Sobre este texto aqui. O escritor escreve e o leitor lê – a simplificação do anacronicamente longo processo editorial ao mínimo indispensável e ideal: há o que escreve e o que lê. Os que estão no meio – o editor, o distribuidor, o livreiro – desaparecem da equação. Esta idílica proximidade entre escritor e leitor é possível não apenas pela exclusão de intermediários, mas graças à sua substituição por um outro, mais generoso e democrático, pronto a receber tudo, a publicar tudo, cavaleiro da cardeal virtude de se estar a borrifar para os livros, desde que devidamente remunerado.
Horácio recomenda ao autor que deixe a sua obra a repousar na gaveta oito anos. Vivesse hoje recomendaria talvez que se arranjasse um bom editor. Se não nos choca a proposta de extinção de instâncias de filtragem e validação é talvez porque estas se têm vindo a demitir progressivamente do seu dever. O mercado – que aqui não é uma tenebrosa identidade abstracta, mas sim as pessoas que compram os livros, ou consumidores, como são tratados pelos grupos editoriais, que já perceberam que leitores não são – é bastante cruel. É também autofágico, o que torna a coisa divertida para quem não rangeu os dentes até ao desespero. Há a esperança de que, daqui a vinte anos, possamos entrar numa livraria – locais mais modestos – e encontrar livros e não produtos reluzentes. O último update da Margarida Rebelo Pinto, a três dimensões, com extras e fotografias, poderemos comprá-lo numa loja digital (na Amazon 3.0, ou na empresa que entretanto já levou a Amazon à falência). Os poucos que gostarem de livros, ou ainda souberem o que isso é, frequentarão recintos quase sagrados, locais de assembleia: a Poesia Incompleta e a saudosa Trama, ao invés de "modelos de negócio ultrapassados", como prefigurações de futuro. Mas isto não passa de uma projecção de desejo. Mais sobriamente devemos admitir que o futuro será diferente e é improvável que seja melhor.
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