Uma épica de leves incidências, lâmpadas
que estoiram no basalto da memória,
onde tudo se confunde: acção e ficção,
calor e calafrio. A infância será isso,
uma «arte de mentir», a bem dizer.
Desse campo de farinha traduzimos
nós o pão que levamos hoje à boca,
sem fome nenhuma. Que saudades
do desejo incipiente, da sopa de venenos
na cozinha da avó, do tempo
em que navios de caruma
não tinham por destino a geena.
E já nada nos distingue, rapazes,
nem sequer o privilégio nos anima
desses nomes que rezamos, isolados:
Aldina, Volpina, Tomaide - a vertigem
do ardor, a volúpia da mulher
na gruta do tabaco. Fumos e misérias,
privações que nos rebocam vida fora.
José Miguel Silva, Movimentos no Escuro, Relógio d'Água, 2005
que estoiram no basalto da memória,
onde tudo se confunde: acção e ficção,
calor e calafrio. A infância será isso,
uma «arte de mentir», a bem dizer.
Desse campo de farinha traduzimos
nós o pão que levamos hoje à boca,
sem fome nenhuma. Que saudades
do desejo incipiente, da sopa de venenos
na cozinha da avó, do tempo
em que navios de caruma
não tinham por destino a geena.
E já nada nos distingue, rapazes,
nem sequer o privilégio nos anima
desses nomes que rezamos, isolados:
Aldina, Volpina, Tomaide - a vertigem
do ardor, a volúpia da mulher
na gruta do tabaco. Fumos e misérias,
privações que nos rebocam vida fora.
José Miguel Silva, Movimentos no Escuro, Relógio d'Água, 2005
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