quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Eneias em Timor

     Por questões práticas e políticas, não podia, de início, passar a Alor os testamentos de Ruy Cinatti - e a angústia deste ao constatar, depois da Segunda Guerra Mundial, a erosão rápida das artes e ofícios e de motivos tradicionais em Timor. Nem sequer dispunha dos livros na minha biblioteca. Os livros em português e o uso da língua eram anátema no tempo indonésio. Li Cinatti em biblioteca privada e em segredo, onde ninguém podia incomodar-me: em casa do governador Abílio Osório Soares. Não estou a inventar. A meu pedido, e parece que por recomendação do pai de Alor, o governador Abílio autorizou o rapaz a consultar «o que quisesse, quando quisesse», na sua biblioteca lusófona, que não era pequena. Penso que Alor aproveitou as leituras que fez, porque, a caminho de Baguia, disse-me
     Você é uma quimera, Pak Eneias,
     Quimera, eu?
     Eneias morreu por Matarufa e Matarufa não existe, geograficamente, politicamente, historicamente. Matarufa é uma ideia sem sítio, ou, se existe, ainda não emergiu das águas no início das coisas, pelo umbigo da mãe do mundo, como é que vocês dizem...


Pedro Rosa Mendes, Peregrinação de Enmanuel Jhesus

1 comentário:

  1. para quem não leu o livro (vae tibi!), a referência clássica nao é só a Quimera: é Eneias, pois não é esse o nome da personagem.

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