as mãos longas
sobretudo o olhar vivo
projetado
acima da linha da própria altura
rápido a entender as coisas
tinha o vício
de puzzles de quebra-cabeças
da decifração de sinais
um desses homens metódicos
por natureza
que cedo intui que nada
escapa ao caos
nem mesmo o tempo
breve dos obstáculos
que intrometemos
entre nós e as coisas
o tempo de um intervalo
na respiração
de um metrónomo
como o nilo que sobe
porque o mar
o cerca
porque os ventos de sudoeste
correm contra corrente
porque obstáculos o vedam
pensando nele
demoras-te um pouco
no problema do indecifrável
atravessas o longo campo devastado
da imaginação
o desdém
a sua forma lenta de pousio
uma coisa de fome
com garras e que grita
que imita a letargia do entardecer
invadindo tudo
colando-se ao voo de aves migratórias
a este convés de um velho navio sujo
e que te devolve finalmente ao real
puxando-te a partir
da mão que segura a caneta
e vai pousar sobre o estrépito intermitente
de uma dessas tempestades
sobre o mar
numa praia escura do norte
por mais nada que não
essa secreta medida
anterior
ancestral
a que lucrécio
na sua prudência
sábia de matemático
chamou
a grandeza suave do mar
não viveremos sem isto
suave mari magno
ou só podíamos ter vivido
sem isto se fôssemos
anteriores às imagens
se estivéssemos fora delas
se pudéssemos falar sem elas
não como ele
silencioso diante dos sinais
paciente
cuidadoso
medindo a sombra
sob o sentido
diante dessas pequenas
tábuas de argila
que durante anos
permaneceram indecifráveis
a mão segurando a caneta
devolve-nos ao sentido devido
confessamos
que esperávamos
por poemas épicos
cartas de amor
revelações escandalosas
dessa idade longínqua
a mulher do rei
traindo-o
com um qualquer cortesão
o embaixador
que vendendo ao inimigo
por uma medida de ouro
o plano dos pontos
fracos da muralha
vendeu o seu rei
ele demonstrou
que se tratava apenas
de uma imensa contabilidade
de palácio
escrupulosamente apontada
por gerações de amanuenses
mais ou menos
dedicados ou desajeitados
todo o sentido
que havia a extrair
de um incêndio
que durou séculos
a relação do número
de homens e dos seus cavalos
do seu trigo e do número
de remadores nos seus navios
michael morreu
num acidente
demasiado jovem
uma música
distante
imprecisa
tamborilando nas portas
john escreveu-lhe discretamente
talvez um pouco mais do que uma elegia
a adequação das palavras às circunstâncias
Tatiana Faia
Tão bonito. Obrigado.
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