sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

«Amarcord» - Frederico Fellini (1973)

Uma épica de leves incidências, lâmpadas
que estoiram no basalto da memória,
onde tudo se confunde: acção e ficção,
calor e calafrio. A infância será isso,
uma «arte de mentir», a bem dizer.

Desse campo de farinha traduzimos
nós o pão que levamos hoje à boca,
sem fome nenhuma. Que saudades
do desejo incipiente, da sopa de venenos
na cozinha da avó, do tempo
em que navios de caruma
não tinham por destino a geena.

E já nada nos distingue, rapazes,
nem sequer o privilégio nos anima
desses nomes que rezamos, isolados:
Aldina, Volpina, Tomaide - a vertigem
do ardor, a volúpia da mulher
na gruta do tabaco. Fumos e misérias,
privações que nos rebocam vida fora.

José Miguel Silva, Movimentos no Escuro, Relógio d'Água, 2005

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