sábado, 23 de janeiro de 2010

«Carta de uma desconhecida» - Max Ophüls (1948)

1.
A vida dissoluta tem o seu encanto, desde
que a pessoa durma bem e tenha a sorte
de morrer cedo. Quando não, embaraça
ver um velho D. Juan a mendigar, de sacristia
em sacristia, um sucedâneo de amor.
A libertinagem, como qualquer opção moral,
deve ser levada às últimas consequências.
Pois de todos os pecados o mais inestético
é o arrependimento.

2.
Feliz é quem percebe a tempo aquilo que ama.
Esse não vai ao engano, não se mete onde não presta,
desconhece o desconsolo de uma carta fora de horas,
quando está já de roupão e de chinelos de quarto,
a cabeça uma colónia de fantasmas escarninhos.

Dar ouvidos, insistir, escolher a restrição do amor,
não vejo que outra coisa seja digna de um homem livre.

José Miguel Silva, Movimentos no Escuro, Relógio d'Água, 2005

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