.
Constantino é amanhã amanhã amanhã. (Amanhã
repete-se até ao infinito.)
Constantino some-se quando o olhas nos olhos.
Constantino surge quando o sonhas.
Ele luta contra a noite nela se lança cegamente cobrindo-se
de feridas que invariavelmente infectam.
Ele é torturado por rostos imprecisão regras ele tacteia o meu
corpo a luz do meu rosto e um incessante soluçar o
afunda.
Constantino é o sol cujo movimento ordenado governa a sombra
sob a erva.
Constantino é a densa floresta que se ampara na vegetação como um
padrão num tapete.
Constantino é uma luta contra quartos e pássaros.
Constantemente ele murmura acerca de um rio que há-de limpar-lhe o corpo
da lama e da imundície que cobre a terra.
Curado da febre que lhe está no sangue adormece.
As fantasias de Constantino têm muito de impuro.
Constantino é um acontecimento disputado.
É um jardim no seu zénite.
É uma tristeza vã com o pó trazido pelo vento acumulando-se nas
janelas.
Ele usa aquele casaco pesado e crê que constantemente
a sua forma se muda.
Por trás do rosto de Constantino outro Constantino se agita.
Que de noite se consome num frenesim mais terrível do que o seu discurso promete.
Os deuses austeros escutam-no e franzem o sobrolho.
Repito que Constantino é uma casa.
Uma casa plena de conceitos que se lançam sobre ti e te rasgam o corpo
com as suas garras.
Constantino arrepende-se de actos que nunca aconteceram.
Confunde o que fez com o que planeou fazer.
Construiu estruturas imensas e sustentou-as freneticamente
com as próprias mãos.
Até que estas se desmoronaram e foram nossa sepultura.
Constantino é responsável por tudo o que sucedeu no íntimo do nosso coração.
Ele despedaça-se em intermináveis ilusões chamando ao meu rosto
vale escurecido da lua. (O meu rosto é semelhante à luz.)
Constantino atemoriza-se quando uma a uma depõe as camadas
que o protegem.
Não sei como apaziguar Constantino.
Por vezes a loucura apodera-se dele e a sua carne ilumina-se
por dentro como se uma lamparina queimando ali tivesse criado raiz.

Isto é Constantino.


Takis Sinopoulos

[*Tradução minha a partir da versão inglesa da edição de John Stathatos: Takis Sinopoulos, Selected Poems, Wire Press - Oxus Press, 1981]

Muriel*



*Ou um dos posts que sempre quis fazer. A imagem é, salvo o erro, de In a lonely place de Nicholas Ray.

The temptation of art

It’s hard to know what to expect of great poets late in their careers. Will they mature or regress, innovate or self-imitate? Allen Ginsberg kept the spirit of his youth but lost its mind. Wallace Stevens refined both, writing lines such as “We make a dwelling in the evening air/ In which being there together is enough,” with a mystic’s vision and a man’s doubt and a child’s stubborn wonder. Some older poets find different dreams to chase. A middle-aged T.S. Eliot wrote that “Old men ought to be explorers,” and he spent his old age writing about cats.
If it is worrisome when a poet seems to lose his touch, it is great fun when he plays on our worries. This is the rhetorical hustle with which Robert Hass begins his new book. Hass is nearly seventy, and The Apple Trees at Olema: New and Selected Poems begins with a strange new poem, “July Notebook: The Birds,” whose title suggests laziness and a self-mimicry that is almost self-mockery.

Celebração

Agora respiras na penumbra, eu não posso distinguir o teu pescoço,
o teu rosto.

Subitamente tudo escurece. Permanece aí a passagem e a porta
de tábuas.

À distância a tua voz defende-se para a noite. E aí não
se sentem os pássaros.

Varres as aranhas da negra celebração.

