quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Os ouvidos de Deus


Pe. António Vieira

Sermão das Exéquias do Augustíssimo Rei D. João IV o Animoso, o Invicto Pai da Pátria de Imortal Memória
«Na Música, a que S[ua] Majestade era tão conhecidamente inclinado, foi cousa muito advertida, e reparada, que toda era ordenada ao culto Divino. Até hoje não houve no Mundo livraria de Música, como a que S[ua] Majestade tinha ajuntado de todo ele, e de todos os famosos Mestres de todas as idades. Mas que continha toda esta livraria? Missas, Vésperas, Psalmos, Poesias, e Versos Divinos: enfim, Música Eclesiástica. A música de David lançava os Demónios fora dos corpos: há outra música, que mete os Demónios na alma. Toda a Música de S[ua] Majestade era verdadeiramente Música de David, nem podia ouvir outra. Tendo tantos Músicos, e gastando tanto com eles, não tinha S[ua] Majestade Músicos de Câmara, senão só de Capela. Quando queria ouvir Música, não mandava cantar um tono, que é o gosto ordinário dos Príncipes, e dos que o não são; mandava cantar um Psalmo, ou um Magnificat, ou outra cousa Sagrada, com admiração de todos. Muitos dos Psalmos de David têm por título: Ipsi David: Para o mesmo David. Lede estes Psalmos, e achareis que todos continham louvores de Deus: de sorte que a Música, que era para David, era juntamente para Deus; e a Música, que era para Deus, era juntamente para David. Cá os Reis do Mundo têm Música de Câmara, e Músicos de Capela: Música para si, e Música para Deus. David, e El Rei D. João não eram assim: os seus ouvidos eram como o seu coração, feitos pela medida dos ouvidos de Deus; e só o que nos ouvidos de Deus fazia ressonância, tinha também harmonia nos seus ouvidos.»

in João Francisco Marques (ed.), Sermões do Padre António Vieira. Morte e Sepultura. Oratória Fúnebre. Figueirinhas, Porto, 2009

A ilustração é retirada da Relaçam da morte e enterro ... delRey D. João IV


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