quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Every thing possible to be believ'd is an image of truth

Submete-te à prova da humanidade.
Ela faz duvidar os que duvidam e faz acreditar os que acreditam.

Franz Kafka, Meditações.


A cidade e os olhos 

É o humor de quem a olha que dá à cidade de Zemrude a sua forma. Se passarmos por ela a assobiar, de nariz no ar atrás do assobio, conhecê-la-emos de baixo para cima: sacadas, tendas a ondular, repuxos. Se caminharmos através dela de queixo contra o peito, com as unhas espetadas nas palmas das mãos, os nossos olhares prender-se-ão ao chão, aos regos de água, aos esgotos, às tripas de peixe, ao papel velho. Não se pode dizer que um aspecto da cidade seja mais verdadeiro que o outro, mas da Zemrude de cima ouve-se falar sobretudo a quem se lembra dela afundando-se na Zemrude de baixo, percorrendo todos os dias os mesmos caminhos e reencontrando de manhã o mau humor da véspera incrustrado nas paredes. Para todos mais tarde ou mais cedo chega o dia em que baixaremos os olhos ao longo dos canos dos algerozes e já não conseguiremos afastá-los da calçada. Não está excluído o caso inverso, mas é mais raro: por isso continuamos a andar pelas ruas de Zemrude com os olhos que agora já escavam por baixo das caves, dos alicerces, dos poços.

Italo Calvino, As Cidades Invisíveis.

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