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A morte não te dizia respeito.
Também os teus cães estavam mortos, morto estava
o médico dos loucos a quem chamavam o tio demente,
morta a tua mãe e a sua «especialidade»
de arroz de rã, triunfo milanês;
e também o teu pai que de um pequeno medalhão
me vigia da parede noite e dia.
Mas apesar disso a morte não te dizia respeito.
Aos funerais era eu que tinha de ir,
escondido num táxi ficando à distância
para evitar lágrimas e incómodos. A própria
vida não te importava com as suas feiras
de vaidades e cobiças e muito menos os
cancros universais que transformam
os homens em lobos.
Uma tábua rasa; se não se desse o caso
de um ponto existir, para mim incompreensível,
e esse ponto dizia-te respeito.
Eugenio Montale, Satura, in Poesia, tradução de José Manuel de Vasconcelos, Assírio & Alvim, Lisboa, 2004
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