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sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Alguns machados

'...always your heart is like the unwearying axe blade/ struck through a beam by some craftsman who uses his skill/ to shape a ship's timber, and it adds force to his own effort...'

Ilíada, Homero, 3. 60f., Peter Green (trad.)


'A book must be the axe for the frozen sea inside us'

Kafka, Carta Oskar Pollak, 1904

sexta-feira, 8 de março de 2013

Infelicidade

When it was becoming unbearable – once toward evening in November – and I ran along the narrow strip of carpet in my room as on a racetrack, shrank from the sight of the lit-up street, then turning to the interior of the room found a new goal in the depths of the looking glass and screamed aloud, to hear only my own scream which met no answer nor anything that could draw its force away, so that it rose up without check and could not stop even when it ceased being audible, the door in the wall opened toward me, how swiftly, because swiftness was needed and even the cart horses down below on the paving stones were rising in the air like horses driven wild in a battle, their throats bare to the enemy.

Kafka, aqui.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Every thing possible to be believ'd is an image of truth

Submete-te à prova da humanidade.
Ela faz duvidar os que duvidam e faz acreditar os que acreditam.

Franz Kafka, Meditações.


A cidade e os olhos 

É o humor de quem a olha que dá à cidade de Zemrude a sua forma. Se passarmos por ela a assobiar, de nariz no ar atrás do assobio, conhecê-la-emos de baixo para cima: sacadas, tendas a ondular, repuxos. Se caminharmos através dela de queixo contra o peito, com as unhas espetadas nas palmas das mãos, os nossos olhares prender-se-ão ao chão, aos regos de água, aos esgotos, às tripas de peixe, ao papel velho. Não se pode dizer que um aspecto da cidade seja mais verdadeiro que o outro, mas da Zemrude de cima ouve-se falar sobretudo a quem se lembra dela afundando-se na Zemrude de baixo, percorrendo todos os dias os mesmos caminhos e reencontrando de manhã o mau humor da véspera incrustrado nas paredes. Para todos mais tarde ou mais cedo chega o dia em que baixaremos os olhos ao longo dos canos dos algerozes e já não conseguiremos afastá-los da calçada. Não está excluído o caso inverso, mas é mais raro: por isso continuamos a andar pelas ruas de Zemrude com os olhos que agora já escavam por baixo das caves, dos alicerces, dos poços.

Italo Calvino, As Cidades Invisíveis.

sábado, 31 de dezembro de 2011

Advogados de Defesa

O tempo que nos é concedido é tão breve que, se perdermos um segundo, já teremos perdido toda a nossa vida, pois ela não dura mais do que isso, ela dura apenas o tempo que desperdiçamos. Por isso, se iniciaste um caminho, continua-o aconteça o que acontecer; só tens a ganhar, não há qualquer risco, no fim até talvez caias a um precipício, mas se tivesses voltado para trás após os primeiros passos e descido as escadas a correr, terias caído de imediato - com toda a certeza. Por isso, se não encontrares nada nos andares de cima, não te preocupes e sobe a correr mais um lance de escadas. Desde que não pares de subir, as escadas nunca terminarão; elas continuarão sempre a crescer por debaixo dos teus pés apressados; estendendo-se interminavelmente para cima.

Franz Kafka, Contos, Cavalo de Ferro, 2004.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Sobre as Parábolas

        
Muitos queixam-se de que as palavras dos sábios são sempre meras parábolas, sem qualquer utilidade para a vida diária, que é, afinal, a única que temos. Quando o sábio diz: «Ide», ele não quer sugerir que nós devamos transpor um caminho até um qualquer local real, o que, aliás, poderíamos muito bem fazer se valesse a pena. Ele refere-se aqui a um qualquer destino fabuloso, algo que desconhecemos, algo que também ele é incapaz de designar com maior precisão, pelo que se torna incapaz de nos dar a mínima ajuda neste caso. Tudo o que estas prábolas se propõem a dizer é que o incompreensível é incompreensível, e isso já nós sabemos. Mas os problemas com que temos de nos debater todos os dias: isso já é outro assunto.
        A este respeito, disse uma vez um homem: Para quê esta relutância? Se vocês seguissem as parábolas, transformar-se-iam vocês próprios em parábolas e, assim, livrar-se-iam de todos os vossos problemas quotidianos.
        Outro disse: Aposto que também isso é uma parábola.
        Disse o primeiro: Ganhaste.
        Disse o segundo: Mas infelizmente, apenas em parábola.
        Disse o primeiro: Não, na realidade. Na parábola, perdeste.



Franz Kafka, Contos, Cavalo de Ferro, 2004.

domingo, 11 de dezembro de 2011

Entretanto, na Colónia Penal

O princípio de acordo com o qual estatuo é o seguinte: a culpa está sempre acima de qualquer dúvida. Outros tribunais podem não seguir este princípio, pois são constituídos por vários juízes e também têm instâncias superiores. Aqui não é o caso ou pelo menos não era na vigência do antigo Comandante. De facto, o novo já tentou imiscuir-se na minha jurisdição, mas, até agora, tenho conseguido repeli-lo e continuarei a consegui-lo. - O senhor queria que se esclarecesse este caso; é tão simples como qualquer outro. Um capitão denunciou hoje de manhã que este homem, que está às ordens dele como ordenança e que dorme diante da sua porta, adormecera durante o serviço. É seu dever levantar-se de hora a hora e fazer continência diante da porta do capitão. Certamente que não é um dever difícil e é necessário, pois ele tem de se manter apto tanto para vigiar como para servir. Na última noite, o capitão quis verificar se a ordenança estava a cumprir o seu dever. Abriu a porta às duas horas em ponto e encontrou-o enroscado a dormir. Foi buscar o chicote e fustigou-o no rosto. Ora, em vez de se levantar e pedir desculpas, o homem agarrou o seu superior pelas pernas, sacudiu-o e gritou: «Deita fora o chicote, senão devoro-te». - É esta a situação. O capitão veio ter comigo há uma hora, eu registei as suas declarações e, imediatamente a seguir, a sentença. Depois mandei acorrentar o homem. Tudo isto foi muito fácil. Se o primeiro o tivesse mandado comparecer e o tivesse interrogado, então isso geraria uma enorme confusão. Ele teria mentido, se me fosse possível refutar as mentiras, tê-las-ia substituído por outras, e por aí fora. Mas agora tenho-as comigo e não as largo mais. - Está tudo esclarecido? Mas o tempo passa depressa, a execução já devia ter começado e eu ainda não acabei a explicação do aparelho.


Franz Kafka, Os Contos, Assírio & Alvim, Lisboa, 2004.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Kafka

Se o livro que estamos a ler não nos desperta, como se fosse um soco na cabeça, então porque estamos a lê-lo? Para que nos faça felizes? Meu Deus, também seríamos felizes se não tivéssemos livros e os livros que nos fazem felizes também podíamos ser nós a escrevê-los, se fosse preciso. O que devemos ler são esses livros que se abatem sobre nós como uma desgraça, que nos afligem profundamente, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós próprios, como o suicídio.

Kafka, citado por Steiner, in «A nossa pátria, o texto», Paixão Intacta, Margarida Periquito e Victor Antunes (trads.), Relógio d'Água, 2003.