Takis Sinopoulos

[*Tradução minha a partir da versão inglesa da edição de John Stathatos: Takis Sinopoulos, Selected Poems, Wire Press - Oxus Press, 1981]

terça-feira, 4 de maio de 2010

Sendo que um amigo me deu isto a ouvir, eu depois fiquei viciada

David Foster Wallace

One struggles to find a concise, representative anecdote about the late David Foster Wallace for an audience of politically minded readers. Wallace, who committed suicide in 2008 at age forty-six, was the most promising and accomplished writer of his generation. An athlete of prolixity, he published a celebrated novel of 1,100 pages called Infinite Jest, several meaty volumes of short stories, a monograph or two, and a pair of essay collections filled with footnotes that had their own footnotes. He tended to avoid prescriptions or answers, instead plumbing the complexity of topics like grammar, tennis, state fairs, and television. He was not especially political.
But he did write a brilliant essay about John McCain for Rolling Stone in 2000. Clever editors at the magazine booked Wallace a press pass on the Straight Talk Express between the New Hampshire and South Carolina Republican primaries; they titled the resulting article "The Weasel, Twelve Monkeys, and the Shrub."

"Insomnia" de Christopher Nolan, 2002

Constantino delira*

Joana é a chuva
movendo-se do mar para a noite.
A neblina enraizada sob o solo.
Joana é um rio.
É a nuvem que precede a voz.
É o fumo da erva em chamas.
É o êxtase de um momento entre dois perigos.
Joana é um rio.
Joana é um rio aberto para sul.
Joana é a criança que correndo fugiu da praça deserta.
Joana é o rosto abaixo do céu.
Joana é o céu abaixo do céu.
Ela é um rio.
Luz lunar e sombra pintam o seu riso.
Quando a casa colapsa Joana abandona o seu corpo e canta
à distância de um outro lugar na noite.
Joana é um rio.
Joana é o dia que antecede ontem ontem e hoje. (Hoje
repete-se até ao infinito.)
Ela é leve como a corola de uma flor adormecida.
Ela tem o peso de um livro fechado.
Ela é a constante afirmação da noite.
Com Joana a ti mesmo te perdes e de novo te encontras
perdido no sono.
Joana é um rio.
Joana é a margem de um rio.
Joana é o junco na margem do rio.
Ela é um rio.
Joana é uma árvore que olha
um sonho que fala
um som que escuta
uma nuvem que se move.
Um rio de cabelo dourado e frio que apazigua o oceano.
Um rio.
Joana é a visão de um lugar pela última vez.
A estação onde de novo nos encontraremos um dia com um grito sonoro por
entre o pó da nossa viagem.
Joana é uma fronteira que continuamente se desloca.
Ela vem descendo transportada no vento.
Uma pena no tempo. Uma pena
sobre a desolação da primavera.
Joana é um rio.
Um rio.

Nunca nunca poderei dizer exactamente o que é Joana.

Takis Sinopoulos

[*Tradução minha a partir da versão inglesa da edição de John Stathatos: Takis Sinopoulos, Selected Poems, Wire Press - Oxus Press, 1981]

segunda-feira, 3 de maio de 2010

So shy shy shy(and with a
look the very boldest man
can scarcely dare to meet no matter

how he'll try to try)

So wrong(wrong wrong)and with a
smile at which the rightest man
remembers there is such a thing

as spring and wonders why

So gay gay gay and with a
wisdom not the wisest man
will partly understand(although

the wisest man am i)

So young young young and with a
something makes the oldest man
(whoever he may be) the only

man who'll never die


e. e. cummings

Elegy

Too proud to die; broken and blind he died
The darkest way, and did not turn away,
A cold kind man brave in his narrow pride

On that darkest day, Oh, forever may
He lie lightly, at last, on the last, crossed
Hill, under the grass, in love, and there grow

Young among the long flocks, and never lie lost
Or still all the numberless days of his death, though
Above all he longed for his mother's breast

Which was rest and dust, and in the kind ground
The darkest justice of death, blind and unblessed.
Let him find no rest but be fathered and found,

I prayed in the crouching room, by his blind bed,
In the muted house, one minute before
Noon, and night, and light. the rivers of the dead

Veined his poor hand I held, and I saw
Through his unseeing eyes to the roots of the sea.
(An old tormented man three-quarters blind,

I am not too proud to cry that He and he
Will never never go out of my mind.
All his bones crying, and poor in all but pain,

Being innocent, he dreaded that he died
Hating his God, but what he was was plain:
An old kind man brave in his burning pride.

