terça-feira, 19 de janeiro de 2010

«He loved beauty that looked kind of destroyed.»

Gostava dessa espécie de beleza
que podemos surpreender a cada passo,
desvelada pelo acaso numa esquina
de arrabalde; a beleza de uma casa devoluta
que foi toda a infância de alguém,
com visitas ao domingo e tardes no quintal
depois da escola; a beleza crepuscular
de alguns rostos num retrato de família
a preto e branco, ou a de certos hotéis
que conheceram há muito os seus dias de fulgor
e foram perdendo estrelas; a beleza condenada
que nos toma de repente, como um verso
ou o desejo, como um copo que se parte
e dispersa no soalho a frágil luz de um instante.
Gostava de tudo isso que o deixava muito a sós
consigo mesmo, essa espécie de beleza
arruinada
onde a vida encontra o espelho mais fiel.

Rui Pires Cabral, Oráculos de Cabeceira, Averno, 2009

5 comentários:

  1. È o meu poema preferido do livro. Fossem como este poeta todos os avernosos e muito apreciaria os rapazes sem qualidades.

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  2. andava por aqui a passear e dei com a tua pergunta. Apesar de ter sido endereçada ao Luis Filipe Nunes, e correndo o risco de me meter onde se calhar nem deveria, diria apenas que o imprescindivel de Rui Pires cabral é o Música Antológica e Onze Cidades, ed Presença

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