(San Sebastián, há pouco.)
sábado, 31 de dezembro de 2011
Advogados de Defesa
O tempo que nos é concedido é tão breve que, se perdermos um segundo, já teremos perdido toda a nossa vida, pois ela não dura mais do que isso, ela dura apenas o tempo que desperdiçamos. Por isso, se iniciaste um caminho, continua-o aconteça o que acontecer; só tens a ganhar, não há qualquer risco, no fim até talvez caias a um precipício, mas se tivesses voltado para trás após os primeiros passos e descido as escadas a correr, terias caído de imediato - com toda a certeza. Por isso, se não encontrares nada nos andares de cima, não te preocupes e sobe a correr mais um lance de escadas. Desde que não pares de subir, as escadas nunca terminarão; elas continuarão sempre a crescer por debaixo dos teus pés apressados; estendendo-se interminavelmente para cima.
Franz Kafka, Contos, Cavalo de Ferro, 2004.
Franz Kafka, Contos, Cavalo de Ferro, 2004.
Versos para 2012
Sometimes
Logue's Homer, War Music, 2001 (2nd edition).
Before the gods appear
Something is marked:
A noise. A note, perhaps. Perhaps
A change of temperature. Or else, as now,
The scent of oceanic lavender,
That even as it drew his mind
Drew from the seal-coloured sea onto the beach
A mist that moved like weed, then stood, then turned
Logue's Homer, War Music, 2001 (2nd edition).
The Witness. The Critic. The Stevens.
Helen Vendler, uma das grandes críticas de Wallace Stevens, a lê-lo aqui.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
Thomas a Ezra
My dear Pound,
I have been reading some of your work lately. I enjoyed the article on the Vortex (please tell me who Kandinsky is). I distrust and detest Aesthetics, when it cuts loose from the Object, and vapours in the void, but you have not done that. The closer one keeps to the Artist's discussion of his technique the better, I think, and the only kind of art worth talking about is the art one happens to like. There can be no contemplative or easychair aesthetics, I think; only the aesthetics of the person who is about to do something. I was fearful lest you should hitch it up to Bergson or James or some philosopher, and was relieved to find that Vorticism was not a philosophy.
Drive, Refn, Michael Mann
Vi há uns dias Drive de Nicholas Winding Refn e, embora esteja em crer que o texto de Luís Miguel Oliveira esgota o que havia para dizer sobre este filme, queria escrever algumas notas dispersas sobre alguns aspectos. A actuação contida dos actores (que deveria em parte servir o propósito de estabelecer um contraste de intensidade com a violência da segunda parte) é completamente frustrada pelos diálogos medíocres (um bom exemplo é o das palavras trocadas entre Driver e Standard depois de este ser espancado pelos tipos a quem devia dinheiro na prisão: parece-me escrito por um mau aluno de um mau curso de escrita criativa) que nunca permitem às personagens ganhar alguma espécie de espessura. Este tipo de personagens contidas, mas determinadas, inteligentes e violentas são magistralmente dirigidas por Michael Mann. A este propósito, veja-se esta cena:
É só o Depp a dizer à Cotillard uma das coisas mais banais do universo, é coisa cheia de estilo e é uma linha que define a própria personagem. É de uma economia que nunca se vê em Refn. O final é tão evidente que nem dá para acreditar. Para um tipo que está a realizar um filme centrado no acto de condução, este é um dos aspectos mais descurados. Acho que nem a actuação de Ryan Gosling (a quem regra geral basta andar no ecrã para eu me sentir contente) salva Drive. Talvez Drive não seja propriamente um filme mas uma espécie de videoclip em contínuo, no entanto acho que nem dessa forma resulta. O simbolismo óbvio de que se revestem algumas cenas é no mínimo muito fraco (mesmo para um filme que almeje meramente à tipificação das suas personagens - o exemplo nos antípodas seria o Match Point de Woody Allen, em que todos eles são tipos, mas ainda assim, é um bom filme), veja-se a este propósito a cena do herói com a criança nos braços, ou o diálogo entre eles os dois sobre como reconhecer um homem mau. A dada altura, parece-me que a contenção das personagens as transforma em caricaturas delas próprias (a cena do telefonema entre Driver e a criança depois da morte do pai é o paradigma). Nos antípodas:
E Drive parecia-me ter tudo para ser um filme impecável.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
com o nosso chá amortizar a dívida externa, e meter a Europa numa infusão de erva formigueira
Passou Brás Luís de Abreu ao Porto, fazendo tenção de estabelecer-se na segunda cidade do reino. Deteve-se em Aveiro alguns dias, e passeando cientificamente pelos arrabaldes da vila, descobriu a planta do chá, nascida em barda por aqueles maninhos. Consta-me que os aveirenses, decerto ignorantes do descobrimento do médico, ainda agora compram para seu uso chá da China, como se não tivessem ali à mão a erva de que se faz. Aqui lhe transcrevo as palavras de Brás Luís, e muito faço em prova do meu desprendimento de bens de fortuna, se não iria eu propriamente colher a erva, comprar os maninhos, e senhorear-me de Aveiro em poucos anos. Aqui está a notícia:
"Na vila de Aveiro, e em todas as suas vizinhanças, nasce uma erva, a que os naturais chamam erva formigueira, porque pisada tem o cheiro como de formigas pisadas; e há em tanta quantidade que podem carregar-se navios dela. Esta tal (ao meu entender) é o verdadeiro chá que vem da China e do Japão; não só porque a experiência descobre nela as mesmas virtudes do chá; mas também porque mandando-se da Índia a Gonçalo de Sousa de Meneses, morador na sua quinta de Salreu, a semente do legítimo chá, ele a mandou semear com todo o cuidado, e nasceu a mesma erva de que aqui se acham revestidos os campos e os cômaros."
