sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Todas Pálidas, as Redes Metidas na Voz.

Todas pálidas, as redes metidas na voz.
Cantando os pescadores remavam
no ocidente — e as grandes redes
leves caíam pelos peixes abaixo.
Por cima a cal com luz, por baixo os pescadores
cheios de mãos cantando.
Cresciam as barcas por ali fora, a proa
aberta como uma janela ao sal.
Metida na voz, toda pálida, a proa
rimava no ocidente com a cal que os pescadores
remavam, cantando grande, pe-
la luz fora. Ao sol, ao sal.

E o espírito de Deus como um livro
movia-se sobre as águas.
Com seu motor à popa, veloz, peixe
sumptuoso, o espírito de Deus, motor de um nú-
mero de cavalos, galgava
a antiga face pálida das águas. Enquanto,
cantando as redes,
os pescadores metiam as mãos cheias
de cal pelos grandes peixes abaixo.
E pelas barcas fora a luz remava pe-
lo ocidente todo pálido, rimando
as redes leves com proa.

E o peixe espírito de Deus, rangendo
o motor, rompia com um número,
remando todo pálido os seus grandes
cavalos. Deus
cantava no ocidente sobre as redes de cal,
a proa aberta — como as guelras
da luz. E os pescadores
metiam as redes pelo espírito de Deus abaixo.
E os remos rimavam com redes
leves no peixe sumptuoso.
Por ali fora as guelras caíam na voz
dos grandes pescadores.

E Deus metido então nas redes, puxado
cor de cal para dentro
das barcas, as mãos cantando cheias
de pescadores.
E sobre as águas rangentes, rompendo
o leve ocidente, os pescadores remavam
o espírito de Deus para terra — peixe
de motor à popa — e a proa
grande aberta.

E cantavam o seu peixe sumptuoso, espírito
pálido na leve cal do ocidente
cantando.

Herberto Helder, A Máquina Lírica in Ofício Cantante, Assírio & Alvim, Lisboa, 2009

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