Ela passava - cerimoniosamente - as páginas de um jornal
- um jornal em espanhol, comprado em Victoria Station -.
Ele olhava pela janela para os últimos bairros,
a cidade apagando-se por detrás, a precária luz de outono.
Ela lia - minuciosamente - a página da necrologia,
ele olhava agora o campo: cavalos e ovelhas,
o vento nos ramos, paisagens de Constable.
Ela comentava histórias de imprensa, os casos do dia,
ele recordava uma criança atónita, em silêncio,
- havia séculos, numa casa de Eaton Square.
Noutro tempo, com outra mulher,
a passagem do Tamisa na margem cinzenta.
Passavam as páginas do jornal
e passavam corpos e camas,
uma mulher despida que se ria
com hálito de vodka e tabaco.
O comboio chegava ao seu destino e ela acabou a leitura.
Debaixo do assento daquele comboio
- entre Londres e Dover - ficaram abandonados
um amarrotado jornal em desordem
e cinquenta anos da vida de um homem.
Juan Luis Panero, Poemas, Joaquim Manuel Magalhães (tradução e prefácio), Relógio d'Água, 2003.
Sem comentários:
Enviar um comentário