Não há dúvida nenhuma: o chá da Índia é a erva formigueira de Aveiro. E dizem que nós, os portugueses, não somos gente para descobrimentos! O que nós somos é uns pródigos e depreciadores dos mananciais de riqueza que a Providência nos oferece como a filhos seus dilectíssimos. Se alguma companhia entrasse em exploração daquela mina, quem sabe se, fechados os portos à erva indiática, poderíamos ainda com o nosso chá amortizar a dívida externa, e meter a Europa numa infusão de erva formigueira? Razão tinha o patriota doutor Olho de Vidro, quando em seguida à notícia, que os coevos menosprezaram, ajuntou:
"Quem quiser indagar-lhe os préstimos, com facilidade o pode fazer, se acaso não for do génio daqueles que fazem eterno capricho de preferir sempre as coisas estrangeiras às nacionais e domésticas".
Camilo Castelo Branco, O Olho de Vidro (1866)
Começa assim
Preamble
Two limestone plates support the Aegean world.
The great Anatolian still lies flat,
But half an aeon since, through silent eyes:
'Ave!'
God watched the counterplate subside, until
Only its top and mountain tops remained
Above His brother, Lord Poseidon's, sea:
'And that, I shall call Greece. And those,
Her Archipelago,' said He. Then turned away
To hear Apollo and the Nine perform
Of Creation, from the stage at Table Bay.
They enter. They attend. They bow.
The Lord of Light and Mice gives them their note.
And then they sing:
'In the beginning there was no Beginning,
and in the end, no End...'
Logue's Homer, War Music, 2001 (2nd edition).
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
Agio: Cadernos de ideias, textos & imagens
A partir de Janeiro, será possível acompanhar aqui o blogue da revista Agio – Cadernos de Ideias, Textos e Imagens. Esta revista resulta da junção de duas outras: a Agio e a Ítaca.
«Imagina que havia uma guerra e ninguém lá ia!»
Musil, que retratou um Estado em estado de alegre inconsciência e de «apocalipse estável» (a «Cacânia» de antes da derrocada), sugere-me uma pedagogia urgente e recomendável: a aprendizagem do sentido de possibilidade, diria mesmo a sua introdução nos currículos escolares, desde o básico, como disciplina obrigatória. Para grandes males, grandes remédios. Imagino que, se isso acontecesse, começaria a grassar a insatisfação, nada seria visto como suficiente, todas as fasquias começariam a subir, instalar-se-ia, por fim, um clima de desobediência civil generalizada (era aqui que eu queria chegar). Todo o Estado e todo o país que se prezem deviam aspirar a este estado de sítio, dinâmico e regenerador (contra algumas teorias, não são as guerras que regeneram, é a desobediência civil). Deviam estimular os seus cidadãos a compreender e aceitar a ideia subjacente ao apelo e ao desafio um dia lançado por outra escritora de língua alemã, Christa Wolf: «Imagina que havia uma guerra e ninguém lá ia!»
João Barrento. O Mundo Está Cheio de Deuses. Assírio & Alvim: 2011.
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
Sobre as Parábolas
Muitos queixam-se de que as palavras dos sábios são sempre meras parábolas, sem qualquer utilidade para a vida diária, que é, afinal, a única que temos. Quando o sábio diz: «Ide», ele não quer sugerir que nós devamos transpor um caminho até um qualquer local real, o que, aliás, poderíamos muito bem fazer se valesse a pena. Ele refere-se aqui a um qualquer destino fabuloso, algo que desconhecemos, algo que também ele é incapaz de designar com maior precisão, pelo que se torna incapaz de nos dar a mínima ajuda neste caso. Tudo o que estas prábolas se propõem a dizer é que o incompreensível é incompreensível, e isso já nós sabemos. Mas os problemas com que temos de nos debater todos os dias: isso já é outro assunto.
A este respeito, disse uma vez um homem: Para quê esta relutância? Se vocês seguissem as parábolas, transformar-se-iam vocês próprios em parábolas e, assim, livrar-se-iam de todos os vossos problemas quotidianos.
Outro disse: Aposto que também isso é uma parábola.
Disse o primeiro: Ganhaste.
Disse o segundo: Mas infelizmente, apenas em parábola.
Disse o primeiro: Não, na realidade. Na parábola, perdeste.
