Fiquei a observar esta simplicidade. Pensei, com segurança, em voz alta: "Isto é mesmo de há trinta anos atrás". (...) Senti-me morto, senti-me percebedor abstracto do mundo: indefinido terror imbuído de ciência, que é a melhor clareza da metafísica. Não acreditei, não, ter remontado às presumíveis águas do Tempo; antes me suspeitei possuidor do sentido reticente ou ausente da inconcebível palavra eternidade. Só depois consegui definir esta imaginação.
Escrevo-o agora, assim: esta pura representação de factos homogénos - noite em serenidade, ar límpido, cheiro provinciano da madressilva, barro fundamental - não é simplesmente idêntica à que houve nessa mesma esquina há anos; sem parecenças nem repetições, é a mesma. O tempo, se pudermos intuir esta identidade, é uma desilusão: bastam para o desintregar a indiferença e inseparabilidade de um momento do seu aparente ontem e de outro momento do seu aparente hoje.
É evidente que o número desses momentos humanos não é infinito. Os elementares - os de sofrimento físico e de gozo físico, os de aproximação do sonho, os da audição de uma música, os de muita intensidade ou de grande apatia - são mais impessoais ainda. Faço derivar de antemão esta conclusão: a vida é demasiado pobre para não ser também imortal. Mas nem sequer temos a segurança da nossa pobreza, visto que o tempo, facilmente refutável no sensitivo, não o é também no intelectual, de cuja essência parece inseparável o conceito de sucessão.
Jorge Luis Borges, História da Eternidade, trad. José Colaço Barreiros, Quetzal, 2012.
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