Pensei naqueles versos no Hino Homérico a Dioniso ...οἱ δέ σ᾽ ἀοιδοὶ/ ᾁδομεν ἀρχόμενοι λήγοντές τ᾽: οὐδέ πῃ ἔστι/ σεῖ᾽ ἐπιληθομένῳ ἱερῆς μεμνῆσθαι ἀοιδῆς... em que se diz «que nós os poetas, começando e terminando todos te cantamos, quem quer que te esqueça não pode recordar-se de um canto sagrado (a tradução é mais ou menos esta, com uma ou outra pequena variação)». Homero diz que um poeta não pode recordar o caminho do canto se se esquecer do deus das colheitas, do vinho, da loucura, da dança, da origem do teatro. As coisas concretas (o vinho, as colheitas) de que Dioniso era o deus tutelar eram coisas rituais, ligadas à passagem das estações na terra. Também a dança, a loucura ritual eram coisas investidas de um carácter tão sagrado e inexplicável como o tempo que passa e consigo traz de novo o momento das colheitas, a força que brota da terra quando ela caminha para o ocaso, para o tempo do outono. Mas esta é uma força ambígua, porque ambíguo é Dioniso, deus estrangeiro, duas vezes nascido, filho secreto de Zeus e de Sémele. Uma força que tem uma parte de destruição e morte e ao mesmo tempo uma infinita sedução, uma promessa de belo, renovação, gestos rituais, por vezes nem saberíamos dizer porquê, coisas que nos afastam um pouco dos nossos lugares no mundo para que com ele infalivelmente nos tornemos a encontrar. Homero quando escreveu aqueles versos, pensei que falava também desta força de atracção.
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