A este respeito, disse uma vez um homem: Para quê esta relutância? Se vocês seguissem as parábolas, transformar-se-iam vocês próprios em parábolas e, assim, livrar-se-iam de todos os vossos problemas quotidianos.
Outro disse: Aposto que também isso é uma parábola.
Disse o primeiro: Ganhaste.
Disse o segundo: Mas infelizmente, apenas em parábola.
Disse o primeiro: Não, na realidade. Na parábola, perdeste.
Franz Kafka, Contos, Cavalo de Ferro, 2004.
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
"O sentido e o gosto do infinito"
Não sou irreligioso, não. Pelo contrário, compartilho a opinião de Schleiermacher, outro teólogo de Halle, e que definiu a Religião como «o sentido e o gosto do infinito», vendo nela «um facto constituinte», inerente ao homem. Por isso, a ciência da Religião deveria lidar não só com axiomas filosóficos mas também com um facto psíquico, inerente às pessoas. Isso traz-me à mente a prova ontológica da existência de Deus, que sempre preferi a todas as demais e que da ideia subjectiva de um Ser Supremo deriva a Sua presença objectiva. Que esta prova não resiste à razão mais do que qualquer outra foi demonstrado com palavras sumamente enérgicas por Kant. Mas a Ciência não pode dispensar a razão, e pretender fazer uma ciência do sentido do infinito e dos eternos enigmas significa unir pela força duas esferas totalmente diversas entre si de um modo inadequado, a meu ver, e que me deixa sempre confuso. A religiosidade, que, em absoluto, julgo alheia ao meu coração, é certamente diferente da religião positiva, ligada a uma confissão. Não teria sido mais indicado abandonar o "facto" desse sentido humano do infinito ao sentido piedoso, às Belas-Artes, à livre contemplação e até à pesquisa exacta que sob a forma de cosmologia, astronomia, física teórica, pode servir tal sentido, dedicando-se de modo perfeitamente religioso ao mistério da Criação - ao invés de fazer dele uma ciência espiritual à parte e de nele alicerçar um edifício de dogmas, cujos adeptos se combatem cruelmente por causa de um verbo auxiliar?
domingo, 25 de dezembro de 2011
Descarnar Raskólnikov
Não se sabe como, a ideia de que podiam tornar-se parentes foi criando raízes e partilhavam tudo: ideias, livros e aquela mania de descreverem Raskólnikov, deixando só um osso descarnado, um fóssil do qual não se tira mais nada.
Agustina Bessa-Luís, Antes do degelo
sábado, 24 de dezembro de 2011
Das coisas inabordáveis
Assim como os pequenos lobos brincam entre eles e se preparam para o sexo e as caçadas, também os irmãos, embora criados em castidade e defesa do pecado, se entregam a mil ares de sedução e de traição até aos mais obscuros passos da paixão humana. Vêde as irmãs Brontë, as escritoras. Há melhor sarabanda do desejo, melhor orquestra de suspiros e tormentos? O irmão chega a apagar o retrato dele no meio dos retratos delas. E morre como um peixe no seu tanque de água salobra, procurando saltar e libertar-se. Querem exemplo melhor duma família feliz, embriagada de amor, e de álcool e de urzes das serras? Assim nascem os romances; do proibido e negro pasto do coração. Quando não houver mais esse gosto das coisas inabordáveis e trágicas, não haverá romance, nem literatura, nem nada.
Agustina Bessa-Luís, Antes do degelo
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
Por vezes, Taanach, soltam-se do fundo do meu ser exalações como quentes baforadas, mais pesadas que os vapores de um vulcão. Há vozes que me chamam, um globo de fogo rola e sobe-me pelo peito, sufoca-me, cuido morrer; e, depois, algo suave, que me escorre da testa para os pés, passa para a minha carne... É uma carícia que me envolve, e sinto-me esmagada como se um deus se estendesse sobre mim. Oh, bem gostaria de me perder na bruma das noites, na onda das fontes, na seiva das árvores, sair do meu corpo, ser apenas um sopro, um raio, e deslizar, subir até ti, ó Mãe!
Gustave Flaubert, Salammbô. Relógio d'Água.
The rest
O helpless few in my country,
O remnant enslaved!
Artists broken against her,
A-stray, lost in the villages,
Mistrusted, spoken-against,
Lovers of beauty, starved,
Thwarted with systems,
Helpless against the control;
You who can not wear yourselves out
By persisting to successes
You who an only speak,
Who can not steel yourselves into reiteration;
You of the finer sense,
Broken against false knowledge,
You who can know at first hand,
Hated, shut in, mistrusted:
Take thought:
I have weathered the storm,
I have beaten out my exile.
