sábado, 29 de janeiro de 2011

Uma questão geracional

No primeiro diálogo entre Electra e Orestes, quando ela ainda não sabe quem ele é, Electra diz, ao recordar Clitemnestra, que as mulheres amam os seus homens, não os seus filhos. É um verso que nomeia a motivação para a crueldade  e para o pragmatismo que Clitemnestra exibe para com os dois filhos depois de lhes ter morto o pai e ao mesmo tempo fala da condição desgraçada a que foram condenados os dois irmãos (um tem de abandonar, ainda muito jovem, a cidade para escapar à morte, a outra é unida a um camponês, na versão de Eurípides pobre mas honesto, muito abaixo da sua condição para que a sua linhagem não venha a ameaçar os futuros filhos de Clitemnestra e Egisto). Este único verso é toda uma explicação. 
O que importa notar, contudo, é que na explicação encontrada por Electra  não  se alude à maldição que pesava sobre a casa dos Tantálidas, a uma força maior que tenha condenado Clitemnestra a agir, isto é, a  matar Agamémnon porque este antes tinha sacrificado a sua filha Ifigénia. Sucede, contudo, que quando Agamémnon sacrifica Ifigénia, para que em Áulis soprem vento favoráveis que permitam à armada partir para Tróia, há um momento em que Agamémnon hesita e conclui que «sorte pesada é não obedecer» aos deuses. A visão que Electra tem do acto da mãe é de outra índole. Pode-se argumentar que não podia ser outra, porque qualquer outra poderia ser uma forma de justificar ou desculpar Clitemnestra, despir o crime praticado da sua forma de crime, torná-lo outra coisa, que, consequentemente, tornaria também Clitemnestra outra coisa
A forma como Electra vê Clitemnestra é apenas lúcida e pragmática. Nenhum deus a determinou, ela, como todas as mulheres, amou mais a um homem do que aos seus filhos. E sublinhe-se ainda que Egisto não vale metade da sombra de Clitemnestra, dos dois ela é mais complexa, mais inteligente, mais desafiante (parece-me que isto é válido tanto em Ésquilo quanto em Eurípides). Mas entre estas palavras de Electra e quem Electra é para Eurípides há o espaço para o sorriso de amarga, e ao mesmo tempo quase terna, ironia do dramaturgo. Electra, proporcionalmente, é uma filha que ama mais os seus homens (primeiro o pai, Agamémnon, e depois o irmão, Orestes, morto o pai garante da perpetuação da linhagem) do que ama a mãe. A medida com que ela julga Clitemnestra teria servido para a julgar a ela própria. O motivo pelo qual ela condena a outra mulher serviria para condená-la a ela. Mas há este desfazamento no tempo, Clitemnestra teve o seu tempo e agora é o tempo de Electra.

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