terça-feira, 13 de dezembro de 2011

O canto do oráculo sobre a próxima colheita

O meu combate era a doutrina, a alfabetização, era pôr as minhas leituras ao serviço da libertação maubere, de alguma maneira. Explicar à massa rural analfabeta o que era Virgílio, por exemplo, que era o que eu conhecia melhor porque, é redundante explicar, era a paixão literária do meu pai. É claro, Virgílio e os clássicos interessam pouco a agricultores que, de epopeias e da sua própria gesta, querem apenas o canto do oráculo sobre a próxima colheita - algo que nós, maoístas de véspera, não levámos em conta.

O adjunto Jó, na altura, viu logo aquilo que eu era, aquilo que eu poderia ser e, sobretudo, aquilo que eu nunca seria, ainda que muito tentasse. Parte do meu carisma era detectar antes de tempo as limitações dos outros. Durante a retirada para o Matebian, uma tarde, pôs-me a mão no ombro,

És igual a mim, Eneias, mas não tentes ser como eu. Vamos lutar juntos, firmes, mas tu combates virado para o passado e eu combato virado para o futuro. Costas com costas ninguém nos tomba,

disse ele, falando para mim mas falando para toda a audiência de quadros,

é preciso alguém que olhe pela herança da nação enquanto a primeira linha olha o inimigo nos olhos.

Pedro Rosa Mendes, Peregrinação de Enmanuel Jhesus

Sem comentários:

Enviar um comentário