Ezra Pound, Poems of Lustra, 1913-1915
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
Pur enfantillage
Sí: tenía quince años cuando la conocí - lees en el segundo folio de las memorias - elle avait quinze ans lorsque je l'ai connue et, si j'ose le dire, ce sont ses yeux verts qui ont fait ma perdition: los ojos verdes de Consuelo, que tenía quince años en 1867, cuando el general Llorente casó con ella y la llevó a vivir en París, al exilio. Ma jeune poupée aux yeux verts; je t'ai comblée d'amour: describió la casa en que vivieron, los paseos, los bailes, los carruajes, el mundo del Segundo Imperio: sin grande relieve, ciertamente. J'ai même supporté ta haine des chats, moi qu'aimais tellement les jolies bêtes... Un día la encontró, abierta de piernas, con la crinolina levantada por delante, martirizando a un gato y no supo llamarle la atención porque le pareció que tu faisais ça d'une façon si innocent, par pur enfantillage e incluso lo excitó el hecho, de manera que esa noche la amó, si le das crédito a tu lectura, con una pasión hiperbólica, parce que tu m'avais dit que torturer les chats était ta manière à toi de rendre notre amour favorable, par un sacrifice symbolique.
Carlos Fuentes, Aura
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
Vistas, 'scrutando o Taishan
Este deus, a montanha, como dizê-lo?
Entre dois reinos o verde acaba nunca.
Nela, quem consegue, põe suprema beleza
Vertente sol ou sombra divide alba e crepúsculo.
Nas alturas do tronco nuvens dão esforço a quem sobe
Explodem aves a voltar-se na retina.
Um dia no cimo da montanha está
As outras lá em baixo surgirão pequenas.
Tu Fu, in Uma Antologia de Poesia Chinesa, Gil de Carvalho (org., trad.), Assírio & Alvim, 2010 (2ª ed.).
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
Things Behind the Sun
Que Deus nos dê a todos nós, a nós os bebedores, uma morte tão suave e tão bela.
Joseph Roth, A Lenda do Santo Bebedor, trad. Álvaro Gonçalves, Assírio & Alvim, 1997
Joseph Roth, A Lenda do Santo Bebedor, trad. Álvaro Gonçalves, Assírio & Alvim, 1997
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
Nota sobre o medo da Amazon
Sobre este texto aqui. O escritor escreve e o leitor lê – a simplificação do anacronicamente longo processo editorial ao mínimo indispensável e ideal: há o que escreve e o que lê. Os que estão no meio – o editor, o distribuidor, o livreiro – desaparecem da equação. Esta idílica proximidade entre escritor e leitor é possível não apenas pela exclusão de intermediários, mas graças à sua substituição por um outro, mais generoso e democrático, pronto a receber tudo, a publicar tudo, cavaleiro da cardeal virtude de se estar a borrifar para os livros, desde que devidamente remunerado.
Horácio recomenda ao autor que deixe a sua obra a repousar na gaveta oito anos. Vivesse hoje recomendaria talvez que se arranjasse um bom editor. Se não nos choca a proposta de extinção de instâncias de filtragem e validação é talvez porque estas se têm vindo a demitir progressivamente do seu dever. O mercado – que aqui não é uma tenebrosa identidade abstracta, mas sim as pessoas que compram os livros, ou consumidores, como são tratados pelos grupos editoriais, que já perceberam que leitores não são – é bastante cruel. É também autofágico, o que torna a coisa divertida para quem não rangeu os dentes até ao desespero. Há a esperança de que, daqui a vinte anos, possamos entrar numa livraria – locais mais modestos – e encontrar livros e não produtos reluzentes. O último update da Margarida Rebelo Pinto, a três dimensões, com extras e fotografias, poderemos comprá-lo numa loja digital (na Amazon 3.0, ou na empresa que entretanto já levou a Amazon à falência). Os poucos que gostarem de livros, ou ainda souberem o que isso é, frequentarão recintos quase sagrados, locais de assembleia: a Poesia Incompleta e a saudosa Trama, ao invés de "modelos de negócio ultrapassados", como prefigurações de futuro. Mas isto não passa de uma projecção de desejo. Mais sobriamente devemos admitir que o futuro será diferente e é improvável que seja melhor.
Ser feliz é para os europeus, no México as coisas são mais excitantes.
Sabes o que classificavam de felicidade máxima? Ter filhos belos e bons, e Telo de Atenas , o mais feliz dos homens, foi o mais feliz dos homens porque teve isto (filhos e netos belos e bons) e morreu com «um final brilhante», escreve Heródoto, porém não se deve fazer uma longa caminhada no meio de pessoas da mesma idade que sejam mais felizes que nós, era isto que aconselhavam os gregos, porque a meio da caminhada, a meio da peregrinação, vamos ter vontade de os matar, eis o que diz a minha amiga do México, que conhece bem a infelicidade e a violência, e por isso diz: ser feliz é para os europeus, no México as coisas são mais excitantes. Si? Pergunto. Si, responde ela.
Gonçalo M. Tavares, Canções Mexicanas
domingo, 18 de dezembro de 2011
De presente a Liu Jingwen
Lótus secando não deita sombrinhas à chuva
Mas um ramo fica do crisântemo à prova de frio.
Vistas de um ano inteiro não esquecem, e menos esta:
- Limões amarelos e verdes, ainda não tangerinas.
