Desci, dando-te o braço, pelo menos um milhão de escadas
e agora que já cá não estás é o vazio em cada degrau.
Mesmo assim a nossa longa viagem foi breve.
A minha ainda dura, mas já não me acontecem
as coincidências, as reservas,
as ciladas, os dissabores de quem crê
que a realidade é aquilo que se vê.
Desci milhões de escadas dando-te o braço
e não porque com quatro olhos talvez se veja mais.
Contigo desci-as porque sabia que de nós os dois
as únicas verdadeiras pupilas, ainda que ofuscadas,
eram as tuas.
Eugenio Montale, Satura, in Poesia, tradução de José Manuel de Vasconcelos, Assírio & Alvim, Lisboa, 2004.
Sem comentários:
Enviar um comentário