segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Xenia II.5

Desci, dando-te o braço, pelo menos um milhão de escadas
e agora que já cá não estás é o vazio em cada degrau.
Mesmo assim a nossa longa viagem foi breve.
A minha ainda dura, mas já não me acontecem
as coincidências, as reservas,
as ciladas, os dissabores de quem crê
que a realidade é aquilo que se vê.

Desci milhões de escadas dando-te o braço
e não porque com quatro olhos talvez se veja mais.
Contigo desci-as porque sabia que de nós os dois
as únicas verdadeiras pupilas, ainda que ofuscadas,
eram as tuas.

Eugenio Montale, Satura, in Poesia, tradução de José Manuel de Vasconcelos, Assírio & Alvim, Lisboa, 2004.

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