Su Shi in Uma Antologia de Poesia Chinesa, Gil de Carvalho (org., trad.), Assírio & Alvim, 2010 (2ª ed.).
sábado, 17 de dezembro de 2011
Ouvindo na prisão uma cigarra
A terra roda para Oeste a cigarra começa o zagarreio
Memórias profundas suscita neste exílio, o Sul.
Custa-me ouvir esta figura de asa escura
Verrumando, um prisioneiro de cabelo branco.
É difícil subir ela o molhado, pesando neste orvalho
E no vento demais forte a sua voz desaparece.
Nenhuma criatura admite a sua altura e natureza
Quem irá dilucidar o que me vai no coração?
Luo Binwang, in Uma Antologia de Poesia Chinesa, Gil de Carvalho (org., trad.), Assírio & Alvim, 2010 (2ª ed.).
sexta-feira, 16 de dezembro de 2011
Passando a fronteira: Mongólia
Areias Amarelas do Rio, sobem longínquos cirros brancos
Uma cidade suspensa - isolada - de altas montanhas
Porque há-de a flauta mongol lamentar salgueiro e choupo
Da Primavera o vento raro passa o desfiladeiro.
Wang Zhihuan in Uma Antologia de Poesia Chinesa, Gil de Carvalho (org., trad.), Assírio & Alvim, 2010 (2ª ed.).
Níobe
Níobe viu matar os seus dez filhos. A sua dor faz chorar as pedras. Mas, à medida que a dor se acalma, ela começa a alimentar-se. Homero insiste nisto. É uma interposição da verdade iluminada, também fundamental em Shakespeare. O absolutamente trágico é, portanto, não apenas insuportável para a sensibilidade humana: é falso para com a vida.
quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
"Luck" de Michael Mann, 2011-2012
Estreou ontem nos Estados Unidos o episódio piloto da série realizada pelo tipo que melhor filma a velocidade.
terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Ficción fundacional
No te engañes, la noche que recuerdas
como la más dichosa de tu vida
no fue distinta a otras que olvidaste.
Su gloria estuvo, quizá, en escribirla
sin aquello que desdice al discurso
que te hace revivirla con los años.
No te engañes, no exijas la alegría
de un beso en una noche de verano
porque los unicornios ya murieron
y la añoranza es un nacionalismo
al que te une un pasado que no fue.
O canto do oráculo sobre a próxima colheita
O meu combate era a doutrina, a alfabetização, era pôr as minhas leituras ao serviço da libertação maubere, de alguma maneira. Explicar à massa rural analfabeta o que era Virgílio, por exemplo, que era o que eu conhecia melhor porque, é redundante explicar, era a paixão literária do meu pai. É claro, Virgílio e os clássicos interessam pouco a agricultores que, de epopeias e da sua própria gesta, querem apenas o canto do oráculo sobre a próxima colheita - algo que nós, maoístas de véspera, não levámos em conta.
O adjunto Jó, na altura, viu logo aquilo que eu era, aquilo que eu poderia ser e, sobretudo, aquilo que eu nunca seria, ainda que muito tentasse. Parte do meu carisma era detectar antes de tempo as limitações dos outros. Durante a retirada para o Matebian, uma tarde, pôs-me a mão no ombro,
És igual a mim, Eneias, mas não tentes ser como eu. Vamos lutar juntos, firmes, mas tu combates virado para o passado e eu combato virado para o futuro. Costas com costas ninguém nos tomba,
disse ele, falando para mim mas falando para toda a audiência de quadros,
é preciso alguém que olhe pela herança da nação enquanto a primeira linha olha o inimigo nos olhos.
Pedro Rosa Mendes, Peregrinação de Enmanuel Jhesus
segunda-feira, 12 de dezembro de 2011
Powerful angels, safe in heaven!
Alas! the readers of our era are less favoured. But, courage! I will not pause either to accuse or repine. I know poetry is not dead, nor genius lost; nor has Mammon gained power over either, to bind or slay: they will both assert their existence, their presence, their liberty and strength again one day. Powerful angels, safe in heaven! they smile when sordid souls triumph, and feeble ones weep over their destruction. Poetry destroyed? Genius banished? No! Mediocrity, no: do not let envy prompt you to the thought. No; they not only live, but reign, and redeem: and without their divine influence spread everywhere you would be in hell--the hell of your own meanness.
Charlotte Brontë. Jane Eyre. New York: W.W. Norton & Company, Inc. 2001. p. 316.
Charlotte Brontë. Jane Eyre. New York: W.W. Norton & Company, Inc. 2001. p. 316.
domingo, 11 de dezembro de 2011
Lugano entre os polacos
O que a seguir se narra aconteceu na Igreja da Divina Providência, em Odivelas, durante a festa de Natal da comunidade polaca.
