terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pitonisa de bolso













Depois de me forçar a persegui-lo por oito lances de escadas e duas janelas abertas, o gato estaca. É evidente que não pára de cansado ou porque tenha chegado exactamente ao lugar onde queria. Pára para amigavelmente me oferecer a pequena humilhação de uma trégua. Insondáveis são os desígnios do gato, conformemo-nos a eles. Rebola-se a ronronar de contente no chão de mármore, pela janela entram uma ou duas folhas secas que ele se entretém a espanejar com as patas durante um bocado e, quando estou quase no limite da paciência, vem enrolar-se nas minhas pernas. Pessoanamente falando, qualquer coisa no gato é um sinal de que num lugar recôndito de Janeiro estão escondidas as primícias da Primavera, qualquer coisa nele que guardasse por instinto a memória disso, um lento resgatar dos primeiros frutos na sua corrida pelas escadas (mais certamente sinal de que estaríamos a chegar à época do «se te armas em esperto, mijo-te o Herberto»). Agora senta-se para ali, à janela, como se nada fosse com ele, pitonisa de bolso,  insondavelmente abana a cauda em cima dos livros. Adoro o sacana do gato, desde o momento em que, ainda com dois ou três meses, enfiado dentro de um saco com mais três ou quatro gatinhos me estendeu as patas e começou a morder-me furiosamente, mas cheio de método, as mãos. Com se dissesse: «I think this is the beginning of a beautiful friendship.»

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