Assim, há trinta e cinco anos que precipito os pacotes numa situação desesperada, risco os anos, os meses e os dias, contando quanto falta para nos aposentarmos, a minha prensa e eu; todas as noites trago, na minha pasta, livros para casa, e o meu apartamento, num segundo andar em Holesovice, está repleto de livros, livros apenas: a cave está cheia e o alpendre já não chega, a cozinha, a despensa e a retrete estão cheias, apenas o caminho para a janela e para o fogão estão livres, na retrete apenas há espaço para me poder sentar; por cima da sanita, à altura de um metro e meio já há traves e pranchas e em cima delas, até ao tecto, erguem-se os livros, quinhentos quilos de livros; chega um único movimento desajeitado ao sentar-me, um levantar imprudente, para tocar na trave mestra, e meia-tonelada de livros se precipitará sobre mim e me esmagará com as calças descidas. Mas como aqui já não se consegue acrescentar nem um só livro, assim, no quarto, em cima de duas camas juntas, mandei pôr traves e pranchas em forma de baldaquim, de um dossel de cama, sobre as quais estão arrumados livros até ao tecto; trouxe duas toneladas de livros para casa durante trinta e cinco anos, e, quando estou a adormecer, duas toneladas de livros como uma falena de dois mil quilos pesam sobre os meus sonhos. Às vezes, quando me viro inadvertidamente ou grito e me agito ao dormir, ouço, horrorizado, como os livros escorregam; chega apenas um leve toque de joelho, talvez apenas um grito e como uma avalanche tudo se precipitará sobre mim, uma cornucópia cheia de livros precisos cairá dos céus sobre mim e esmagar-me-á como um piolho.
Bohumil Hrabal, Uma Solidão Demasiado Ruidosa, Edições Afrontamento, tradução de Ludmila Dismánova e Mário Gomes, 1992.
Não consigo deixar de lembrar outra vez a história do al-Jahiz ("esbugalhado"), que percorria as livrarias de Bagdade no século IX, e pedia aos livreiros que o deixasse lá pernoutar, não para dormir, mas para ler. Até que um dia lhe caiu um armário de livros em cima e ele morreu. Diz que é verdade. A minha mãe dizia aflita que era esse o meu destino, quando era adolescente e tinha um armário até ao tecto demasiado atulhado de livros.
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