O Eduardo deitou os olhos ao Lugano que eu levava na mão. Abriu-o de pernas para o ar. Descobriu a posição certa, abriu muito os olhos, chilreou qualquer cousa em espanhol ou em russo (não percebi), apontou para um verso, abriu a boca e começou a correr por entre os polacos da festa onde estávamos. A mãe estava a ensaiar com o coro, mas o Eduardo interrompeu o ensaio para mostrar a página aberta, sempre com o dedo espetado num verso qualquer, de boca aberta, com exclamações de entusiasmo. Fez o mesmo à maestrina, estupefacta, e a mais meia dúzia de polacos siderados. Depois correu para a igreja (a acção descrita decorria na sacristia, onde o coro de que a Ana faz parte ensaiava), e sentou-se, como a imagem documenta, a "ler" atentamente. Ao fim de largos minutos tentei negociar. Pesquei uma brochura com imagens coloridas do presépio, e propus a troca. Ele disparou uns olhos indignados, apertou o Lugano e fugiu para a sacristia.
Cajón Desastre
Eres tú, en la sastrería familiar
La elegancia de Sebastián va y viene
de un lado a otro, ladeando el cuerpo
según dicta el dolor de su cojera,
mientras su hija atiende los mandados
apremiantes de los consumidores.
Ves cajas de botones, alfileres,
bobinas de hilo lloviendo su color
a las prendas que cosen las mujeres
y a tu abuelo tomando las medidas
a una muchacha muerta que no supo
que la vida se mide como un traje.
De haber nacido entonces
le hubieras conocido, no sabrías
que él debía ser el próximo cadáver
con el pie grangrenado de un balazo
que le rebotó en una barricada
cuando la guerra había terminado.
Pero no es así y ahora le estás viendo
con su metro amarillo sobre el cuello
tomando las medidas muy despacio
mientras fuma con gesto reflexivo,
como si la muchacha le hubiera susurrado
que la vida es precisamente eso:
querer calcular sólo con un metro
la anchura inabarcable del desastre.
Carlos Contreras Elvira, El Eco Anticipado, Pre-Textos, Poesía, 2010
Entretanto, na Colónia Penal
O princípio de acordo com o qual estatuo é o seguinte: a culpa está sempre acima de qualquer dúvida. Outros tribunais podem não seguir este princípio, pois são constituídos por vários juízes e também têm instâncias superiores. Aqui não é o caso ou pelo menos não era na vigência do antigo Comandante. De facto, o novo já tentou imiscuir-se na minha jurisdição, mas, até agora, tenho conseguido repeli-lo e continuarei a consegui-lo. - O senhor queria que se esclarecesse este caso; é tão simples como qualquer outro. Um capitão denunciou hoje de manhã que este homem, que está às ordens dele como ordenança e que dorme diante da sua porta, adormecera durante o serviço. É seu dever levantar-se de hora a hora e fazer continência diante da porta do capitão. Certamente que não é um dever difícil e é necessário, pois ele tem de se manter apto tanto para vigiar como para servir. Na última noite, o capitão quis verificar se a ordenança estava a cumprir o seu dever. Abriu a porta às duas horas em ponto e encontrou-o enroscado a dormir. Foi buscar o chicote e fustigou-o no rosto. Ora, em vez de se levantar e pedir desculpas, o homem agarrou o seu superior pelas pernas, sacudiu-o e gritou: «Deita fora o chicote, senão devoro-te». - É esta a situação. O capitão veio ter comigo há uma hora, eu registei as suas declarações e, imediatamente a seguir, a sentença. Depois mandei acorrentar o homem. Tudo isto foi muito fácil. Se o primeiro o tivesse mandado comparecer e o tivesse interrogado, então isso geraria uma enorme confusão. Ele teria mentido, se me fosse possível refutar as mentiras, tê-las-ia substituído por outras, e por aí fora. Mas agora tenho-as comigo e não as largo mais. - Está tudo esclarecido? Mas o tempo passa depressa, a execução já devia ter começado e eu ainda não acabei a explicação do aparelho.