The sticks of the house were his; his books he owned.
Even as a baby he had never cried;
Nor did he now, save to his secret wound.

Out of his eyes I saw the last light glide.
Here among the liught of the lording sky
An old man is with me where I go

Walking in the meadows of his son's eye
On whom a world of ills came down like snow.
He cried as he died, fearing at last the spheres'

Last sound, the world going out without a breath:
Too proud to cry, too frail to check the tears,
And caught between two nights, blindness and death.

O deepest wound of all that he should die
On that darkest day. oh, he could hide
The tears out of his eyes, too proud to cry.

Until I die he will not leave my side.

Dylan Thomas, Collected Poems, 1934 - 1952, New Directions Books, 1971

"Elegy" de Dylan Thomas, por Richard Burton

Knut Hamsun

Knut Hamsun was born in poverty and raised in servitude. He was sent to work for an uncle who would pay for his keep, and whose palsy made the child's unexpectedly fine penmanship of considerable use. Hamsun saw much to read in the size, shape, and condition of hands, and his were frequently whacked for copying mistakes. His interest in the words themselves also arrived early, and he must have felt, in this sort of upper-class manual labor, both its similarity to the tailor's trade his father pursued and its difference from the art that his hands were already itching to emulate. Hamsun would later sometimes falsely laud this unpretentious life -- falsely because he knew he was utterly alien to it, was a slacker about his tasks and dimly ashamed of his connection to them. As if he were avoiding recruitment, he attempted to run away, and attacked his own foot with an axe, not the best method if you intend to travel. Hamsun even romanced the idea of suicide. When he dreamed, he dreamed of stories written on the sky, of Hamsun's glory waving in the wind of the world's attention. His parents had no way of understanding such ambitions, and he would never be able to say, with any success: "Look, Mom and Dad, look at what I've done." So he would cut them out of his life, along with most of his siblings, one of whom he would sue much later for assuming Knut's adopted surname.

Do not go gently into that good night

Do not go gentle into that good night,
Old age should burn and rage at close of day;
Rage, rage against the dying of the light.

Though wise men at their end know dark is right,
Because their words had forked no lightning they
Do not go gentle into that good night.

Good men, the last wave by, crying how bright
Their frail deeds might have danced in a green bay,
Rage, rage against the dying of the light.

Wild men who caught and sang the sun in flight,
And learn, too late, they grieved it on its way,
Do not go gentle into that good night.

Grave men, near death, who see with blinding sight
Blind eyes could blaze like meteors and be gay,
Rage, rage against the dying of the light.

And you, my father, there on the sad height,
Curse, bless me now with your fierce tears, I pray.
Do not go gentle into that good night.
Rage, rage against the dying of the light.

Dylan Thomas, Collected Poems, 1934 - 1952, New Directions Books, 1971

Da felicidade dos homens


Borges, em 1978, já cego.
«Yo sigo jugando a no ser ciego, yo sigo comprando libros, yo sigo llenando mi casa de libros. Los otros días me regalaron una edición del año 1966 de la Enciclopedia de Brokhause. Yo sentí la presencia de ese libro en mi casa, la sentí como una suerte de felicidad. Ahí estaban los veintitantos volúmenes con una letra gótica que no puedo leer, con los mapas y grabados que no puedo ver; y sin embargo, el libro estaba ahí. Yo sentía como una gravitación amistosa del libro. Pienso que el libro es una de las posibilidades de felicidad que tenemos los hombres.»
Jorge Luis Borges, Borges Oral, Alianza Editorial, 2006