sábado, 8 de janeiro de 2011

O comboio do esquecimento

(Homenagem a Max Ophüls)

Eu que fui quase uma rainha, sim, fui uma rainha!,
e tive a Baviera e o seu rei a meus pés.
Eu, a condessa de Lansfeld, Lola Montes para outros,
por quem Franz Liszt havia sonhado no seu piano,
como haviam sonhado tantos e esse sonho os redime,
avanço agora, será que avanço?, neste comboio,
por paragens inóspitas, lamaçais e pós.
Não soam aos meus ouvidos os violinos de Munique,
nem os pássaros do entardecer nas folhagens romanas,
apenas portas que rangem, vidros que estremecem
e as pesadas rodas que fustigam o metal.
Chegaremos a um povoado - todos são iguais -
sujidade e ruído, bêbados e bastardos
são a essência e o símbolo desta nova fronteira.
Mineiros e camponeses, pistoleiros e jogadores de profissão
beijarão as minhas mãos, hão-de querer tocar-me,
por um mínimo preço, aproximar-me dos deuses.
Neste comboio de madeira e miséria
que vem do nada e para lado nenhum vai,
entre campos monótonos e aldeias de barracas,
eu, Lola Montes, condessa de Lansfeld,
ensaio a única expressão que aprendi na vida:
um ricto de desprezo e uns olhos sem tempo,
que se perdem na noite, no comboio do esquecimento.

Juan Luis Panero, Poemas, Joaquim Manuel Magalhães (tradução e prefácio), Relógio d'Água, 2003.

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