sábado, 10 de dezembro de 2011
michael ventris
recuperas-lhe o olhar vivo
as mãos longas
sobretudo o olhar vivo
projetado
acima da linha da própria altura
rápido a entender as coisas
tinha o vício
de puzzles de quebra-cabeças
da decifração de sinais
um desses homens metódicos
por natureza
que cedo intui que nada
escapa ao caos
nem mesmo o tempo
breve dos obstáculos
que intrometemos
entre nós e as coisas
o tempo de um intervalo
na respiração
de um metrónomo
como o nilo que sobe
porque o mar
o cerca
porque os ventos de sudoeste
correm contra corrente
porque obstáculos o vedam
pensando nele
demoras-te um pouco
no problema do indecifrável
atravessas o longo campo devastado
da imaginação
o desdém
a sua forma lenta de pousio
uma coisa de fome
com garras e que grita
que imita a letargia do entardecer
invadindo tudo
colando-se ao voo de aves migratórias
a este convés de um velho navio sujo
e que te devolve finalmente ao real
puxando-te a partir
da mão que segura a caneta
e vai pousar sobre o estrépito intermitente
de uma dessas tempestades
sobre o mar
numa praia escura do norte
por mais nada que não
essa secreta medida
anterior
ancestral
a que lucrécio
na sua prudência
sábia de matemático
chamou
a grandeza suave do mar
não viveremos sem isto
suave mari magno
ou só podíamos ter vivido
sem isto se fôssemos
anteriores às imagens
se estivéssemos fora delas
se pudéssemos falar sem elas
não como ele
silencioso diante dos sinais
paciente
cuidadoso
medindo a sombra
sob o sentido
diante dessas pequenas
tábuas de argila
que durante anos
permaneceram indecifráveis
a mão segurando a caneta
devolve-nos ao sentido devido
confessamos
que esperávamos
por poemas épicos
cartas de amor
revelações escandalosas
dessa idade longínqua
a mulher do rei
traindo-o
com um qualquer cortesão
o embaixador
que vendendo ao inimigo
por uma medida de ouro
o plano dos pontos
fracos da muralha
vendeu o seu rei
ele demonstrou
que se tratava apenas
de uma imensa contabilidade
de palácio
escrupulosamente apontada
por gerações de amanuenses
mais ou menos
dedicados ou desajeitados
todo o sentido
que havia a extrair
de um incêndio
que durou séculos
a relação do número
de homens e dos seus cavalos
do seu trigo e do número
de remadores nos seus navios
michael morreu
num acidente
demasiado jovem
uma música
distante
imprecisa
tamborilando nas portas
john escreveu-lhe discretamente
talvez um pouco mais do que uma elegia
a adequação das palavras às circunstâncias
as mãos longas
sobretudo o olhar vivo
projetado
acima da linha da própria altura
rápido a entender as coisas
tinha o vício
de puzzles de quebra-cabeças
da decifração de sinais
um desses homens metódicos
por natureza
que cedo intui que nada
escapa ao caos
nem mesmo o tempo
breve dos obstáculos
que intrometemos
entre nós e as coisas
o tempo de um intervalo
na respiração
de um metrónomo
como o nilo que sobe
porque o mar
o cerca
porque os ventos de sudoeste
correm contra corrente
porque obstáculos o vedam
pensando nele
demoras-te um pouco
no problema do indecifrável
atravessas o longo campo devastado
da imaginação
o desdém
a sua forma lenta de pousio
uma coisa de fome
com garras e que grita
que imita a letargia do entardecer
invadindo tudo
colando-se ao voo de aves migratórias
a este convés de um velho navio sujo
e que te devolve finalmente ao real
puxando-te a partir
da mão que segura a caneta
e vai pousar sobre o estrépito intermitente
de uma dessas tempestades
sobre o mar
numa praia escura do norte
por mais nada que não
essa secreta medida
anterior
ancestral
a que lucrécio
na sua prudência
sábia de matemático
chamou
a grandeza suave do mar
não viveremos sem isto
suave mari magno
ou só podíamos ter vivido
sem isto se fôssemos
anteriores às imagens
se estivéssemos fora delas
se pudéssemos falar sem elas
não como ele
silencioso diante dos sinais
paciente
cuidadoso
medindo a sombra
sob o sentido
diante dessas pequenas
tábuas de argila
que durante anos
permaneceram indecifráveis
a mão segurando a caneta
devolve-nos ao sentido devido
confessamos
que esperávamos
por poemas épicos
cartas de amor
revelações escandalosas
dessa idade longínqua
a mulher do rei
traindo-o
com um qualquer cortesão
o embaixador
que vendendo ao inimigo
por uma medida de ouro
o plano dos pontos
fracos da muralha
vendeu o seu rei
ele demonstrou
que se tratava apenas
de uma imensa contabilidade
de palácio
escrupulosamente apontada
por gerações de amanuenses
mais ou menos
dedicados ou desajeitados
todo o sentido
que havia a extrair
de um incêndio
que durou séculos
a relação do número
de homens e dos seus cavalos
do seu trigo e do número
de remadores nos seus navios
michael morreu
num acidente
demasiado jovem
uma música
distante
imprecisa
tamborilando nas portas
john escreveu-lhe discretamente
talvez um pouco mais do que uma elegia
a adequação das palavras às circunstâncias
Tatiana Faia
sexta-feira, 9 de dezembro de 2011
quinta-feira, 8 de dezembro de 2011
Kafka
Se o livro que estamos a ler não nos desperta, como se fosse um soco na cabeça, então porque estamos a lê-lo? Para que nos faça felizes? Meu Deus, também seríamos felizes se não tivéssemos livros e os livros que nos fazem felizes também podíamos ser nós a escrevê-los, se fosse preciso. O que devemos ler são esses livros que se abatem sobre nós como uma desgraça, que nos afligem profundamente, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós próprios, como o suicídio.
Kafka, citado por Steiner, in «A nossa pátria, o texto», Paixão Intacta, Margarida Periquito e Victor Antunes (trads.), Relógio d'Água, 2003.
quarta-feira, 7 de dezembro de 2011
Eneias em Timor
Por questões práticas e políticas, não podia, de início, passar a Alor os testamentos de Ruy Cinatti - e a angústia deste ao constatar, depois da Segunda Guerra Mundial, a erosão rápida das artes e ofícios e de motivos tradicionais em Timor. Nem sequer dispunha dos livros na minha biblioteca. Os livros em português e o uso da língua eram anátema no tempo indonésio. Li Cinatti em biblioteca privada e em segredo, onde ninguém podia incomodar-me: em casa do governador Abílio Osório Soares. Não estou a inventar. A meu pedido, e parece que por recomendação do pai de Alor, o governador Abílio autorizou o rapaz a consultar «o que quisesse, quando quisesse», na sua biblioteca lusófona, que não era pequena. Penso que Alor aproveitou as leituras que fez, porque, a caminho de Baguia, disse-meVocê é uma quimera, Pak Eneias,Quimera, eu?
Eneias morreu por Matarufa e Matarufa não existe, geograficamente, politicamente, historicamente. Matarufa é uma ideia sem sítio, ou, se existe, ainda não emergiu das águas no início das coisas, pelo umbigo da mãe do mundo, como é que vocês dizem...
segunda-feira, 5 de dezembro de 2011
Wheatear
Poem beginning with a Line of J. M. Synge
Michael Longley, Snow Water, Cape Poetry, 2004
Brown lark beside the sun
Supervising Carrigskeewaun
In late May, marsh marigolds
And yellow flags, trout at the low
Bridge hesitating, even
The ravens' ramshackle nest -
Applaud yourself, applaud me
As I find inside the cottage
A wheatear from Africa
Banging against the windowpane
And hold in my hands her creamy -
Buff underparts and white rump
And carry her to the door
And she joins you beside the sun
Before skimming across the dunes
To mimic in a rabbit hole
Among silverweed and speedwell
My panic, my breathlessness
domingo, 4 de dezembro de 2011
An October Sun
in memory of Michael Hartnett
An October sun flashing off the rainy camber.
And something ironical too, as though we could
Warm our hand at turf stacks along the road.
Good poems are as comfortlessly constructed,
Each sod handled how many times. Michael, your
Poems endure the downpour like the skylark's
Chilly hallelujah, the robin's autumn song.
Michael Longley, Snow Water, Cape Poetry, 2004
5 a 7 de Dezembro
Um colóquio que revisita temas clássicos na literatura portuguesa, da Idade Média aos dias de hoje. O programa está aqui. Eu e o André lá estaremos, ele falará de literatura política da Restauração, eu de Agustina Bessa Luís, Eurípides e mais não sei quê.
sábado, 3 de dezembro de 2011
sexta-feira, 2 de dezembro de 2011
Soldados de infantaria
«A sua grande sombra ainda a arder»: Homero falando de Ajax, rancoroso, no Inferno. Charles Péguy era de estatura franzina, no entanto era extraordinariamente robusto para as longas marchas e para o manejo das armas. Tal como Ajax, fizera da sua existência um duelo mano a mano: contra o compromisso, contra o brilho oleoso do discurso político, da manipulação fiscal, contra o oportunismo das relações públicas e privadas, contra mundum. Até ao mais alto grau da aparente destruição mental (próximo do fim, não havia praticamente nenhum aliado, nenhum apoiante, nenhum amigo com quem Péguy não tivesse cortado relações e que não tivesse despachado para o limbo da desonra mundana). Como Sócrates, outro agitador, Ajax e Péguy não passaram de fantassins, soldados de infantaria, até ao âmago, com um sentido exacto do chão amargo que pisavam e do peso das armas que levavam às costas. Ambos eram mestres da ira.
George Steiner in «Tamborilando nas Portas - Péguy», Paixão Intacta, Margarida Periquito e Victor Antunes (trads.), Relógio d'Água, 2003.
quinta-feira, 1 de dezembro de 2011
Embora eu continue sem perceber porque é que em Espanha não se comemora também este dia
Excerpto de uma canção anónyma, composta em Coimbra, em Janeiro de 1641. Actualizei a orthographia para não chocar os adeptos da inmutabilidade da escripta. Mantive, no entanto, a graphia que pode denunciar uma realização phonética differente da actual.
[...]
E tu ó Lusitâna pátria amada,se qual Cassiopea de fermosa
contra o Céu conspirada te atreveste,
tua Lisboa, Andrómeda presada,
se a chegaste a olhar tão lastimosa
que presa ao horrível monstro ofreceste:
o Perseu que tiveste
e a quem Minerva segue,
pera que a liberdade lhe não negue,
tal amor nele vejo,
que vem voando em asas de desejo
e, qual ladrão de Europa, em chuva de ouro
rica te deixa só com seu tesouro.
[...]
Resurgam
'I am very happy, Jane; and when you hear that I am dead, you must be sure and not grieve about. We all must die one day, and the illness which is removing me is not painful; it is gentle and gradual: my mind is at rest. I leave no one to regret me much: I have only a father; and he is lately married, and will not miss me. By dying young, I shall escape great sufferings. I had not qualities or talents to make my way very well in the world; I should have been continually at falt.'
Charlotte Brontë. Jane Eyre. New York: W.W. Norton & Company, Inc. 2001. p. 69.
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